Comentário

A «Europa» deles

Pedro Guerreiro
Talvez irritado pelo que designa de «mess» na União Europeia - que o dicionário traduz por confusão, desordem, dificuldade, trapalhada,... -, Ernest-Antoine Seilliere, o Presidente da UNICE (confederação do grande patronato na Europa), não pára de expressar a sua preocupação pelas consequências da rejeição do projecto de tratado, abusivamente designado de «constituição europeia».
Para este porta-voz do grande capital na Europa, se não for encontrada uma solução urgente para o que chama de «crise institucional», será a própria «essência do projecto» da UE que «poderá, pouco a pouco, ser posta em causa», ou seja: o «mercado interno», a «política comercial comum» e a «moeda única».
Daí que, enquanto consideram não estar criadas as condições para tentar (re)impor a já rejeitada «constituição europeia» - feita à medida das ambições e dos interesses do grande capital na Europa -, procuram avançar, de facto consumado em facto consumado, na concretização de muitos dos objectivos nela inscritos.
Por isso, Seilliere anda numa roda-viva exigindo uma «moderna e forte» liderança política ao nível nacional e da UE que seja capaz de dar um «empurrão» às «reformas» (ou seja, à política de direita) e «explicar os seus benefícios» (ou seja, justificar os injustificáveis sacrifícios e exploração imposta aos trabalhadores e escamotear que quem realmente beneficia com esta política são os grandes grupos financeiros).

Onde já ouvimos isto?

Na caderno de encargos que apresenta à Comissão Europeia, presidida por Durão Barroso, Seilliere exige, entre outros aspectos a concretização do mercado interno (ou seja a abertura à concorrência de todos os sectores, nomeadamente os serviços), a salvaguarda da concorrência capitalista em qualquer iniciativa a nível comunitário e o apoio ao sector privado através de programas comunitários, ou seja, de subvenções públicas.
E, pela enésima vez, numa linguagem carregada de eufemismos, Seilliere pugna pela concretização dos «objectivos para o emprego» (ou seja, a liberalização do mercado de trabalho, a redução dos salários e dos direitos laborais), de «sistemas de saúde eficientes» (ou melhor, a privatização dos sistemas públicos de saúde) e a existência de «esquemas sustentáveis de pensões» (traduzindo: a entrega ao capital financeiro dos sistemas públicos de prestações sociais e pensões).
Tudo no respeito do colete-de-forças que é o Pacto de Estabilidade que, para a UNICE, deverá ser «rigorosamente» respeitado.
A UNICE tem a consciência de que «a maior parte do trabalho» terá que ser realizado «a nível nacional», por isso valoriza os «programas nacionais de reformas» e o papel promotor e fiscalizador da instituição supranacional, que é a Comissão.
O grande capital sabe que a sua ofensiva contra direitos e conquistas dos trabalhadores será tanto mais consistente quanto mais esteja alicerçada no plano político-institucional, daí que afirme que «é necessário desatar o nó górdio e avançar com o tratado constitucional». Para Seilliere este é «sem dúvida o maior desafio», considerando que é preciso «fazer um esforço para convencer» os trabalhadores das vantagens da integração e mundialização capitalistas. E aponta o caminho: avaliar a situação e adoptar um calendário e um método, a par da realização de campanhas (de propaganda) dirigidas pelos governos nacionais, ou seja, a partir de meios públicos.

O que os une...

Esta brevíssima caracterização de algumas das actuais prioridades do grande capital na Europa coloca em evidência o quanto estas se identificam com as prioridades e políticas promovidas ao nível comunitário e realizadas pelos diversos governos - sejam de direita ou da social-democracia -, nos diferentes países da UE, nomeadamente, pelo Governo do PS, em Portugal. Ou seja, no fundamental, Seilliere está de acordo com Durão Barroso, assim como este está com Sócrates. Seilliere diz o que já ouvimos da boca de Belmiro de Azevedo (membro da Mesa Redonda Europeia dos Industriais) ou da de Francisco van Zeller (Presidente da Confederação da Indústria Portuguesa, membro da UNICE). Compreendem-se assim os elogios de Belmiro e van Zeller a Sócrates. No fundo, podemos concluir que o que a todos une é a política de direita.
Dito de outra forma, a integração de Portugal na CEE/UE não é um processo neutro. Bem pelo contrário, é um processo que coloca em causa os interesses dos trabalhadores e do País, que serviu e serve de alavanca à restauração dos monopólios em Portugal e que se caracteriza pela submissão e condicionamento da soberania e das potencialidades de desenvolvimento do País à ingerência, ao domínio e às prioridades das grandes potências e do grande capital.


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