Comentário

Com vitórias destas…

Pedro Carvalho
O Conselho Europeu de 16 e 17 de Dezembro de 2005 chegou a um acordo sobre o próximo quadro financeiro para 2007-2013, dando assim um novo alento ao processo de integração europeia e às tentativas de ressuscitar a defunta «constituição para a Europa». Este foi um mau acordo para a União Europeia (UE) e para Portugal. As grandes potências europeias conseguiram o objectivo de reduzir o orçamento comunitário para o próximo quadro financeiro para 1% do RNB comunitário em 2013, apesar do alargamento, pondo em causa a coesão económica e social.
Como não podia deixar de ser, no final das negociações, as conclusões do Conselho foram vendidas como mais uma vitória para Portugal. De acordo com o Governo, melhor era impossível. Portugal assegurava mais dinheiro (1,2 mil milhões de euros para o desenvolvimento rural) e mais flexibilidade na aplicação dos Fundos Estruturais, de Coesão e no desenvolvimento rural (mais 5 pontos percentuais de co-financiamento comunitário, 320 milhões de euros do desenvolvimento rural financiados a 100%, consideração do IVA não reembolsável como despesa e a transformação da chamada regra N+2 em N+3). Os comentadores de serviço e a comunicação social apontavam que as transferências comunitárias ascenderiam a 8,8 milhões de euros (1,76 milhões de contos) e lembravam que este seria o derradeiro quadro financeiro para Portugal.
Mesmo aceitando como certos os números que o Governo então forneceu – um pacote financeiro global de 22,5 mil milhões de euros – Portugal perderia mais de 10% das transferências comunitárias face ao anterior quadro financeiro 2000-2006 (Agenda 2000), uma redução de cerca de um milhão de euros por dia, cerca de menos 2,6 mil milhões de euros para os 7 anos, ou seja, o equivalente aos montantes do Fundo de Coesão. Para além disso, o Governo esqueceu-se de dizer que o Algarve continua a ser penalizado pelo chamado efeito estatístico, que o limite de transferências comunitárias do país foi reduzido de 4% do PIB para cerca de 3,2%, que a regra N+2 passou a ser aplicada ao Fundo de Coesão, que a Madeira perderá cerca de 200 milhões de euros e que, a pretexto chamado «cheque britânico», outros «cheques» vão ser dados aos países mais ricos à custa de todos os outros, ou seja, Portugal vai pagar mais para o orçamento comunitário.
Isto numa altura de extrema debilidade da economia portuguesa que, depois de um período de desaceleração da convergência com a União Europeia, entrou desde 2000 em clara divergência económica, tendência que se deverá manter pelo menos até 2007 (mesmo ao nível da taxa de desemprego que se encontra hoje no seu valor mais elevado desde 1987). O PIB por habitante português, em PPC face a média comunitária a Quinze, está hoje ao nível de 1991, ou seja, um recuo de 15 anos. Vinte anos de Fundos Estruturais não contribuíram para compensar os custos de 20 anos de integração. A que se somam o custo das inúmeras «vitórias» destas nos conselhos europeus.
Hoje, ao que parece, os cálculos são outros. Feitas as contas e depois da pressão mediática ter passado, Portugal ficou, quanto muito, ao nível do acordo obtido em Junho de 2005 com a presidência Luxemburguesa, ou seja, 21,3 mil milhões de euros, para os sete anos, tendo em conta que entre um acordo e outro, o bolo global dos Fundos Estruturais para a UE foi reduzido em 1,5 mil milhões de euros. Ou seja, uma redução de 15%, cerca de menos 1,4 milhões de euros por dia, cerca de 1,3 vezes o montante do Fundo de Coesão.
O mesmo aconteceu quando da «vitória» da Agenda 2000. Portugal não só aceitou o alargamento da UE sem aumento dos limites orçamentais, perdendo 500 milhões de contos face à proposta então da Comissão, como também mais tarde os números acabaram por não bater certo no que concerne ao Fundo de Coesão e ao desenvolvimento Rural.
É de realçar igualmente os objectivos e o quadro estrito em que vão ser aplicados os novos Fundos. O novo quadro financeiro responde de forma directa aos objectivos inscritos na dita «constituição europeia», não sendo de estranhar que seja a competitividade (pelo menos 60% dos Fundos Estruturais irão para financiar os objectivos da estratégia de Lisboa) e o espaço de liberdade, justiça e segurança – luta contra o terrorismo, segurança interna, cooperação policial, controlo das fronteiras e da imigração – as rubricas que mais aumentam face a 2006. Da mesma forma é a PESC que assume a parte de leão ao nível da política externa, preconizando-se um reforço substancial. E quanto a estas prioridades, Comissão, Parlamento Europeu e Conselho estão de acordo. Assim, a rejeição do Parlamento Europeu do quadro financeiro foi um mero passo negocial para garantir para si mais poder de decisão. Por outro lado, tudo fica em aberto com a possibilidade de uma revisão global do acordo em 2008/2009, de preferência depois das eleições para o PE. É caso para dizer que com vitórias destas…


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