Greve em Nova Iorque

John Catalinotto
Pela primeira vez desde há 25 anos, os trabalhadores do metro e dos autocarros de Nova Iorque paralisaram os serviços de transportes públicos, durante 60 horas contadas a partir das três da madrugada de 20 de Dezembro. Nos dias de semana, o sistema público de transportes serve sete milhões de pessoas. Nesses três dias não transportou ninguém.
Mais do que qualquer outra coisa, a greve foi uma chamada de atenção aos que nos Estados Unidos parecem ter esquecido que a classe trabalhadora existe, que é ela que faz funcionar tudo e que pode fazer parar tudo. Os cerca de 34 000 trabalhadores do Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes (TWU 100, na sigla inglesa), na sua maioria negros e latino-americanos, tiveram a coragem de usar o seu poder, apesar da repressiva Lei Taylor que considera ilegais as greves dos empregados públicos de Nova Iorque. Através desta lei, os tribunais podem impor multas de milhões de dólares ao Sindicato e descontar a cada trabalhador dois dias de salário por cada dia de greve. As negociações continuam e o TWU enfrenta muitos problemas. Mas durante três dias, em toda a cidade de Nova Iorque e em grande parte do país falou-se de trabalhadores, sindicatos e greves.
O TWU está a negociar com os «patrões» da Autoridade do Transporte Metropolitano (MTA). O governador do Estado de Nova Iorque, George Pataki, e o multimilionário presidente da Câmara de Nova Iorque (mayor), Michael Bloomberg designam os membros da MTA, muitos dos quais são na verdade executivos do Estado. Apesar da ameaça ao negócio durante o período festivo, os executivos da MTA provocaram a greve ao fazerem exigências que a direcção do TWU foi forçada a rejeitar.
No dia em que terminou a vigência do acordo com o sindicato, 15 de Dezembro, a MTA apresentou novas exigências ameaçando as pensões, as reformas e a unidade
dos trabalhadores ao propor contratos diferenciados. Os novos trabalhadores passariam a pagar um por cento do salário para os cuidados de saúde; as contribuições para as pensões passariam de dois para seis por cento, e a idade de reforma passaria de 55 para 62 anos. O presidente do TWU, Roger Toussaint, disse mais tarde numa conferência de imprensa que a MTA forçara o sindicato à greve ao insistir ilegalmente na alteração do sistema de pensões.
Ainda a 15 de Dezembro, a MTA aprovou um orçamento de 9,3 mil milhões de dólares para 2006 que inclui mil milhões de dólares de saldo positivo, mas não ofereceu nada de novo aos 34 000 trabalhadores dos transportes. Nesse orçamento, o custo anual do pagamento do serviço da dívida quase duplica o de 2004, passando de 848,1 milhões de dólares para 1,6 milhões de dólares em 2008.

Mais trabalho, menos direitos

Quanto aos actuais trabalhadores, a MTA quer ter o direito de os poder deslocar por todo o sistema, acabar com a mudança de turnos nas estações e reduzir condutores de forma a que haja apenas um trabalhador em cada comboio, pondo em causa a segurança dos trabalhadores e dos passageiros. Foi estabelecido um elevado nível de produtividade para acelerar as operações.
Os condutores de autocarro já conduzem actualmente veículos duas vezes maiores do que os autocarros normais. O aumento de salário oferecido é substancialmente inferior ao aumento do custo de vida.
Os problemas com os cuidados de saúde, pensões, segurança no trabalho e condições de vida dignas afectam milhões de trabalhadores, organizados e não organizados. O que o sindicato pretende é que os jovens e os novos assalariados tenham os mesmos benefícios dos actuais trabalhadores. Este é um princípio do movimento sindical que foi perdido nas últimas décadas face à ofensiva patronal.
Na manifestação sindical levada a cabo a 19 de Dezembro em frente da sede do governo de Pataki, em Manhattan, muitos outros sindicatos da cidade, em particular do sector público, manifestaram a sua solidariedade com os trabalhadores dos transportes.
Segundo a empresa Eyewitness News Survey USA, cerca de 52 por cento dos habitantes apoiaram o TWU, enquanto 40 por cento apoiaram a MTA. Já a estação WWRL, com uma audiência maioritariamente afro-americana, informou que 71 por cento dos seus ouvintes apoiavam o TWU. Este é um facto assinalável tendo em conta que os principais jornais e televisões foram quase a 100 por cento contra o TWU e os culparam pela greve. O mayor Bloomberg classificou mesmo publicamente os dirigentes sindicais como «bandidos». Muitas pessoas viram este comentário como um insulto racista e reagiram, manifestando abertamente ainda mais simpatia pelo sindicato.
Na tarde de 23 de Dezembro, após os dirigentes do TWU terem decidido pôr fim à greve enquanto prosseguiam as negociações, um número crescente de organizações sociais veio para a rua manifestar o seu apoio ao TWU, nos dois lados da Ponte Brooklyn, distribuindo panfletos, jornais e autocolantes com as palavras «Eu apoio o TWU», a uma multidão receptiva. Apesar do apoio não ser uniforme, é evidente que muitos se identificam com as exigências do TWU e consideram a greve justa.
Nenhum acordo foi anunciado na tarde de 25 de Dezembro. Mas como um trabalhador disse aos jornalistas, «Parámos em força, e voltaremos a parar ainda com mais força».


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