Equívocos e omissões

Jorge Cordeiro
Não faltará quem veja nas linhas seguintes novos e inoportunos juízos críticos sobre a candidatura de Manuel Alegre. Ainda assim, e sob risco de tais interpretações, não se cederá à pressão dos que, disparando em todas as direcções, julgam poder fazê-lo sem admitir direito de resposta. Há coisas que têm de ser ditas e actos que devem ser explicados sob pena de dos silêncios, resultar uma soma de equívocos e de falsas opiniões. Mal seria se, em nome do respeito pela pessoa e pela sua candidatura, se deixasse criar em torno dela e da sua relação com as presidenciais aquela imagem que Alegre conseguiu habilmente construir enquanto membro e dirigente do partido a que pertence : a de cereja de esquerda no bolo da política de direita do Partido Socialista. Pelo que duas anotações, de conteúdo critico, devem ser registadas.
A primeira, a que corresponde à imodesta pretensão de apresentar a sua candidatura como a única que classifica de genuína, porque liberta dos «directórios partidários», e aquela que representa um «teste à cidadania». Difundir a ideia de que os subscritores da sua candidatura são mais livres e mais densos em termos de cidadania do que os de outras, servirá os interesses da campanha contra os partidos e contra a política (que curiosamente outra candidatura também explora) mas não serve certamente a democracia. Desde logo porque traz implícita uma intolerável avaliação de menorização de todos quantos, livre e soberanamente, assumem a sua condição de cidadãos com filiação partidária. Depois porque esta linha de pensamento e de exaltação de candidaturas «independentes», exigiria no mínimo maior prudência pelo que ainda há pouco se viu nas últimas eleições autárquicas. E, sobretudo, porque este discurso não apaga a legitima conclusão que se pode retirar do incontestável facto de, quem agora assim age e pensa, o fazer sobretudo por despeito de não poder ter sido, como ambicionava, o candidato oficialmente apoiado pelo PS.
A segunda, para sublinhar o facto de, sem pretender interferir na sua estratégia de campanha, não deixar de surpreender a bonomia da sua atitude face a Cavaco Silva ou a insistência com que repete que a sua eventual vitória lhe não retira o sono, o que, sem se pretender que conduza à consideração (porventura exagerada) de que se trata de uma candidatura amiga de Cavaco, levou já o candidato da direita a elogiar e valorizar, em contraponto às outras, o posicionamento de Alegre.
O que atrás fica escrito é essencialmente critica política indispensável a não deixar alimentar equívocos ou a premiar omissões. Porque a clareza — tão pouco presente em Alegre, como se vê nas «oportunas» ausências em que tem de decidir seja em matéria de revisões constitucionais ou de aprovação de orçamentos do Estado — é indispensável ao escrutínio da verdade e a uma cidadania consciente.


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