Navegações

Anabela Fino
O homem do leme, o tal que abandonou o navio mal o impedido de serviço à gávea avistou derrota na costa eleitoral, está de volta.
Burilado pela travessia no deserto - que é como quem diz fóruns internacionais, salões académicos, autobiografias, artigos em jornais e revistas, intervenção cívica e nada de nada de política partidária -, o homem do leme regressou parco de palavras mas muito mais aprimorado na arte marinheira de gingar, que agora se traduz no lema maior que apresenta como Norte da sua navegação para Belém: remar em sintonia com o Governo e o capital em direcção à terra do salve-se quem puder.
Esta atracção pelo meio aquático terá as suas razões, mas não se espere que o homem esclareça seja o que for. Não por incapacidade, note-se, mas pelo mais elementar instinto de sobrevivência, já que está sobejamente provado que quando o homem fala ou entra mosca ou sai asneira, o que, convenhamos, é pouco condicente com as aspirações de estadista.
O homem - ou será que se deve dizer o man? - é não só dado à troca de nomes como a perder as contas aos cantos, para além de ter memória curta e visão desfocada, o que o leva a confundir o pelotão da frente com o fundo da tabela, a baralhar o oásis com o deserto, e a encarar de forma autista a sua própria prestação na vida pública. Daí decorre, por exemplo, que tenha esquecido os 100 000 empregos prometidos, que no final da década do seu consulado se traduziram em mais 100 000 desempregados; ou que cite como exemplo da sua excelência os acordos negociados em três dezenas de concelhos europeus para áreas como os têxteis, as pescas, a agricultura - só para citar algumas -, que são justamente as que se encontram nas ruas da amargura apesar dos muitos milhões de fundos comunitários entrados no país para a sua alegada modernização; ou que fale na confiança que inspira aos portugueses, como se a população em geral e aos trabalhadores em particular pudessem esquecer as cargas policiais como as registadas na Manuel Pereira Roldão, na Marinha Grande, única resposta dada às suas veleidades de direito ao trabalho e à justiça.
Com semelhante handicap, o homem, certamente aconselhado pelas mais modernas centrais de marketing especializadas em vender presidentes como quem vende sabonetes, refugiou-se primeiro no tabu do faz-de-conta-que-está-a-decidir-se-vai-ou-não-candidatar-se, de onde evoluiu para a fase do não-digo-não-comento-não-critico, inovando a época do silêncio-é-a-alma-do-sucesso.
A coisa funcionou tão bem que pode mesmo pensar-se que, não fora a existência de campanha eleitoral, o homem seria eleito à conta de não abrir a boca. O busílis da questão está no facto de a tradição ainda ter o seu peso, o que no caso vertente significa que os candidatos não se podem limitar a falar sozinhos e são forçados a vir a terreiro esgrimir argumentos com os adversários. Assim sendo, o homem, que mais parece um daqueles antigos bonecos de cartão a que se vai pendurando trajes ao sabor das conveniências, teve de sair do cenário e cair na realidade. O resultado foi o que se viu e há quem garanta que ainda agora a procissão vai no adro. Valha-nos isso, que para pior já basta assim. Nesta batalha naval, vale a pena lembrar, o objectivo é meter o porta-aviões ao fundo.


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