Comentário

Chover no molhado

Natacha Amaro
As chuvas que se fizeram sentir nos últimos dias de Outubro foram um bálsamo para as paisagens áridas, que pouco tinham ainda de Outono, e um desafogo numa parte das bacias hidrográficas do país, com os níveis das águas a subir para valores mais animadores. Quase no fim de um ano de seca, de dificuldades vividas pelo sector agrícola e florestal português e de preocupação relativamente aos recursos hídricos disponíveis, as chuvas trouxeram a estação do ano que o calendário há muito anunciara e algum alívio para os problemas assinalados. Apenas algum alívio porque a chuva entretanto abrandou, há problemas que se mantêm e outros novos que surgem.

Efeitos das chuvas

Com as primeiras chuvas fortes, surgiram algumas das sequelas de mais um Verão incendiário: águas negras das cinzas acumuladas nos terrenos ardidos, perigo de erosão dos terrenos ou mesmo derrocadas. A questão da presença de cinza nos rios não é meramente cromática, apesar de um rio negro impressionar qualquer um, mas revela antes que a composição da própria água poderá estar alterada. A contaminação das águas é uma das hipóteses aventadas, estando a serem realizadas análises que possam indicar os prejuízos da presença de cinzas para a qualidade da água. Rios como o Zêzere suscitam preocupações porque, desaguando na barragem de Castelo de Bode, podem afectar o abastecimento de água a cerca de três milhões de pessoas. É caso sério. O Parque Natural da Serra da Estrela tem sido um dos afectados pelas derrocadas provocadas pelas chuvas, concertadas com a ausência de vegetação deixada pelos incêndios deste Verão.
Os perigos para a saúde pública decorrentes da qualidade da água, a insegurança na fragilidade de alguns terrenos e a ameaça de seca que ainda persiste em certas zonas do país são questões pertinentes que não podem deixar de ser acompanhadas e exigem medidas.

As propostas

Durante os incêndios que lavraram no nosso país o novo Governo escamoteava as suas responsabilidades na matéria, desvalorizava como podia as consequências terríveis dos fogos e chutava para Outubro a apresentação de soluções – uma proposta verdadeiramente peregrina: primeiro, deixar arder, depois, apresentar propostas para evitar que arda.
Num dos últimos dias de Outubro, o Conselho de Ministros apresentou «um conjunto de diplomas que visam dar resposta às ineficiências e carências detectadas no sistema nacional de protecção civil e na prevenção, detecção, alerta e combate a incêndios». As medidas propostas têm o condão de, para dizer o mínimo, não satisfazer a generalidade dos actores envolvidos.
As propostas são, na forma resumida apresentada pelo executivo, «uma nova atitude na Protecção Civil» («atitude», nada de meios), «uma melhor vigilância» envolvendo GNR, Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente, Guardas Florestais e a Rede Nacional de Postos de Vigia (mais uma vez, ausência do reforço de meios humanos), «maior capacidade operacional» (referem-se meios «aéreos» mas amalgamados em hiper-estruturas que envolvem da GNR às Câmaras Municipais) e «unidade no planeamento, na direcção e no comando», ou seja transformar num peso morto uma estrutura que se quer ágil, expedita e eficaz.
A comunicação social tem dado eco a algumas das reacções a estas propostas. Muitas das críticas retomam apreciações da complexa questão do combate aos incêndios que há muito o PCP tem apresentado nas suas análises e acção, tanto na Assembleia da República como no Parlamento Europeu. Continuar a anunciar propostas avulsas para quatro ou cinco meses do ano, ignorar o património legislativo já existente mas arrumado na gaveta, insistir no autismo como forma de relacionamento com as organizações envolvidas, responsabilizar as já de si assoberbadas autarquias, criar novas estruturas pesadas e inoperantes e baralhar poderes de decisão e acção, são alguns dos reparos a fazer.
As propostas do Governo incluem ainda as regras de aplicação do Forest Focus em Portugal. Este regulamento comunitário diz respeito ao acompanhamento das florestas e das interacções ambientais na Comunidade. Apesar de válido, pelos impactos que poderá ter no combate à poluição das florestas, relega para o desenvolvimento rural as necessárias medidas de prevenção de incêndios florestais e está enfermo, como a generalidade dos apoios comunitários, pelos fracos recursos que lhe foram atribuídos, como os deputados do PCP ao PE apontaram aquando da discussão deste regulamento. Logo, o Forest Focus tem a sua importância mas não concorre na luta contra os incêndios.
Não parece ser desta que a vontade política apregoada para pôr fim aos incêndios se tenha materializado em propostas exequíveis e consentâneas com a real situação. É caso para dizer: choveu no molhado.


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