Motins em França

Explosão das desigualdades

No início da semana, mais de cinco mil viaturas e numerosas instalações e equipamentos públicos haviam sido vandalizados e destruídos pela vaga de motins urbanos que assola a França desde há duas semanas.

As políticas repressivas agravaram a conflitualidade nos bairros sociais

A revolta nos bairros pobres das cidades francesas, habitados maioritariamente por famílias de imigrantes árabes e negros, começou com um incidente aparentemente pouco relevante no atribulado quotidiano da periferia de Paris.
No dia 27 de Outubro, uma quinta-feira, no subúrbio parisiense de Cliché-sous-Bois, dois adolescentes de origem árabe, julgando-se perseguidos por agentes policiais, refugiaram-se num posto de transformação de electricidade onde morreram electrocutados. As autoridades apressaram-se a declarar que tudo não passou de um equívoco. Os agentes estariam no encalço de outros indivíduos que não os adolescentes vitimados. De qualquer forma, tendo a polícia comunicado a intrusão de ambos na instalação, o Tribunal de Bobigny decidiu abrir um inquérito «por falta de assistência a pessoas em perigo».
Embora as suas circunstâncias continuem por esclarecer totalmente, o incidente foi pretexto para uma série de actos violentos que se registaram logo nessa noite e que rapidamente alastraram a outros bairros sociais dos subúrbios de Paris e, logo de seguida, a praticamente todos os grandes centros urbanos da França continental.
O rastilho já ardia quando o ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, um político de ultradireita com aspirações à presidência francesa, decidiu atribuir os distúrbios a «uma escumalha» de bandos mafiosos e traficantes de droga que prometeu «limpar».
Recusando ver as causas da pequena delinquência no aprofundamento das desigualdades, nas discriminações raciais, na pobreza, no desemprego maciço e exclusão que estigmatiza as comunidades imigrantes, em particular, de segunda e terceira gerações, as políticas de direita seguidas ao longo de décadas mais não fizeram do que agravar a fractura social.
Ao mesmo tempo que reduziam ao osso os mecanismos de assistência e protecção social e fechavam serviços públicos, os governos de direita apostaram na repressão para controlar a revolta das populações dos HLM (bairros sociais), transformados em ghetos insalubres de imigrantes prontos a explodir em qualquer momento.
Desde que chegou ao ministério do Interior, há três anos, Sarkozy suprimiu a polícia de bairro, que estava integrada nas comunidades, e concedeu plenos poderes aos destacamentos anti-motim que passaram a patrulhar os bairros problemáticos, recorrendo a métodos repressivos e arbitrários contra as minorias étnicas. Multiplicaram-se as detenções e os controlos de identidade abusivos. O aspecto dos indivíduos passou a ser determinante na intervenção policial. O clima de confrontação acentuou-se.

Espiral de violência

Na terça-feira, dia 8, o governo francês aprovou um decreto permitindo aos governadores civis de aplicar o recolher obrigatório. A decisão foi mais uma vez anunciada por Sarkozy, revelando que durante 12 dias serão permitidas buscas nos subúrbios sempre que haja suspeita de posse de armas.
Segundo um porta-voz da presidência francesa, Jacques Chirac reunirá novamente o Conselho de Ministros no final da semana para aprovar um novo projecto de lei que prevê a prorrogação do estado de emergência para além do prazo de doze dias estipulado pela lei de 1955.
«Onde for necessário, os prefeitos poderão sob autoridade do ministro do Interior aplicar o recolher obrigatório caso o considerem apropriado para favorecer o regresso à calma e garantir a protecção dos habitantes», declarou o primeiro-ministro Dominique de Villepin, anunciando o reforço das forças de segurança entre oito mil e 9500 efectivos. O governo decidiu ainda enviar para os subúrbios 1.500 reservistas.


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