Manipulações

Jorge Cordeiro
Uma discreta nota da redacção do DN de resposta a uma rectificação de um leitor, é exemplo de um certo jornalismo que por aí acampou. A noticia que então se corrigia, por absolutamente falsa, e que dava como verdade o reforço da maioria do Bloco em Salvaterra de Magos, teria resultado, segundo o DN, de «informação fornecida por Francisco Louçã». Irrelevante para o fundo da questão será saber quem mentiu. Conhecida que é a irreprimível simpatia de alguma comunicação social por aquele partido — bem presente nos textos, nos títulos e nos encómios que inundam as noticias que se lhe referem — poder-se-á dizer que não se vê o que aqui há de novo. Verdade será. Mas ele é apenas um exemplo, limitado mas elucidativo, do que a última campanha eleitoral, e também a que agora está lançada, nos reserva em matéria de noticiário.
Desde logo pela promíscua fusão entre a actividade e o dever de informar e as simpatias, ou antipatias, políticas que sectores da comunicação social teimam em não abandonar e que fazem do episódio acima referido um exemplo de cumplicidades que poluem o direito a uma informação rigorosa e verdadeira. Ao conhecido abuso do recurso a fontes anónimas na produção da informação, junta-se agora, na construção de noticias, o uso de fontes partidárias, não assumidas enquanto tais, mas sim para, apresentadas enquanto «informação», veicularem opinião de interesse deste ou daquele partido.
Depois, no crescente número de exemplos que evidenciam certas « linhas editoriais» moldadas e determinadas por simpatia, ou antipatia, partidárias. Uma realidade que tem ganho nos últimos tempos uma dimensão que tende a tornar regra aquilo que em absoluto não devia acontecer ou, acontecendo, ser testemunho de excepções que importaria combater.
Por último, no papel das sondagens, caso maior para o estudo de técnicas de manipulação em que se têm constituído. O uso ostensivo das sondagens, não enquanto elementos de aferição de tendências ou avaliação de preferências, mas sim enquanto instrumentos de manipulação e de construção de correntes de opinião destinadas a favorecer uns e prejudicar outros, teve nas últimas eleições bastos exemplos: quer pela desvalorização ostensiva da CDU face a terceiros (que os resultados em absoluto desmentiram) quer pela criação artificiosa de hipotéticos «empates técnicos» favoráveis à bipolarização. As recentes sondagens sobre as presidenciais parecem querer perpetuar uma prática que se tornou regra: quando a vontade expressa pelos inquiridos fere os objectivos políticos que os autores das sondagens pretendem obter, recorre-se ao truque de atribuir arbitrariamente uma opção eleitoral aos indecisos que a não quiseram ter. E se uma sondagem, como a última publicada pelo DN, teima em dar nos seus resultados brutos — que expressam a opinião dos inquiridos — vantagem a Jerónimo de Sousa sobre Louçã, o problema resolve-se invertendo-a na «projecção» e pondo na boca dos potenciais eleitores o que não quiseram dizer. Ou seja, manipulando.


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