A crise e os sacrifícios

Leandro Martins
Desde há tempos imemoriais – não tanto assim porque ainda há gente que se lembre e ponha a data nos factos, situando-os, por exemplo, há cerca de trinta anos, quando a política de direita passou a comandar os destinos do País – que a figura da crise, qual espantalho em dia de bruxas, sendo acenada nas janelas de São Bento ou de Belém, tem servido para pedir aos portugueses mais sacrifícios. Havia sempre, segundo diziam os manipuladores de fantasmas, uma «luz ao fundo do túnel» e por vezes os cidadãos eram brindados com um «oásis», a explicar que, se a coisa estava feia por cá, era muito pior lá fora...
Segundo se pode deduzir, a crise, em vez de dissipar-se, varrida pelos sacrifícios entretanto extorquidos, não tem feito mais do que avolumar-se. E tomou entretanto vários trajes, o último dos quais terá sido o défice público, o aterrador papão imposto pelos grandes da União Europeia que, eles, nem sequer se imaginam a respeitar. Mas a coisa tem funcionado assim. Manuela Ferreira Leite, no governo de Barroso, estimou um número e apontou sacrifícios. Sócrates, prometendo acabar com o dragão do défice, ao chegar a São Bento, assustou-se com o volume do bicho e deu o dito por não dito. Copiando Bush pai, garantiu - reed my lips - que não aumentaria os impostos... e lá subiu o IVA outra vez. Para além de – sem ter pedido – impor sacrifícios ainda maiores, cortando em reformas e pensões e aumentando na idade para alcançar as ditas, juntando a isto, como o faz de novo, um extenso rol de aumentos de... preços.
É que o País está em crise. Mas, hoje como antes, a crise tem duas faces, como as da moeda. De um lado condena à pobreza e à miséria, já à fome e à falta de esperança em dias melhores a esmagadora maioria da população. Os números – dois milhões de pobres – mostram quanto os sacrifícios atingem os mais desfavorecidos.
Mas do outro lado? Também aqui nos servimos dos números. Segundo os jornais, neste caso o Correio da Manhã, os lucros dos quatro maiores grupos privados ultrapassaram os mil milhões de euros em apenas 9 meses este ano. Por seu lado, a Lusa revela que o Banco Espírito Santo atingiu 201 milhões de euros, contra 77 milhões em igual período do ano passado. A Sonae Sierra, do Belmiro apoiante de Cavaco, cresceu 45 por cento – sempre referindo os 9 meses de 2005. A Shell sobe 68 por cento. A Galp Energia aumentou 80 por cento, arrecadando lucros no valor de 399 milhões de euros. A EDP aponta para um lucro na ordem dos 369 milhões. Eles acham pouco. Por isso pedem mais um esforço, mais uma esmolinha...


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