Orçamento do Estado para 2006

Perpetuar as desigualdades e as injustiças

Mais desemprego e piores salários, num contexto de acentuado agravamento das injustiças sociais, eis, em síntese, uma das marcas mais fortes do Orçamento do Estado para 2006.

OE sa­cri­fica o cres­ci­mento eco­nó­mico e o em­prego

Ao sacrificar o crescimento da economia, o emprego e o desenvolvimento, tudo em nome do sacrossanto défice, este é o Orçamento que pela mão do PS garante a continuidade das políticas de direita anteriores.
Submetido desde segunda-feira no Parlamento à apreciação na especialidade, que se prolongará até ao dia 11 de Novembro, altura em que subirá a plenário para debate na generalidade, o OE cedo suscitou reacções fortemente críticas do PCP.
Intervindo no vibrante comício realizado no dia 21 perante uma plateia entusiástica que encheu a Sala Tejo do Pavilhão Atlântico, em Lisboa, o Secretário-Geral do PCP não poupou o Governo PS por ter construído um orçamento destinado não a combater mas a perpetuar e aprofundar a injusta realidade que é a sociedade actual, assente no que considerou ser um «aberrante e inaceitável modelo de desenvolvimento dual».
Referia-se Jerónimo de Sousa à «amarga e dramática realidade» que é a existência de cerca de dois milhões de portugueses com rendimentos abaixo do limiar da pobreza, coexistindo, em simultâneo, com essa outra realidade que são os «lucros fabulosos» que os grandes grupos económicos continuam a arrecadar «apesar da crise e à sombra da crise» (ver nesta edição).

A ob­sessão do dé­fice

Resulta claro, pois, para os comunistas, que o primeiro orçamento da «era sócratiana» recupera e volta a insistir na velha obsessão do controlo do défice e do cumprimento integral do Pacto de Estabilidade e Crescimento, mesmo na sua aparente reformulação mais recente.
Obsessão esta que não traz nada de novo e vem confirmar que o PEC, tal como o PCP disse há meses atrás, «não foi de facto alterado em nenhum dos seus aspectos centrais», como salientou em declarações ao Avante! o deputado comunista Honório Novo. A verdade é que a sua reforma não passou de uma operação de cosmética destinada a procurar dar uma resposta no plano da propaganda ao movimento de opinião muito generalizado contra o PAC. Continuou, por isso, no essencial, a ser um instrumento incapaz de promover o crescimento e combater o desemprego.
É o que sucede com este OE ao não colocar na ordem do dia aquilo que, na opinião do PCP, deveria ser o objectivo central: «promover o crescimento da economia, dando sinais de motivação do investimento, investindo ao nível público para que o crescimento global desse saltos significativos e o crescimento da economia nacional em 2006 pudesse saltar para níveis compatíveis com o aumento da qualidade de vida e uma luta eficaz contra o desemprego».
«Valores de crescimento económico inferiores a 2 e a 2,5 por cento são valores que não promovem o emprego e, por conseguinte, mantêm ou aceleram o nível do desemprego, que é o que acontece nas perspectivas orçamentais do Governo para 2006», sublinhou Honório Novo, numa primeira análise ao documento entregue pelo Governo no início da passada semana na Assembleia da República.
O contributo dado por este orçamento para a estagnação e o fraco crescimento da economia está, de resto, bem patente no PIDDAC - o investimento público - , que sofre um corte brutal de cerca de 25 por cento, podendo dizer-se que em termos muito aproximados o investimento atinge valores idênticos aos que existiam há cerca de dez anos.

Os tru­ques do cos­tume

À crítica das bancada comunista não escapa, por outro lado, aquilo que foi apresentado pelo Governo como sendo, desta vez, o corte com práticas do passado que se constituíram em factores de descrédito do documento norteador das contas do Estado no plano das receitas e despesas. Fernando Teixeira dos Santos, Ministro de Estado, das Finanças e da Administração Pública, fez mesmo juras de transparência e rigor, garantindo ser este um orçamento credível, sem quaisquer truques.
Esta, percebe-se, é uma linha de propaganda que o Governo procurará explorar no decurso do debate mas que não resiste a uma análise mínima do OE.
«Qual é a credibilidade que tem um governo que quatro ou cinco meses depois de ter apresentado o seu programa de estabilidade e crescimento, de ter apresentado o próprio orçamento rectificativo, vem rever todos os indicadores que tinha previsto?», pergunta Honório Novo, para quem não é aceitável que num espaço de tempo tão curto previsões fundamentais sejam tão drasticamente diminuídas.
Com efeito, o Executivo PS revê em baixa o crescimento para o ano que vem em cerca de 23 por cento – passa de 1,4 para 1, 1 - , revendo em baixa o investimento global e revendo em baixa o nível das exportações. «Ainda que estes, tal como o nível da previsão da taxa de desemprego, sejam níveis não credíveis, em função daquilo que é a realidade económica e do que são as previsões de baixa de crescimento da riqueza», faz notar o parlamentar do PCP.

Go­verno mente

Desmontada por Honório Novo é também a ideia propalada por Teixeira dos Santos de que neste OE não há recurso a medidas extraordinárias. «É absolutamente fantasmagórica e diríamos mesmo que é uma mentira total», assevera-nos o parlamentar do PCP, lembrando, a propósito, que o OE de Santana Lopes e de Bagão Félix, ainda que revisto, conservou uma previsão de receitas extraordinárias só resultantes da venda de activos do Estado, isto é privatizações, de cerca de 400 milhões de euros.
Ora o Governo de Sócrates nesta sua primeira versão orçamental prevê receitas também resultantes de privatizações na ordem dos 1600 milhões de euros, ou seja, quatro vezes mais. «O que mostra bem a dimensão da mentira deste rótulo que se pretende colar ao OE sobre uma alegada inexistência de medidas extraordinárias», concluiu o deputado comunista.

Saco azul para os amigos

Vários são os truques utilizados pelo Governo no OE para 2006. Um dos principais, que é simultaneamente uma das principais fraudes dos últimos anos, tem a ver com o que está previsto para o poder local e para as autarquias em geral.
Qual segredo de Estado guardado a sete chave, só dias depois das eleições é que o Governo veio abrir o jogo sobre esta matéria. Trata-se do não cumprimento directo da Lei das Finanças Locais, o que já não ocorria desde o tempo dos governos do PSD sob a alçada de Cavaco Silva.
Para além de novos aspectos ao constrangimento da autonomia do poder local (ao nível do seu endividamento ou das suas obrigações para com a Caixa Geral da Aposentações, por exemplo), esta é uma afronta à Lei que retoma a prática daquele que é hoje candidato à Presidência da República e que foi o último primeiro-ministro assumidamente a não cumprir a lei das Finanças Locais.
«Isto não é truque. É uma autêntica fraude com uma dimensão política assinalável porque ocorre quinze dias depois de terminada uma campanha eleitoral», sustenta Honório Novo, que alerta para a circunstância de o Governo ter em preparação um imenso saco azul para distribuir pelos 109 amigos que são hoje presidentes de câmara socialista. Para estes, denunciou, «não haverá constrangimentos devido à existência no OE desse enorme saco azul de 200 milhões de euros (verba que se bem distribuída permitiria até provavelmente o integral cumprimento da lei das finanças locais), criado para que o Governo a seu belo prazer e conforme as suas conveniências distribua pelas autarquias amigas».

Pe­na­lizar os sa­lá­rios

Questão central, para o PCP, é a que se prende com a política salarial. Também aqui, na perspectiva da bancada comunista, estamos perante mais um truque inscrito no OE. É que o Governo ao mesmo tempo que antevê a possibilidade clara de haver uma diminuição sensível dos funcionários públicos – prevê uma diminuição das despesas com pessoal de 2,5 ponto, o que só é possível com despedimentos e outros malabarismos deste tipo - , inscreve aparentemente para aumentos de salários uma verba que não chega a dois por cento.
Ora mesmo que esta verba venha a concretizar-se – e não é seguro que o venha a ser – ela representará uma nova diminuição do poder de compra dos trabalhadores da administração pública, o que ocorre pelo sétimo ou oitavo anos consecutivos. Para além de que este tecto se repercutirá simultaneamente nas contratações colectivas do sector privado, com uma generalizada contenção de salários e com novas perdas de poder de compra para a esmagadora maioria dos trabalhadores.


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