Comentário

A «reforma» da ONU

André Levy
A chamada reforma das Nações Unidas (NU) foi um dos pontos na agenda da Cimeira Comemorativa dos seus 60 anos, que decorreu a semana passada em Nova Iorque. Uma das questões em aberto é a restruturação do Conselho de Segurança (CS), actualmente composto por cinco países com lugar permanente e direito de veto (os P5: China, EUA, França, GB, e Rússia), e dez lugares ocupados por representantes dos diferentes continentes, com rotação cada dois anos. As propostas de alargamento do CS reflectem sobretudo jogos de poder entre nações, e não um genuíno empenhamento em tornar este orgão de decisão mais democrático e transparente. As próprias reuniões dos Grupos de Trabalho das NU para discussão de reformas são fechadas ao público, média e organizações não governamentais, mesmo as acreditadas pelas NU.

Quatro países (os G4: Alemanha, Brasíl, Japão e Índia) apresentaram uma proposta conjunta de expansão do CS a 25 membros, incluindo seis novos membros permanentes (os próprios G4, e eventualmente dois representantes africanos) e quatro lugares rotativos. Este projecto é oposto pelos rivais regionais dos G4, incluindo respectivamente Itália, Argentina e México, China e Correia do Sul, e o Paquistão (auto-designados Unidos para Consenso), que propõe um alargamento de dez lugares não-permanentes (Modelo Verde). O painel do secretário-geral propôs a criação de uma classe intermédia, de semi-permanência, eventualmente de cinco anos (Modelo Azul).

Qualquer forma de alargamento porém arrisca-se a tornar o CS menos eficaz, e eventualmente levar os P5 a formarem um sub-grupo que funcionasse como comité executivo. Isto sem ultrapassar o principal obstáculo ao funcionamento democrático do CS, o direito de veto dos P5, e o uso de chantagem financeira. O Japão, o segundo maior contribuinte para as NU, já demonstra conhecer bem o jogo, ao ameaçar reduzir os seus pagamentos se não lhe for atribuído um lugar permanente.
De longe o maior devedor às NU é os EUA, que no final de 2004 devia 241 milhões de dólares, 68% do orçamento regular da NU. Em contraste, este orçamento representa 0,5% do orçamento militar dos EUA, menos que o custo de um único bombardeiro B-2. O peso financeiro desta dívida tem sido repetidamente usado pelos sectores mais conservadores do capital para determinar a política das NU, incluindo a infame saída dos EUA da UNESCO em 1984, por se opor a medidas que procuravam libertar os média das agências corporativas de notícias, ou a votação unânime (!) do Senado dos EUA em 1994 de suspender o pagamento de 129 milhões de dólares, caso as NU acreditassem a ILGA( ) (o que resultou). O uso do veto financeiro foi mesmo formalizado pelos EUA. Em 1999, o Congresso acordou tornar o pagamento da dívida às NU contingente ao cumprimento dos seus critérios.

A presente ronda de reforma das NU foi precedida de enormes pressões por parte do capital dos EUA e seus lacaios (o governo e os média), incluindo ataques ao secretário-geral, Kofi Annan, por possível ligação a um alegado caso de corrupção envolvendo o seu filho e o programa «Petróleo por Alimentos», como se o principal promotor e actor deste programa não fossem os próprios EUA. Think-tanks, como o Cato Institute e a Heritage Foundation, com grande peso na administração Bush, lançam fortes ataques descrevendo as NU como uma ameaça à humanidade e as suas resoluções como estrangulando a economia mundial e “forçando a redistribuição dos recursos globais”. Em Abril, o Senado votou diminuir os pagamentos ao programa de manutenção da paz das NU. No verão, o Presidente Bush apontou executivamente John Bolton como embaixador dos EUA às NU, à revelia do Congresso (que ameaçava chumbá-lo). Bolton tem um longo historial de hostilidade às NU, e apressou-se a apresentar centenas de emendas ao documento de trabalho das NU, incluindo cortar referências ao Tribunal Criminal Internacional e aos Objectivos de Desenvolvimento para o Milénio (que incluí a meta de reduzir para metade a pobreza mundial até 2015, e um compromisso financeiro de 0,7% do PIB para ajuda externa – os EUA contribuem apenas 0,16%).

Enquanto os EUA se recusam a aprovar tratados tão consensuais como a Convenção dos Direitos da Criança (2), ou tão urgentes como o protocolo de Quioto, não podemos esperar que os EUA contribuam para tornar as NU num organismo ao serviço da humanidade, e não dos seus interesses. Enquanto os P5 puderem usar do poder de veto e do seu peso financeiro, uma verdadeira reforma das NU não será possível. Enquanto resoluções da Assembleia Geral forem sistematicamente ignoradas, o CS não será um órgão democrático e representativo.

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1) - Ilga: International Lesbian anda Gay Association

2) - O tratado mais rapidamente ratificado e largamente apoiado da história, com 191 nações participantes, exceptuando apenas os EUA e o Sudão


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