Álvaro Cunhal - a escrita revolucionária

Ao longo da vida, o militante revolucionário e desde muito cedo quadro dirigente do Partido, aliou a teoria e a prática, deixando-nos uma vasta obra que é ao mesmo tempo reflexão e intervenção na vida política, conhecimento profundo da realidade e da História, definição de rumos que, tendo sempre em conta as circunstâncias históricas e as correlações de forças, não deixou nunca de perseguir um objectivo central: a conquista da liberdade e da democracia, da justiça social e da democratização da cultura, a construção em Portugal de uma sociedade socialista.
A própria tese apresentada em 1940, quando, como preso político, se apresentou ao exame do 5.º ano jurídico da Faculdade de Letras de Lisboa, revela as preocupações eminentemente sociais e políticas de Álvaro Cunhal. «O Aborto - causas e soluções», é um valioso trabalho que, ainda hoje, passados 65 anos, mantém infelizmente toda a sua actualidade e é um libelo acusatório contra a hipocrisia política e moral que lança milhares de mulheres portuguesas no flagelo do aborto clandestino, com os seus perigos para a saúde e para a própria vida, sujeitando-as a humilhações degradantes.
Mas é no plano estritamente político que a intervenção de Álvaro Cunhal teve efeitos determinantes, tanto a nível partidário - na reorganização do PCP no início dos anos 40 e na formação da própria «consciência partidária» e do pensamento próprio dos comunistas portugueses na sua actividade, na análise de cada momento histórico e na percepção das tarefas que levaram a cabo - como a nível do que o Partido foi capaz de realizar ao longo de décadas de resistência ao fascismo, nos momentos decisivos da Revolução Democrática e Nacional, no avanço e consolidação das suas principais conquistas, nas batalhas em sua defesa.
Pode dizer-se que será muito difícil - menos para aqueles que têm da história uma visão redutora, sectária e conservadora, mesmo quando aparece renovada em roupagens neoliberais - abordar os principais momentos da história portuguesa do século XX sem recorrer às análises a que Álvaro Cunhal procedeu, mesmo submetendo os seus relatórios, livros e discursos à apreciação colectiva dos seus camaradas. O trabalho colectivo, que sempre prezou, nunca pôde apagar a contribuição individual e fundamental que deu para a clarificação de questões políticas cruciais do mundo de hoje.
O dirigente comunista contribuiu decisivamente para a reorganização do Partido iniciada em 1941, na definição das tarefas do PCP não apenas junto dos trabalhadores mas também na criação e dinamização do Movimento de Unidade Nacional Anti-Fascista e mais tarde no Movimento de Unidade Democrática. Álvaro Cunhal, com o pseudónimo de Duarte, apresentará, no IV Congresso, realizado em 1946, um documento intitulado «O caminho para o derrubamento do fascismo», em que defende a única via possível: «Só resta uma saída ao Povo português», escreve; «o levantamento em massa contra o domínio fascista, a insurreição nacional.»
Preso pela Pide e condenado em 1950, Álvaro Cunhal faz no tribunal fascista o processo da política de traição nacional do governo salazarista. Não participará no V Congresso e só em 1960, junto com outros camaradas, sairá para a liberdade, na célebre Fuga de Peniche. Em Março do ano seguinte é eleito secretário-geral do PCP, numa reunião do Comité Central em que é corrigido o desvio de direita registado no trabalho de Direcção entre 1956 e 1959.
É com Rumo à Vitória, o seu mais célebre trabalho, moldado sobre o Relatório Político que apresenta ao VI Congresso realizado em 1965, que o Partido adquire um valioso projecto para a Revolução Democrática e Nacional, consubstanciado num Programa de oito pontos que a História viria a demonstrar necessário e concretizável. Ainda antes do 25 de Abril de 1974, um outro livro dava resposta ao fenómeno esquerdista, onde, a par da impaciência revolucionária pequeno-burguesa pululavam as provocações ao movimento operário e oposicionista. Tratou-se do livro O Radicalismo Pequeno-Burguês de Fachada Socialista, um valioso texto que mostrou as virtualidades da análise marxista-leninista antes, durante e após o período revolucionário que se aproximava.
Com A Revolução Portuguesa - o Passado e o Futuro, relatório apresentado ao VIII Congresso realizado em 1976 na FIL, os democratas e os revolucionários adquirem uma visão ampla de todo o processo em que intervieram e se preparavam para intervir, agora defendendo as conquistas de Abril. E a longa série de discursos - todos publicados pelo Avante! e reunidos numa colectânea de livros publicados ao longo dos anos pelas Edições Avante! - foram, durante as últimas décadas, o «ponto da situação política» para milhares de quadros e camaradas. Analisando os problemas de actualidade, definindo perspectivas e grandes tarefas a cumprir pelo Partido para intervir na batalha política, social, de organização e ideológica, os discursos são ainda hoje valiosos. Neles se aprende História. Mas também um método de análise e de crítica, um poderoso apelo à reflexão e à intervenção política.
Ainda como secretário-geral do Partido, Álvaro Cunhal escreve novo livro. Desta vez sobre o PCP. O Partido Com Paredes de Vidro é simultaneamente uma reflexão sobre a identidade e sobre a postura e a actividade dos comunistas portugueses e, ainda, um esforço de desmistificação, uma crítica aos que, desde sempre, procuraram e procuram dar dos comunistas uma ideia errada, toldada pelo reaccionarismo e pela propaganda anticomunista.
Outros dois títulos se juntam à verdadeira batalha das ideias que Álvaro Cunhal prossegue. Um deles é o ensaio Acção Revolucionária, Capitulação e Aventura, escrito já em 1967, e que, para o leitor de hoje, constituirá um valioso motivo de reflexão sobre uma época em que se acercava o tempo do derrubamento do fascismo e quando se manifestavam entre certa oposição as ilusões e as tendências para o compromisso com a ditadura. A Verdade e a Mentira na Revolução de Abril - a contra-revolução confessa-se revela, nas mentiras primeiras dos contra-revolucionários, vinte anos depois de Abril, as confissões do que essencialmente os movia, lançando luz sobre um período exaltante da nossa história recente.



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Faleceu Álvaro Cunhal

«O Secretariado do Comité Central do Partido Comunista Português, com profunda mágoa e emoção, informa os militantes comunistas, os trabalhadores e o povo português que nesta madrugada, aos 91 anos, faleceu Álvaro Cunhal.

Faz-nos falta, mas a luta continua

Prematuramente regressado da China e do Vietname, o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, comentou, terça-feira, na sede nacional do Partido, o falecimento do camarada Álvaro Cunhal. Transcrevemos na íntegra a sua intervenção, recebida com emoção pelos muitos comunistas presentes.

Até sempre, camarada!

Centenas de milhares de pessoas, vindas de todo o País, quiseram prestar a sua última homenagem a Álvaro Cunhal. Na quarta-feira, no funeral, as ruas de Lisboa encheram-se e tingiram-se de vermelho, a cor da causa a que o histórico dirigente comunista dedicou toda a sua vida. Mais do que lamentar uma perda irreparável, as cerimónias fúnebres de Álvaro Cunhal representaram a celebração de uma vida intensamente vivida e da plena confiança de que são indestrutíveis a força e vitalidade do projecto comunista.

A última vontade

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Mensagens de pesar e condolências

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A arte, o artista e a sociedade

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Nota do Secretariado da DN da JCP

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Uma vida ao serviço dos trabalhadores e do seu Partido

Álvaro Cunhal nasceu em 10 de Novembro de 1913, na freguesia de Sé Nova, em Coimbra, filho de pai advogado e mãe doméstica.Em 1931, com 17 anos, adere ao Partido Comunista Português, estudava então na Faculdade de Direito de Lisboa. As suas primeiras tarefas partidárias...