Contra a regressão de direitos
O projecto constitucional europeu faz tábua rasa de importantes direitos sociais conquistados pelos povos de diferentes países e consagrados nas respectivas constituições.
O projecto constitucional representa uma ameaça aos direitos das mulheres
«Sempre que há regressão de direitos, as mulheres são as primeiras a sofrer», referiu Ilda Figueiredo, em conferência de imprensa realizada na sexta-feira, dia 6, na sede nacional do PCP.
A iniciativa foi convocada para dar conta das preocupações manifestadas por várias associações e movimentos de mulheres, de vários países, que estiveram reunidos em Bruxelas, na passada semana, dia 4, para lançar um apelo ao «não» à constituição europeia (ver peça).
Representantes destas organizações, onde se incluiu Regina Marques, secretária do Movimento Democrático das Mulheres, encontraram-se com deputados do Grupo Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica, no qual se integram os dois deputados do PCP.
Falando sobre alguns dos temas aí abordados, Ilda Figueiredo, alertou para as tentativas de desvalorização das acções tendentes à promoção da igualdade de direitos das mulheres.
Para o período do futuro quadro financeiro (2007-2013), esta área deixará de contar com os actuais programas específicos, passando a ser uma das cinco alíneas do programa «progress» que irá abarcar todas as vertentes sociais.
Enquanto membro da Comissão dos direitos da mulher e da igualdade de géneros do Parlamento Europeu, Ilda Figueiredo conseguiu recentemente aprovar dois pareceres, o primeiro dos quais defende que a igualdade de direitos e homens deve ser transversal a todas as políticas comunitárias.
Num outro parecer adoptado pela comissão parlamentar, a deputada defendeu que o programa «progress» (programa comunitário para o emprego e solidariedade social) preveja a possibilidade de serem desenvolvidas acções para promoção da igualdade de direitos e de oportunidades em todas as cinco áreas sociais.
«O objectivo é que a igualdade de direitos não se torne uma área residual deste programa», explicou a deputada, acrescentando que a comissão parlamentar aprovou ainda um aumento de 50 por cento das verbas destinadas a este programa, bem como uma redistribuição de montantes entre as diferentes categorias.
«Considerámos insuficientes as verbas destinadas ao programa (cerca de 600 milhões de euros) e defendemos que a área para a igualdade de direitos beneficie de 12 por cento do montante total, em vez dos oito por cento que estavam previstos».
Apesar destas propostas apresentadas pela deputada do PCP terem sido aprovadas por unanimidade, «os perigos persistem», disse Ilda Figueiredo, lamentando que a negociação destas alterações com o colégio de comissários e os Estados-membros caiba agora a uma outra comissão parlamentar.
Por isso, alertou, «há o risco de, a partir de 2007, haver uma desvalorização da área da igualdade entre homens e mulheres, quer em termos de programa quer em termos de condições de financiamento das organizações e instituições com actividade neste campo».
Duas ameaças maiores
Mas se a supressão de um programa específico para a igualdade é um sinal preocupante das orientações comunitárias para o capítulo social, duas propostas de directiva que se encontram actualmente em debate no Parlamento Europeu constituem verdadeiros mísseis apontados contra direitos históricos dos trabalhadores.
Trata-se, por um lado, da directiva sobre a organização do tempo de trabalho, que se propõe alargar o tempo semanal de trabalho até 65 horas («um retrocesso de mais de 100 anos», sublinhou Ilda Figueiredo) e definir um período inactivo não considerado como tempo de trabalho (onde se incluem pausas, período de espera, etc.).
Por outro lado, continua na ordem do dia a chamada directiva Bolkestein que visa a total liberalização do mercado interno dos serviços, permitindo que as empresas ajam livremente no espaço europeu, regendo-se unicamente pela legislação do país em que estejam sediadas.
A aplicação do princípio do país de origem abriria porta a todo o tipo de abusos, não só sobre os direitos dos trabalhadores, mas também dos utentes dos serviços públicos e dos consumidores em geral.
Ilda Figueiredo observou que apesar das reservas recentemente manifestadas pela Alemanha e pela França, o facto é que a directiva não foi retirada, continuando em debate no Parlamento Europeu.
Uma vasta ofensiva
O projecto de tratado constitucional não só não outorga nenhum novo direito às mulheres como omite deliberadamente grande parte daqueles que estão consagrados nas constituições da maioria dos estados membros. Aliás, como frisou Ilda Figueiredo, os ataques aos direitos das mulheres inserem-se numa ofensiva mais vasta contra direitos fundamentais que está implícita no próprio projecto da dita “constituição” europeia».
E alguns exemplos são reveladores: o direito ao trabalho, consagrado na Constituição portuguesa, é substituído no projecto pelo «direito a trabalhar» e a «procurar emprego». São eliminados os direitos ao subsídio de desemprego, à protecção social ou à reforma, reconhecendo-se vagamente aos idosos o direito de viverem em condições dignas.
Em matéria familiar, o projecto afirma que os cidadãos têm o direito a casar e a formar uma família, mas escamoteia completamente o direito ao divórcio, assim como omite o direito à interrupção voluntária da gravidez, consagrado na maioria dos Estados-membros.
Em vez de se orientar pelo que de mais avançado existe nas diferentes constituições nacionais, o projecto constitucional europeu, forjado à margem dos povos e das suas lutas históricas, seguiu uma bitola minimalista no campo dos direitos sociais, declarando hipocritamente que a «equiparação das condições de vida e de trabalho» resultarão «do funcionamento do mercado, que favorecerá a harmonização dos sistemas sociais», tendo em conta «a necessidade de manter uma economia altamente competitiva».
Iniciativa feminista pelo «não»
Mil feministas subscreveram um apelo pelo «não» à constituição europeia, que foi lançado publicamente em todas as capitais europeias, na passada segunda-feira, data em que se assinala o Dia da Europa.
O documento considera que o projecto constitucional «não garante os direitos fundamentais», consagrando uma «orientação patriarcal e neoliberal da construção europeia; prevê a subordinação das mulheres que sofrerão ainda mais a pobreza, o desemprego, o tempo parcial imposto, a precariedade, pensões mínimas e a acentuação de todas as desigualdades salariais e profissionais».
O apelo condena a concorrência desenfreada e o desmantelamento dos serviços públicos preconizados pelo tratado constitucional, rejeitando o plano de defesa comum em colaboração com a Nato e a construção de uma Europa fortaleza que impede a circulação de pessoas e penaliza e exclui os imigrantes.
A promotoras da iniciativa consideram ainda que o projecto de constituição é «portador de regressão social», estando marcado pela «recusa de harmonizar os direitos à contracepção, ao aborto, ao divórcio a partir das legislações mais avançadas».
O apelo pugna por «uma Europa «antipatriarcal, uma Europa com direitos económicos e sociais, uma Europa laica, pacifista e anti-racista, uma Europa de igualdade entre homens e mulheres».
A iniciativa foi convocada para dar conta das preocupações manifestadas por várias associações e movimentos de mulheres, de vários países, que estiveram reunidos em Bruxelas, na passada semana, dia 4, para lançar um apelo ao «não» à constituição europeia (ver peça).
Representantes destas organizações, onde se incluiu Regina Marques, secretária do Movimento Democrático das Mulheres, encontraram-se com deputados do Grupo Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica, no qual se integram os dois deputados do PCP.
Falando sobre alguns dos temas aí abordados, Ilda Figueiredo, alertou para as tentativas de desvalorização das acções tendentes à promoção da igualdade de direitos das mulheres.
Para o período do futuro quadro financeiro (2007-2013), esta área deixará de contar com os actuais programas específicos, passando a ser uma das cinco alíneas do programa «progress» que irá abarcar todas as vertentes sociais.
Enquanto membro da Comissão dos direitos da mulher e da igualdade de géneros do Parlamento Europeu, Ilda Figueiredo conseguiu recentemente aprovar dois pareceres, o primeiro dos quais defende que a igualdade de direitos e homens deve ser transversal a todas as políticas comunitárias.
Num outro parecer adoptado pela comissão parlamentar, a deputada defendeu que o programa «progress» (programa comunitário para o emprego e solidariedade social) preveja a possibilidade de serem desenvolvidas acções para promoção da igualdade de direitos e de oportunidades em todas as cinco áreas sociais.
«O objectivo é que a igualdade de direitos não se torne uma área residual deste programa», explicou a deputada, acrescentando que a comissão parlamentar aprovou ainda um aumento de 50 por cento das verbas destinadas a este programa, bem como uma redistribuição de montantes entre as diferentes categorias.
«Considerámos insuficientes as verbas destinadas ao programa (cerca de 600 milhões de euros) e defendemos que a área para a igualdade de direitos beneficie de 12 por cento do montante total, em vez dos oito por cento que estavam previstos».
Apesar destas propostas apresentadas pela deputada do PCP terem sido aprovadas por unanimidade, «os perigos persistem», disse Ilda Figueiredo, lamentando que a negociação destas alterações com o colégio de comissários e os Estados-membros caiba agora a uma outra comissão parlamentar.
Por isso, alertou, «há o risco de, a partir de 2007, haver uma desvalorização da área da igualdade entre homens e mulheres, quer em termos de programa quer em termos de condições de financiamento das organizações e instituições com actividade neste campo».
Duas ameaças maiores
Mas se a supressão de um programa específico para a igualdade é um sinal preocupante das orientações comunitárias para o capítulo social, duas propostas de directiva que se encontram actualmente em debate no Parlamento Europeu constituem verdadeiros mísseis apontados contra direitos históricos dos trabalhadores.
Trata-se, por um lado, da directiva sobre a organização do tempo de trabalho, que se propõe alargar o tempo semanal de trabalho até 65 horas («um retrocesso de mais de 100 anos», sublinhou Ilda Figueiredo) e definir um período inactivo não considerado como tempo de trabalho (onde se incluem pausas, período de espera, etc.).
Por outro lado, continua na ordem do dia a chamada directiva Bolkestein que visa a total liberalização do mercado interno dos serviços, permitindo que as empresas ajam livremente no espaço europeu, regendo-se unicamente pela legislação do país em que estejam sediadas.
A aplicação do princípio do país de origem abriria porta a todo o tipo de abusos, não só sobre os direitos dos trabalhadores, mas também dos utentes dos serviços públicos e dos consumidores em geral.
Ilda Figueiredo observou que apesar das reservas recentemente manifestadas pela Alemanha e pela França, o facto é que a directiva não foi retirada, continuando em debate no Parlamento Europeu.
Uma vasta ofensiva
O projecto de tratado constitucional não só não outorga nenhum novo direito às mulheres como omite deliberadamente grande parte daqueles que estão consagrados nas constituições da maioria dos estados membros. Aliás, como frisou Ilda Figueiredo, os ataques aos direitos das mulheres inserem-se numa ofensiva mais vasta contra direitos fundamentais que está implícita no próprio projecto da dita “constituição” europeia».
E alguns exemplos são reveladores: o direito ao trabalho, consagrado na Constituição portuguesa, é substituído no projecto pelo «direito a trabalhar» e a «procurar emprego». São eliminados os direitos ao subsídio de desemprego, à protecção social ou à reforma, reconhecendo-se vagamente aos idosos o direito de viverem em condições dignas.
Em matéria familiar, o projecto afirma que os cidadãos têm o direito a casar e a formar uma família, mas escamoteia completamente o direito ao divórcio, assim como omite o direito à interrupção voluntária da gravidez, consagrado na maioria dos Estados-membros.
Em vez de se orientar pelo que de mais avançado existe nas diferentes constituições nacionais, o projecto constitucional europeu, forjado à margem dos povos e das suas lutas históricas, seguiu uma bitola minimalista no campo dos direitos sociais, declarando hipocritamente que a «equiparação das condições de vida e de trabalho» resultarão «do funcionamento do mercado, que favorecerá a harmonização dos sistemas sociais», tendo em conta «a necessidade de manter uma economia altamente competitiva».
Iniciativa feminista pelo «não»
Mil feministas subscreveram um apelo pelo «não» à constituição europeia, que foi lançado publicamente em todas as capitais europeias, na passada segunda-feira, data em que se assinala o Dia da Europa.
O documento considera que o projecto constitucional «não garante os direitos fundamentais», consagrando uma «orientação patriarcal e neoliberal da construção europeia; prevê a subordinação das mulheres que sofrerão ainda mais a pobreza, o desemprego, o tempo parcial imposto, a precariedade, pensões mínimas e a acentuação de todas as desigualdades salariais e profissionais».
O apelo condena a concorrência desenfreada e o desmantelamento dos serviços públicos preconizados pelo tratado constitucional, rejeitando o plano de defesa comum em colaboração com a Nato e a construção de uma Europa fortaleza que impede a circulação de pessoas e penaliza e exclui os imigrantes.
A promotoras da iniciativa consideram ainda que o projecto de constituição é «portador de regressão social», estando marcado pela «recusa de harmonizar os direitos à contracepção, ao aborto, ao divórcio a partir das legislações mais avançadas».
O apelo pugna por «uma Europa «antipatriarcal, uma Europa com direitos económicos e sociais, uma Europa laica, pacifista e anti-racista, uma Europa de igualdade entre homens e mulheres».