Recursos Humanos e Desenvolvimento Científico

João Ferreira
O sistema científico e tecnológico nacional (SCTN), definido como o conjunto dos recursos científicos e tecnológicos humanos, financeiros, institucionais e das actividades envolvendo a criação, a difusão e a aplicação de conhecimento novo, constitui reconhecidamente um importante instrumento de cuja vitalidade depende em larga medida o desenvolvimento económico, social e cultural do país. A acção sobre cada uma das componentes do SCTN - recursos a actividades - e a sua articulação deverá constituir o objecto de uma dada política científica e tecnológica.
A política científica e tecnológica não pode ser vista meramente como um emblema ou bandeira de modernidade, desligada ou independente do modelo de desenvolvimento vigente. Pelo contrário, as actividades de ciência e tecnologia (C&T) influenciam e são profundamente influenciadas pelas políticas económicas e sociais vigentes, não podendo nem o seu planeamento nem os resultados esperados ser pensados independentemente destas. Um exemplo: a utilidade para o país de laboratórios do Estado com elevadas competências, aptos a intervir no apoio ao delinear de políticas públicas sectoriais, será com certeza diferente se tivermos um aparelho produtivo que nos dê perspectivas de soberania e alguma auto suficiência no plano alimentar, energético, etc., ou se, pelo contrário, optarmos pelo desmantelamento desse aparelho produtivo e pela consequente dependência de outros países para a obtenção dos recursos de que necessitamos (trocando os pelas receitas do turismo, por exemplo).
A avaliação ao SCTN, feita com base em indicadores utilizados em comparações internacionais, relativos à componente «recursos» (despesa em investigação e desenvolvimento, I&D, em percentagem do PIB, n°. investigadores em permilagem da população activa, pessoal total em I&D em permilagem da população activa), demonstra um atraso considerável no contexto europeu e uma posição relativa, ainda que com flutuações ligeiras, no essencial, inalterada ao longo dos últimos anos.
Sem espaço para aqui desenvolver aspectos relativos ao conjunto dos recursos disponíveis no SCTN (também designado de potencial científico e tecnológico nacional), centrar me ei num deles: as pessoas.
O significativo incremento na formação avançada de recursos humanos, registado ao longo da década de 90, bem patente numa das mais altas taxas de crescimento do número de doutorados ao nível da União Europeia (senão mesmo a mais alta), não é contudo suficiente para apagar a nossa prestação relativamente a um outro indicador: o número de novos doutorados em permilagem da população activa entre os 25 a os 34 anos permanece, apesar do crescimento, um dos mais baixos da UE. Com efeito, não é difícil — tampouco justifica posturas de auto satisfação — obter taxas de crescimento elevadas quando o número de doutorados de que partimos é ínfimo. Do mesmo modo, as elevadas taxas de crescimento não podem servir para justificar um abrandamento no esforço de formação avançada de recursos humanos, ainda insuficiente.
Mas, paradoxalmente, é do incremento dos recursos humanos qualificados em C&T que decorre um dos dramas maiores, senão mesmo o maior, com que o nosso sistema científico hoje se depara: o enorme potencial que estes recursos constituem é desaproveitado por ausência de uma adequada inserção profissional dos recursos formados. As políticas de formação avançada prosseguidas ao longo da última década foram conduzidas de forma desconcertada, não acompanhadas de políticas de emprego científico, a jusante. A maioria dos jovens investigadores foi abandonada ao seu destino, sem emprego científico, alguns forçados a mudar de vida ou a emigrar — dando significativa expressão nacional ao fenómeno conhecido como fuga de cérebros. A este respeito, é paradigmática a afirmação de um dos secretários de Estado da C&T do anterior governo: «uma vez terminada a sua formação, [os jovens investigadores bolseiros] devem ir à vida...». Eles vão. Quem perde é o país.

Mudar de rumo

As instituições de I&D sobrevivem (?) há largos anos com pesadas restrições à contratação de novos efectivos. Os seus quadros de pessoal encontram se depauperados, envelhecidos, desajustados face à dimensão das tarefas que essas instituições são chamadas a cumprir. Instituições — como os laboratórios do Estado — das quais a sociedade exige resposta cabal a muitos dos novos problemas com que se defronta. Da crise dos nitrofuranos nos frangos ao mercúrio nos peixes, dos sismos, seus efeitos e necessária prevenção às pontes a túneis que racham e às vezes caem, do urânio nos balcãs e nos soldados à pneumonia típica e atípica, da contaminação dos lençóis freáticos aos resíduos tóxicos, etc.
O tecido empresarial nacional insiste num perfil de especialização assente na baixa qualificação (logo, baixos salários também) e fraca capacidade de inovação, não absorvendo pessoal qualificado do ponto de vista científico e técnico. E no entanto, a crescente integração do conhecimento científico nos processos produtivos modernos, vem reforçar ainda mais a sua importância.
Impõe se, neste como porventura noutros domínios, uma rotura com o actual estado de coisas. Uma inflexão urgente no caminho que ao longo da última década vem sendo trilhado. Os recursos humanos formados em C&T ao longo dos últimos anos, não podem mais continuar a ser empurrados para fora do seu país (que, desta forma, investe na formação de quadros que vão deixar a sua mais valia noutras paragens) ou remetidos, no seu país, para situações de quase marginalidade, sem verdadeiro emprego, (sobre)vivendo à custa de bolsas, atrás de bolsas, atrás de bolsas.
Não há aposta séria na ciência sem uma aposta nos recursos humanos a ela afectos. Não teremos uma política científica e tecnológica eficaz senão sustentada por políticas de emprego científico consequentes. Políticas que dêem resposta cabal, pronta, eficaz, à necessidade de quadros qualificados nas áreas da C&T, tanto na administração pública como nas empresas.
Qualquer sistema científico e tecnológico, dada a sua natureza estrutural (e estruturante), carece de tempo e sobretudo de um esforço continuado e consistente de investimento, de dotação de meios humanos e financeiros, para produzir mudanças perceptíveis, com reflexos no conjunto da economia e da sociedade.
Deste modo, cada dia que passa sem que tenhamos uma política científica a tecnológica verdadeiramente ao serviço do interesse nacional, representa, não apenas mais um dia perdido, mas o adiar por vários anos de transformações necessárias, essenciais mesmo, ao desenvolvimento do país, à qualificação e ao bem estar do nosso povo.


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