O seminário «Os partidos e uma nova sociedade», na cidade do México

Miguel Urbano Rodrigues
Los Partidos y una Nueva Sociedad. Assim se chama o Seminário que o Partido do Trabalho do México promove anualmente. O nome pode levar a crer que se trata de um evento académico. Engano. Não é fácil definir uma iniciativa que em poucos anos adquiriu prestígio internacional como fórum atípico para o debate de ideias e de grandes problemas do nosso tempo.
Teoria e praxis alternam e fundem-se num fascinante Seminário no qual durante três dias pensadores, dirigentes políticos, economistas, historiadores, sociólogos, sindicalistas, revolucionários profissionais, homens e mulheres vindos de quase todos os países da América e também da Europa, do Médio Oriente, da Ásia Oriental e da África se reúnem para expor ideias, transmitir experiências, aprofundar o conhecimento de processos de transformação social em curso, num vaivém pelo tempo que faz da reinterpretação do passado e da reflexão sobre o presente ponte para lutas inseparáveis da construção do futuro num mundo ameaçado pela barbárie de um sistema imperial exterminista.
Este IX Seminário – delegações de 35 países, representando 79 partidos e organizações – foi mais longe do que os anteriores, reflectindo a vaga de esperança que agita os povos da América Latina e a consciência de que o capitalismo está condenado e a agressividade do imperialismo estadunidense exige imaginação e firmeza na resposta a desafios que condicionam o futuro da humanidade.
Foi importante que de outras áreas do planeta chegasse o calor da solidariedade dos comunistas da Rússia, da China, do Vietname, da Coreia, do Laos. A intervenção do representante do CC do PC da Federação Russa chamou a atenção pela veemência da crítica à política capituladora de Putin perante Washington, mas acompanhada da firme convicção de que o povo de Puskin e Lenin retomará o seu lugar na história cujo rumo mudou com a grande Revolução de Outubro.
Igualmente muito interessante foi a comunicação apresentada pelo representante do Partido Comunista da China, prudente no terreno ideológico, mas contendo informações reveladoras de um desenvolvimento económico vertiginoso que, pela própria contradição de objectivos, tende a fazer do país o principal adversário dos EUA dentro de poucos anos.

Condenação do imperialismo

Os quatro temas do Programa permitiram uma grande abertura do leque dos problemas tratados. A diversificação não impediu a convergência na condenação do imperialismo.
Numa crónica breve como esta seria impossível citar todas as comunicações de qualidade porque foram muitas.
Obviamente suscitaram mais interesse aquelas que pelo assunto ou pela natureza dos processos de mudança ou ruptura em curso em alguns países iluminam situações inseparáveis do caminhar da América Latina e da própria humanidade.
Houve unanimidade na crítica ao projecto recolonizador da ALCA, e a compreensão da ameaça que ele significa para os povos da América Latina foi muito facilitada pelo desmascaramento do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN). Dois mexicanos, ambos economistas, Arturo Huerta e Alberto Anaya — o primeiro professor catedrático da Universidade Autónoma do México e o segundo o mais destacado dirigente do Partido do Trabalho, promotor do Seminário — tornaram transparente, em comunicações de muito nível, a catástrofe que representou para o México o TLCAN.
Do balanço apresentado por Anaya transcrevo:
«O TLCAN contribuiu em grande parte para gerar:
- Maior concentração de renda
- Mais pobreza
- O desastre do campo
- A falência de milhares de pequenas e médias empresas
- O aumento crónico do desemprego e subemprego
- A deterioração do salário real
- A redução do mercado interno
- A multiplicação dos emigrantes mexicanos para os EUA (média anual de 100 mil antes do TLCAN e 450 mil em 2004).
«O TLCAN foi a referência para que os EUA imponham outros tratados na América Latina, perante a impossibilidade de concretizar a ALCA.
«Levou a economia mexicana a funcionar como uma bomba relógio cuja explosão apenas tem sido retardada pelos altos lucros do petróleo e as remessas dos emigrantes que já são a segunda fonte de receita do país.»
O argentino Júlio Gambina, da Universidade de Rosário, foi um dos participantes mais aplaudidos do Seminário pela forma como desenvolveu o tema «El capitalismo a comienzos del siglo XXI: recuperar la memória para construir otro orden mundial».
Outro argentino, Jorge Kreyness, esboçou de maneira impressiva, com rigor, o quadro da Argentina após a Rebelião Popular.
Nilo Ouriques, professor da Universidade de Santa Catarina, colocou o plenário perante o panorama decepcionante que o Brasil oferece hoje, desfeita a grande esperança suscitada pela eleição de Lula cuja política, conduzida por neoliberais, é uma continuação desastrosa da de Fernando Henrique.
Nestor Kohan, também argentino, filósofo e professor universitário, deu força de evidência ao óbvio — como dizia Camus — numa reflexão sobre a «A resistência mundial contra 'a mão' e o 'punho' do imperialismo».
Blanca Flor Bonilla, dirigente e deputada da Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional, trouxe para o plenário, em síntese de rigor ideológico, a luta que o seu Partido, sujeito de uma epopeia na história dos povos centro americanos, trava pela democracia e a justiça social na defesa dos Acordos de Paz desrespeitados por uma das oligarquias mais reaccionárias da região.
A delegação cubana, como sempre muito acarinhada, trouxe informações valiosas sobre aspectos actuais da realidade da Revolução e o seu chefe, Roberto Regalado deu uma lição de história sobre a «Dominação colonial e neocolonial na América Latina».
Numa comunicação que chamou a atenção pelo seu elevado conteúdo ideológico, o jovem Partido dos Comunistas do México alertou para a «Necessidade de lutar contra a recomposição do sistema e levar adiante a ruptura». ( www.comunistas-mexicanos.org As intervenções da delegação equatoriana foram muito apreciadas, contribuindo para um melhor conhecimento da crise político-social instalada num país onde a traição de Lúcio Gutierrez ao compromisso assumido com o povo está encaminhando o país para o caos.
Entre as comunicações que trataram das alternativas ao neoliberalismo e a fidelidade à ideia de revolução merece destaque a do dominicano Narciso Isa Conde.
Kathleen Chandler, uma comunista dos EUA, motorista de camiões pesados, comoveu o plenário com a sua lúcida e corajosa crítica ao sistema de poder do seu país e aos crimes por ele cometidos.

Convergências e divergências

A representante dos bascos de Hari Batasuna trouxe ao Seminário a voz do seu povo oprimido pelo Estado espanhol. É útil informar que a Izquierda Unida e o PSOE de Zapatero, convidados para o evento, não compareceram, alegando que só o fariam se o partido Batasuna estivesse ausente.
O DKP e o PDS, da Alemanha, intervieram, assumindo posições diferentes quanto ao chamado Partido da Esquerda Europeia, contrário o primeiro, favorável o segundo.
Marina Minicuci, uma jornalista marxista, falou pelos italianos que não se reconhecem hoje nos partidos comunistas existentes, por terem chegado à conclusão que a própria Rifondazione, embora denunciando o sistema, não o combate com coerência e firmeza.
Duas Mesas Redondas foram dedicadas ao Uruguai e à Venezuela, dois países cuja evolução nestes dias é acompanhada com especial atenção por milhões de latino-americanos.
No caso do Uruguai, as intervenções tornaram claro que a unidade de campanha que permitiu a eleição de Tabaré Vasquez não significa convergência no tocante ao projecto de futuro das forças políticas e sociais que o apoiaram. Mérito do Seminário o ter funcionado como espaço de diálogo para a compreensão de uma realidade social de extrema complexidade mesmo no âmbito da esquerda.
Já no caso da Venezuela ficou transparente que a base social que apoia o presidente não somente se amplia como é uma forja de quadros cuja opção revolucionária se afirma e aprofunda na dialéctica do processo bolivariano. Rafael Uzcategui conseguiu ser particularmente didáctico na exposição que fez. Coube-lhe aliás, a convite do PT, proferir as palavras de encerramento do Seminário.
A apresentação por Isabel Rauber e Júlio Gambina da edição mexicana do livro de Istvan Meszaros «Socialismo ou Barbárie», um dos mais lúcidos pensadores marxistas contemporâneos, motivou intervenções que, pelo seu conteúdo ideológico, confirmaram a importância crescente do seminário do PT como Fórum de debate de ideias.
A condenação das guerras de agressão contra os povos do Iraque e do Afeganistão foi unânime assim como os crimes cometidos contra o povo da Palestina ocupada.
Não houve Declaração Final. O plenário aprovou duas dezenas de Resoluções, entre as quais: Sobre a reunificação da China; sobre os Tratados Bilaterais de livre comércio entre os EUA e alguns países latino-americanos; sobre a extradição do comandante Simon Trinidad e o sequestro do comandante Rodrigo Granda; sobre a anulação por Putin das comemorações da Revolução de Outubro; sobre a OEA; e de solidariedade com a luta dos povos da Palestina, do Iraque, da Coreia do Norte, do Haiti, de Porto Rico, do Equador.

O X SEMINÁRIO

O Plenário aprovou também o temário do X Seminário, convocado para os dias 10, 11 e 12 de Março de 2006:
1- Estados, governos locais e políticas públicas alternativas.
2 - Migração, livre comércio e integração latino-americana, caribenha, europeia e asiática.
3 - A luta pela construção dos sujeitos sociais e políticos para um projecto de poder popular e transformação revolucionária.
4 - Temas de conjuntura e problemas na construção do socialismo.


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