Einstein, o físico revolucionário
«Como físicos, vemos o mundo pelos olhos de Einstein, mesmo que os detalhes do que escreveu estejam errados», afirma Orpheu Bertolami, professor de Física no Instituto Superior Técnico. Em 2005 comemora-se o Ano Internacional da Física, uma forma de assinalar o centenário da publicação de quatro dos primeiros trabalhos de Albert Einstein.
Bertolami classifica 1905 como um ano miraculoso pois as ideias de Einstein foram absolutamente revolucionárias, nomeadamente a teoria da relatividade restrita. Estes trabalhos foram publicados quando o físico tinha 26 anos e trabalhava num escritório de patentes. «Ele tinha a capacidade extraordinária de trabalhar sozinho e fazer física nos seus tempos livres», conta Bertolami. Dez anos mais tarde, publica a teoria da relatividade geral, numa altura em que já estava totalmente dedicado à física. «As suas ideias revolucionaram a física ao criar a noção de que as leis eram as mesmas em todos os referenciais e ao criar uma ponte importante para o mundo do infinitamente pequeno, a mecânica quântica. Isso hoje parece-nos trivial, mas em retrospectiva isso foi um salto enorme. Einstein não é um dogma, mas deu-nos este eixo metodológico. Estamos até hoje a tentar encontrar desvios à relatividade geral, mas ela resiste», acrescenta o professor.
A sua forma de fazer ciência era também nova. «Era uma ciência filosófica: sentava-se, usava a imaginação, escrevia equações, voltava à realidade, via se havia que fazer ajustes, regressava à teoria... A ciência não era assim até então, baseava-se em factos comprovados nos laboratórios. Einstein procura os factos a posteriori, era quase um esteta da ciência. Junta factos observacionais muito bem conhecidos e constrói a sua teoria.
Se no tempo de Einstein, as implicações práticas das suas teorias eram muito evanescentes, hoje vivemos com elas quotidianamente. Por exemplo, os satélites de posicionamento GPS – que permitem localizar onde estamos com grande precisão – dependem das correcções de relatividade restrita, porque estão em movimento entre si. «São 16 satélites e, se não fossem levadas em consideração as correcções da relatividade espacial, seria um verdadeiro desastre», comenta Orpheu Bertolami.
O trabalho de Einstein teve outras repercussões no nosso mundo, nomeadamente na maneira como o vemos. Se a relatividade geral é uma teoria geral, é possível falar de uma cosmologia, de uma teoria do universo. Os contributos vão-se somando: podemos entender porque o universo se expande por causa das equações de Einstein; as grandes teorias científicas completam o já existente; toda a teoria é possível no papel, mas nenhuma faz sentido se não procurarmos factos que a refutem.
Um génio?
Uma questão particular impõe-se: até que ponto Einstein era único? Outras pessoas com as mesmas condições podiam fazer as mesmas descobertas? «Em termos de abrangência e prevalência das suas ideias, Einstein só é comparável a Newton, ambos criadores de sistemas, metodologias, visões de mundo e condicionantes para tudo o que se fez depois», responde Bertolami. «Se não houvesse Newton, não apareceria outra pessoa? Certamente, mas provavelmente o que aconteceria é que nós chegaríamos às mesmas conclusões por pequenos passos durante décadas e não com um corte abrupto. O mesmo seria verdadeiro com Einstein. Lá chegaríamos, mas por etapas.»
Outros cientistas estiveram muito próximos da relatividade restrita e não a alcançaram. Porquê? Bertolami volta a esclarecer: «Faltou ousadia e clarividência. Einstein era brilhante, criativo, tinha uma capacidade matemática e de trabalho invulgares, encontrou os problemas no tempo certo... É um somatório de coisas. Se a física não estivesse suficientemente madura, Einstein não acontecia. Havia um acumular de contradições da física clássica que estavam à espera que alguém as resolvesse. Em relação à relatividade geral, Einstein era de facto o único a pensar naqueles termos. O caminho que faz é muito diferente, procurando um matemática extraordinariamente complexa na época.»
Os trabalhos e as teorias de Einstein
Em 1905, Einstein, ainda um desconhecido no mundo da física, publica quatro trabalhos científicos. O primeiro aborda o efeito fotoeléctrico. O professor Orpheu Bertolami explica: «Quando a luz incide numa superfície metálica, esta literalmente cospe electrões. O paradoxo é que a energia dos electrões era proporcional à frequência da radiação existente. Do ponto de vista da física da época isso não fazia qualquer sentido. Einstein recorre a esse primeiro problema recorrendo a uma ideia revolucionária formulada alguns anos antes, que dizia que a luz era feita de partículas cuja energia era proporcional à frequência. Na época era um escândalo científico, porque a teoria ondulatória da luz funcionava muito bem. Já tinham sido detectadas as ondas electromagnéticas, mas, do ponto de vista dessa teoria, essa observação não fazia qualquer sentido.»
Nas palavras de Bertolami, o segundo trabalho é «igualmente surpreendente». Foi a primeira vez que alguém apresentou um argumento decisivo sobre os átomos. É conhecido desde o século XIX que partículas suspensas observadas ao microscópio descrevem um caminho muito irregular. Einstein observa que esse movimento deve-se à existência de átomos.
«Os átomos eram considerados como entidades solidamente estabelecidas, mas havia uma escola de pensamento que considerava que todas as estruturas que não são directamente observáveis deviam ser dispensáveis. A física devia ser baseada em factos observáveis, defendia essa corrente. Desse ponto de vista, os átomos não eram bem-vindos à física. Demonstrando que havia uma relação directa entre o movimento irregular das partículas suspensas e a temperatura do meio, Einstein mostrou que havia moléculas de água literalmente. Este é um embrião de um pensamento independente e revolucionário. Através do comprimento dos átomos é possível saber o comprimento típico do movimento.»
Os dois trabalhos seguintes abordam a relatividade restrita. O terceiro lança as bases da teoria e no quarto, em apenas duas páginas, ele demonstra a famosa equação E=MC2. O primeiro passo foi recusar a ideia estabelecida de que havia leis físicas diferentes conforme se estivesse a estudar a mecânica, a electricidade ou o magnetismo, e estabelecer que a física tem de ser sempre a mesma.
«Einstein vê este problema com uma simplicidade e uma lógica tão férrea que é inescapável. Ele tem de optar pelo tipo de transformação do electromagnetismo ou da mecânica de Newton e usa o primeiro por questões que ele já tinha pensado desde a sua adolescência.»
Continuemos com as explicações do professor Bertolami: «Por exemplo, o que acontece se se viajar à velocidade da luz? Toda a informação que me chega do mundo vem por meio da luz, portanto a velocidade da luz é um contacto que eu tenho com o mundo. Se eu me afastar à velocidade da luz, perco o contacto com o mundo? Isso não faz sentido, concluiu Einstein quando era adolescente. Enquanto lia Kant, percebeu que os princípios a priori do espaço e do tempo tinham de estar relacionados entre si. Ele defende que a velocidade da luz é o limite da natureza. Todos os referênciais, quando vêm à luz, têm a mesma velocidade.»
Esta é uma violação da teoria de Newton, que considera que as velocidades se somam: se uma pedra é atirada de um carro em movimento, a velocidade da pedra para quem está a ver no passeio é a velocidade do carro mais a velocidade da pedra, tal como a velocidade dos faróis do carro é igual à velocidade da luz mais a velocidade do automóvel. Einstein diz que a velocidade é sempre a mesma.
Os físicos do século XIX, quando chegaram à conclusão de que a luz era uma onda electromagnética, pensavam que esta se propagava no vácuo e que este teria de ter um éter para que tal acontecesse. Einstein considera que simplesmente não há éter, solucionando assim a incompatibilidade entre a mecânica clássica e o electromagnetismo. Abre-se assim a porta para uma teoria onde as leis da física são iguais em todos os referenciais, tal como a velocidade da luz.
«A partir daqui a teoria de Newton está perdida e as leis das mecânica que estavam estabelecidas têm de ser modificadas. Uma das características dessa transformação é que quando as coordenadas são transformadas, o tempo também tem de ser alterado. Aí começa uma nova mecânica. Se eu estou em movimento, o intervalo de espaço é diferente em dois referenciais, logo o tempo tem de ser diferente também para que a razão seja sempre a mesma. Intervalos de espaço e de tempo são diferentes em referenciais diferentes. Os intervalos são relativos, por isso a teoria é denominada da relatividade. Não há simultaneidade em referenciais em movimento. É possível comprovar que os relógios, quando comparados entre si: o que está em movimento anda mais lentamente. Se um relógio for colocado num Concord, depois de uma viagem de algumas horas podemos compará-lo com outro e há diferenças. São ínfimas, mas são mensuráveis e coerentes com a teoria de Einstein», explica o professor.
A relatividade geral
Após dez anos de intensos estudos, em 1915, Einstein cria uma outra revolução ao publicar a teoria da relatividade geral. «Na relatividade restrita só posso falar em referenciais que estão a velocidades rectilíneas e constantes entre si. E quando os referenciais são acelerados? Ele usa a mesma metodologia: as leis da física têm de ser as mesmas, só que este problema é muito mais exigente matematicamente», prossegue Orpheu Bertolami.
«Quem se atira pela janela não sente a gravidade, numa situação semelhante ao espaço interestrelar. A ausência de gravidade na terra é equivalente ao espaço interestrelar. Num foguetão a grande velocidade, é possível sentirmos os nossos pés, como se fosse uma gravidade. Logo, o campo gravítico é equivalente a um referencial acelerado. Ele percebe que quando resolver o problema dos referenciais acelerados, ele resolve também o problema da gravidade. É típico do Einstein resolver vários problemas de uma só vez, trazendo os problemas dos seus contextos originais e procurando um contexto novo onde possam ser unificados. Novo passo: estamos no espaço interestrelar, acendemos uma luz e essa luz segue uma linha recta. Se o foguetão viajar a uma velocidade constante, é óbvio que o feixe segue uma recta mas inclinada. Se estiver acelerado, ganhando velocidade a cada instante, a linha de luz ganha uma curva. Portanto, a luz num referencial acelerado segue uma linha curva. Mas ele tinha demonstrado antes que um referencial acelerado tinha gravidade, logo, se são equivalentes, a luz num referencial num campo gravítico vai-se curvar também. É pura lógica. A luz é a melhor régua que temos, liga dois pontos. Se ela não segue uma linha recta é porque o espaço é curvo devido à gravitação. O ballet dos corpos celestes é resultado desse espaço-tempo que está curvado. Isso significa que a luz de uma estrela que passe rente ao sol se vai curvar», explica o professor.
Einstein conclui que este fenómeno é visível num eclipse. «Com a lua entre o sol e os nossos olhos, é possível comparar a posição das estrelas cuja luz passa razante ao sol. Comparo as duas situações e há uma diferença entre a posição das estrelas na altura do eclipse. Ele calculou esse ângulo através de um cálculo matemático muito complexo. Simplicidade conceptual significa sempre complexidade matemática. Os seus contemporâneos não viram com muito entusiasmo esse teoria: era demasiado complicado fazer esses cálculos.»
Einstein propõe em 1913, em Berlim, fazer uma expedição para aproveitar um eclipse em 1914, mas, com a I Guerra Mundial, isso foi impossibilitado. Em 1919, uma expedição britânica mede o ângulo aproveitando um eclipse que era visível nomeadamente em S. Tomé e Príncipe e Brasil. A preparação in loco demorou um mês e meio. Os dados recolhidos foram tratados durante vários meses. No final do ano, a Royal Society anuncia que a teoria da relatividade geral era consistente e que tinha sido observado o primeiro desvio da gravitação de Newton.
A física é irmã da filosofia?
«Segundo a prática corrente, existe a cor, o doce, o amargo; na realidade, o que existe são átomos e vácuo», escreveu o filósofo grego Demócrito no século V a.C. Filosofia ou física? Na altura, não há dúvida que se tratava da primeira, mas igualmente da origem das ciências exactas, pela natureza das questões colocadas e pela metodologia usada por alguns autores.
Qual é, então, a relação entre estas duas disciplinas? Orpheu Bertolami considera que «a história da física é um contínuo conquistar dos temas filosóficos». A teoria da relatividade dá um novo impulso a esta ligação, porque trata o espaço, o tempo e a matéria, assuntos que até então estavam restritos às discussões filosóficas. «Hoje isso é um lugar comum para os físicos. Os físicos apropriaram-se do discurso filosófico naturalmente, ao ponto de Carl Popper, filósofo da ciência, dizer que a filosofia do século XX é a física teórica. Há ligações muito próximas», afirma.
Contudo, Orpheu Bertolami salienta que os físicos têm uma agenda própria e que as suas investigações procuram responder a questões de física teórica e não filosóficas: «Há uma lista de problemas que queremos resolver e que esbarram com questões filosóficas: a estrutura do espaço-tempo como um todo, a relação entre simetrias e o mundo concreto...»
Pacifista e internacionalista
«Einstein era claramente um internacionalista, um pacifista e um socialista», declara Orpheu Bertolami. O físico participou activamente no movimento contra a guerra, o uso da bomba atómica e a corrida armamentista e usou a curiosidade que a sociedade tinha sobre si para desenvolver as suas actividades cívicas: os órgãos de comunicação social que o entrevistassem teriam de contribuir para uma das instituições sociais a que ele estava ligado. Era uma forma de as financiar.
Einstein viu a I Guerra Mundial «como uma negação do humanismo», diz Bertolami. Em resposta ao Manifesto dos 93 Sábios, subscrito por cientistas que manifestavam o seu apoio à Alemanha, Einstein subscreve um contra-manifesto, argumentando que aquela posição é totalmente contrária à cultura europeia e que os intelectuais deviam contribuir para a construção de instituições europeias e supra-nacionais. Mantendo na altura formalmente a nacionalidade suíça, passa os anos da guerra praticamente isolado em Berlim. Os seus colegas não perdoam a sua «traição».
Muitos associam erradamente o nome de Einstein ao desenvolvimento da bomba atómica e não à sua contestação. Como explica Orpheu Bertolami, «Einstein está para a bomba atómica como a invenção da roda está para o automóvel. Ele descobriu a equação, mas o que veio a seguir escapou-lhe completamente. Ele não esteve envolvido.» A equação E=MC2 implica a possibilidade de produzir enormes quantidades de energias a partir da conversão de massa, mas tal era impensável em 1905. Isso só se tornou possível no final dos anos 30 com a descoberta da física nuclear.
Até ao início dos anos 30, Einstein defendeu que a Grã-Bertanha e a França deviam desarmar-se para que a Alemanha não se armasse. Depois percebe que isso seria inevitável e, a partir de 1932, advoga que se deve fazer frente a Hitler.
Já durante a II Guerra Mundial, Einstein escreve ao presidente Roosevelt dos EUA alertando para o perigo que a humanidade corria por os nazis possuirem minas de urânio e chamando a atenção para o facto de que a física alemã era suficientemente avançada para desenvolver armas nucleares. Mais tarde, com a capitulação da Alemanha, ele escreve novamente a Roosevelt dizendo que não havia qualquer necessidade de usar as armas nucleares entretanto desenvolvidas e que a sua utilização iria gerar uma corrida armamentista muito perigosa. Não foi atendido pelo presidente seguinte, Truman, e duas bombas foram lançadas no Japão.
Einstein, filho de uma família judia, esteve também ligado ao sionismo, mas defendia que o convívio pacífico entre Israel e Palestinianos só era possível com a existência de dois Estados independentes. «A política para ele era a arte de discutir os prós e os contras e chegar a um compromisso», refere Orpheu Bertolami.
A sua forma de fazer ciência era também nova. «Era uma ciência filosófica: sentava-se, usava a imaginação, escrevia equações, voltava à realidade, via se havia que fazer ajustes, regressava à teoria... A ciência não era assim até então, baseava-se em factos comprovados nos laboratórios. Einstein procura os factos a posteriori, era quase um esteta da ciência. Junta factos observacionais muito bem conhecidos e constrói a sua teoria.
Se no tempo de Einstein, as implicações práticas das suas teorias eram muito evanescentes, hoje vivemos com elas quotidianamente. Por exemplo, os satélites de posicionamento GPS – que permitem localizar onde estamos com grande precisão – dependem das correcções de relatividade restrita, porque estão em movimento entre si. «São 16 satélites e, se não fossem levadas em consideração as correcções da relatividade espacial, seria um verdadeiro desastre», comenta Orpheu Bertolami.
O trabalho de Einstein teve outras repercussões no nosso mundo, nomeadamente na maneira como o vemos. Se a relatividade geral é uma teoria geral, é possível falar de uma cosmologia, de uma teoria do universo. Os contributos vão-se somando: podemos entender porque o universo se expande por causa das equações de Einstein; as grandes teorias científicas completam o já existente; toda a teoria é possível no papel, mas nenhuma faz sentido se não procurarmos factos que a refutem.
Um génio?
Uma questão particular impõe-se: até que ponto Einstein era único? Outras pessoas com as mesmas condições podiam fazer as mesmas descobertas? «Em termos de abrangência e prevalência das suas ideias, Einstein só é comparável a Newton, ambos criadores de sistemas, metodologias, visões de mundo e condicionantes para tudo o que se fez depois», responde Bertolami. «Se não houvesse Newton, não apareceria outra pessoa? Certamente, mas provavelmente o que aconteceria é que nós chegaríamos às mesmas conclusões por pequenos passos durante décadas e não com um corte abrupto. O mesmo seria verdadeiro com Einstein. Lá chegaríamos, mas por etapas.»
Outros cientistas estiveram muito próximos da relatividade restrita e não a alcançaram. Porquê? Bertolami volta a esclarecer: «Faltou ousadia e clarividência. Einstein era brilhante, criativo, tinha uma capacidade matemática e de trabalho invulgares, encontrou os problemas no tempo certo... É um somatório de coisas. Se a física não estivesse suficientemente madura, Einstein não acontecia. Havia um acumular de contradições da física clássica que estavam à espera que alguém as resolvesse. Em relação à relatividade geral, Einstein era de facto o único a pensar naqueles termos. O caminho que faz é muito diferente, procurando um matemática extraordinariamente complexa na época.»
Os trabalhos e as teorias de Einstein
Em 1905, Einstein, ainda um desconhecido no mundo da física, publica quatro trabalhos científicos. O primeiro aborda o efeito fotoeléctrico. O professor Orpheu Bertolami explica: «Quando a luz incide numa superfície metálica, esta literalmente cospe electrões. O paradoxo é que a energia dos electrões era proporcional à frequência da radiação existente. Do ponto de vista da física da época isso não fazia qualquer sentido. Einstein recorre a esse primeiro problema recorrendo a uma ideia revolucionária formulada alguns anos antes, que dizia que a luz era feita de partículas cuja energia era proporcional à frequência. Na época era um escândalo científico, porque a teoria ondulatória da luz funcionava muito bem. Já tinham sido detectadas as ondas electromagnéticas, mas, do ponto de vista dessa teoria, essa observação não fazia qualquer sentido.»
Nas palavras de Bertolami, o segundo trabalho é «igualmente surpreendente». Foi a primeira vez que alguém apresentou um argumento decisivo sobre os átomos. É conhecido desde o século XIX que partículas suspensas observadas ao microscópio descrevem um caminho muito irregular. Einstein observa que esse movimento deve-se à existência de átomos.
«Os átomos eram considerados como entidades solidamente estabelecidas, mas havia uma escola de pensamento que considerava que todas as estruturas que não são directamente observáveis deviam ser dispensáveis. A física devia ser baseada em factos observáveis, defendia essa corrente. Desse ponto de vista, os átomos não eram bem-vindos à física. Demonstrando que havia uma relação directa entre o movimento irregular das partículas suspensas e a temperatura do meio, Einstein mostrou que havia moléculas de água literalmente. Este é um embrião de um pensamento independente e revolucionário. Através do comprimento dos átomos é possível saber o comprimento típico do movimento.»
Os dois trabalhos seguintes abordam a relatividade restrita. O terceiro lança as bases da teoria e no quarto, em apenas duas páginas, ele demonstra a famosa equação E=MC2. O primeiro passo foi recusar a ideia estabelecida de que havia leis físicas diferentes conforme se estivesse a estudar a mecânica, a electricidade ou o magnetismo, e estabelecer que a física tem de ser sempre a mesma.
«Einstein vê este problema com uma simplicidade e uma lógica tão férrea que é inescapável. Ele tem de optar pelo tipo de transformação do electromagnetismo ou da mecânica de Newton e usa o primeiro por questões que ele já tinha pensado desde a sua adolescência.»
Continuemos com as explicações do professor Bertolami: «Por exemplo, o que acontece se se viajar à velocidade da luz? Toda a informação que me chega do mundo vem por meio da luz, portanto a velocidade da luz é um contacto que eu tenho com o mundo. Se eu me afastar à velocidade da luz, perco o contacto com o mundo? Isso não faz sentido, concluiu Einstein quando era adolescente. Enquanto lia Kant, percebeu que os princípios a priori do espaço e do tempo tinham de estar relacionados entre si. Ele defende que a velocidade da luz é o limite da natureza. Todos os referênciais, quando vêm à luz, têm a mesma velocidade.»
Esta é uma violação da teoria de Newton, que considera que as velocidades se somam: se uma pedra é atirada de um carro em movimento, a velocidade da pedra para quem está a ver no passeio é a velocidade do carro mais a velocidade da pedra, tal como a velocidade dos faróis do carro é igual à velocidade da luz mais a velocidade do automóvel. Einstein diz que a velocidade é sempre a mesma.
Os físicos do século XIX, quando chegaram à conclusão de que a luz era uma onda electromagnética, pensavam que esta se propagava no vácuo e que este teria de ter um éter para que tal acontecesse. Einstein considera que simplesmente não há éter, solucionando assim a incompatibilidade entre a mecânica clássica e o electromagnetismo. Abre-se assim a porta para uma teoria onde as leis da física são iguais em todos os referenciais, tal como a velocidade da luz.
«A partir daqui a teoria de Newton está perdida e as leis das mecânica que estavam estabelecidas têm de ser modificadas. Uma das características dessa transformação é que quando as coordenadas são transformadas, o tempo também tem de ser alterado. Aí começa uma nova mecânica. Se eu estou em movimento, o intervalo de espaço é diferente em dois referenciais, logo o tempo tem de ser diferente também para que a razão seja sempre a mesma. Intervalos de espaço e de tempo são diferentes em referenciais diferentes. Os intervalos são relativos, por isso a teoria é denominada da relatividade. Não há simultaneidade em referenciais em movimento. É possível comprovar que os relógios, quando comparados entre si: o que está em movimento anda mais lentamente. Se um relógio for colocado num Concord, depois de uma viagem de algumas horas podemos compará-lo com outro e há diferenças. São ínfimas, mas são mensuráveis e coerentes com a teoria de Einstein», explica o professor.
A relatividade geral
Após dez anos de intensos estudos, em 1915, Einstein cria uma outra revolução ao publicar a teoria da relatividade geral. «Na relatividade restrita só posso falar em referenciais que estão a velocidades rectilíneas e constantes entre si. E quando os referenciais são acelerados? Ele usa a mesma metodologia: as leis da física têm de ser as mesmas, só que este problema é muito mais exigente matematicamente», prossegue Orpheu Bertolami.
«Quem se atira pela janela não sente a gravidade, numa situação semelhante ao espaço interestrelar. A ausência de gravidade na terra é equivalente ao espaço interestrelar. Num foguetão a grande velocidade, é possível sentirmos os nossos pés, como se fosse uma gravidade. Logo, o campo gravítico é equivalente a um referencial acelerado. Ele percebe que quando resolver o problema dos referenciais acelerados, ele resolve também o problema da gravidade. É típico do Einstein resolver vários problemas de uma só vez, trazendo os problemas dos seus contextos originais e procurando um contexto novo onde possam ser unificados. Novo passo: estamos no espaço interestrelar, acendemos uma luz e essa luz segue uma linha recta. Se o foguetão viajar a uma velocidade constante, é óbvio que o feixe segue uma recta mas inclinada. Se estiver acelerado, ganhando velocidade a cada instante, a linha de luz ganha uma curva. Portanto, a luz num referencial acelerado segue uma linha curva. Mas ele tinha demonstrado antes que um referencial acelerado tinha gravidade, logo, se são equivalentes, a luz num referencial num campo gravítico vai-se curvar também. É pura lógica. A luz é a melhor régua que temos, liga dois pontos. Se ela não segue uma linha recta é porque o espaço é curvo devido à gravitação. O ballet dos corpos celestes é resultado desse espaço-tempo que está curvado. Isso significa que a luz de uma estrela que passe rente ao sol se vai curvar», explica o professor.
Einstein conclui que este fenómeno é visível num eclipse. «Com a lua entre o sol e os nossos olhos, é possível comparar a posição das estrelas cuja luz passa razante ao sol. Comparo as duas situações e há uma diferença entre a posição das estrelas na altura do eclipse. Ele calculou esse ângulo através de um cálculo matemático muito complexo. Simplicidade conceptual significa sempre complexidade matemática. Os seus contemporâneos não viram com muito entusiasmo esse teoria: era demasiado complicado fazer esses cálculos.»
Einstein propõe em 1913, em Berlim, fazer uma expedição para aproveitar um eclipse em 1914, mas, com a I Guerra Mundial, isso foi impossibilitado. Em 1919, uma expedição britânica mede o ângulo aproveitando um eclipse que era visível nomeadamente em S. Tomé e Príncipe e Brasil. A preparação in loco demorou um mês e meio. Os dados recolhidos foram tratados durante vários meses. No final do ano, a Royal Society anuncia que a teoria da relatividade geral era consistente e que tinha sido observado o primeiro desvio da gravitação de Newton.
A física é irmã da filosofia?
«Segundo a prática corrente, existe a cor, o doce, o amargo; na realidade, o que existe são átomos e vácuo», escreveu o filósofo grego Demócrito no século V a.C. Filosofia ou física? Na altura, não há dúvida que se tratava da primeira, mas igualmente da origem das ciências exactas, pela natureza das questões colocadas e pela metodologia usada por alguns autores.
Qual é, então, a relação entre estas duas disciplinas? Orpheu Bertolami considera que «a história da física é um contínuo conquistar dos temas filosóficos». A teoria da relatividade dá um novo impulso a esta ligação, porque trata o espaço, o tempo e a matéria, assuntos que até então estavam restritos às discussões filosóficas. «Hoje isso é um lugar comum para os físicos. Os físicos apropriaram-se do discurso filosófico naturalmente, ao ponto de Carl Popper, filósofo da ciência, dizer que a filosofia do século XX é a física teórica. Há ligações muito próximas», afirma.
Contudo, Orpheu Bertolami salienta que os físicos têm uma agenda própria e que as suas investigações procuram responder a questões de física teórica e não filosóficas: «Há uma lista de problemas que queremos resolver e que esbarram com questões filosóficas: a estrutura do espaço-tempo como um todo, a relação entre simetrias e o mundo concreto...»
Pacifista e internacionalista
«Einstein era claramente um internacionalista, um pacifista e um socialista», declara Orpheu Bertolami. O físico participou activamente no movimento contra a guerra, o uso da bomba atómica e a corrida armamentista e usou a curiosidade que a sociedade tinha sobre si para desenvolver as suas actividades cívicas: os órgãos de comunicação social que o entrevistassem teriam de contribuir para uma das instituições sociais a que ele estava ligado. Era uma forma de as financiar.
Einstein viu a I Guerra Mundial «como uma negação do humanismo», diz Bertolami. Em resposta ao Manifesto dos 93 Sábios, subscrito por cientistas que manifestavam o seu apoio à Alemanha, Einstein subscreve um contra-manifesto, argumentando que aquela posição é totalmente contrária à cultura europeia e que os intelectuais deviam contribuir para a construção de instituições europeias e supra-nacionais. Mantendo na altura formalmente a nacionalidade suíça, passa os anos da guerra praticamente isolado em Berlim. Os seus colegas não perdoam a sua «traição».
Muitos associam erradamente o nome de Einstein ao desenvolvimento da bomba atómica e não à sua contestação. Como explica Orpheu Bertolami, «Einstein está para a bomba atómica como a invenção da roda está para o automóvel. Ele descobriu a equação, mas o que veio a seguir escapou-lhe completamente. Ele não esteve envolvido.» A equação E=MC2 implica a possibilidade de produzir enormes quantidades de energias a partir da conversão de massa, mas tal era impensável em 1905. Isso só se tornou possível no final dos anos 30 com a descoberta da física nuclear.
Até ao início dos anos 30, Einstein defendeu que a Grã-Bertanha e a França deviam desarmar-se para que a Alemanha não se armasse. Depois percebe que isso seria inevitável e, a partir de 1932, advoga que se deve fazer frente a Hitler.
Já durante a II Guerra Mundial, Einstein escreve ao presidente Roosevelt dos EUA alertando para o perigo que a humanidade corria por os nazis possuirem minas de urânio e chamando a atenção para o facto de que a física alemã era suficientemente avançada para desenvolver armas nucleares. Mais tarde, com a capitulação da Alemanha, ele escreve novamente a Roosevelt dizendo que não havia qualquer necessidade de usar as armas nucleares entretanto desenvolvidas e que a sua utilização iria gerar uma corrida armamentista muito perigosa. Não foi atendido pelo presidente seguinte, Truman, e duas bombas foram lançadas no Japão.
Einstein, filho de uma família judia, esteve também ligado ao sionismo, mas defendia que o convívio pacífico entre Israel e Palestinianos só era possível com a existência de dois Estados independentes. «A política para ele era a arte de discutir os prós e os contras e chegar a um compromisso», refere Orpheu Bertolami.
Investir no País é apostar na física
A física não é levada a sério pelo poder em Portugal. Quem perde é o País e aqueles que se dedicaram durante anos a estudar esta área e que agora não encontram emprego. «A física faz parte da cultura da humanidade e esta só vai avançar se gastar muito tempo e muito dinheiro em física», afirma Orpheu Bertolami, lembrando que a física deu contributos fundamentais para melhorar a qualidade de vida, nomeadamente desenvolvendo todos os métodos de diagnóstico médico, do Raio X ao TAC.
Para o professor, comemorar a publicação dos quatro primeiros trabalhos de Einstein só faz sentido como uma plataforma para o futuro. «No caso de Portugal, é uma questão particularmente candente porque todos nós temos de compreender que é preciso gastar dinheiro em ciência e na formação das pessoas, dar empregos às pessoas que têm essas qualificações, que responderam ao chamamento que foi feito há alguns anos: venham fazer ciência, porque é divertido, é gratificante e é importante para o País. Muitos aceitaram o convite, mas já encontraram os limites institucionais: não têm emprego, são obrigados a ir trabalhar para o estrangeiro ou adoptam outra profissão», refere.
Bertolami considera prioritária a criação de condições para «esses jovens que se graduaram com as melhores notas, foram para o estrangeiro fazer óptimos doutoramentos, passaram pelos melhores grupos de investigação. Seria um crime e um disparate do ponto de vista económico.» Bertolami defende ainda modificações na carreira universitária de forma a estimular a investigação científica e abrir espaço para novas pessoas. «Teria um reflexo muito positivo na economia e traria prestígio para Portugal», argumenta.