Trabalhadoras da Pastoret impedem saída de material

Vigília pelo emprego

Sem trabalho desde Janeiro, os 147 trabalhadores têm conseguido impedir a saída de material.
Na passada sexta-feira, o administrador daquela empresa de cerâmica, nas Caldas da Rainha, que ocupa sobretudo mulheres, pediu reforço policial e fez outra tentativa, mas as trabalhadoras conseguiram sensibilizar as forças de segurança para o drama social que estão a viver e evitaram a saída.
Já há um mês tinha havido uma tentativa para retirar um contentor com cerâmica, mas as operárias mobilizaram-se a tempo. Ficou na empresa o último, mas os anteriores onze carregamentos já tinham levado o grosso do material produzido para parte incerta.
Com uma média salarial de 90 contos – apesar de a maior parte das operárias ter salários ainda mais baixos –, as trabalhadoras têm mantido a vigília há cerca de mês e meio, constantemente ameaçadas com tentativas para retirar o material.
O coordenador do Sindicato dos Trabalhadores de Cerâmica da Região Centro, José Fernando, lembrou como, em Janeiro, o não pagamento à Segurança Social levou ao corte de gás na empresa e à consequente paragem da laboração. O corte deveu-se a um bloqueamento imposto pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, no dia 20 de Dezembro, face a uma dívida de cerca de 500 mil euros.
Nas primeiras duas semanas, a administração convenceu os trabalhadores de que ia pagar os salários, mas esse tempo passou e a promessa ficou por cumprir.
No dia 16, houve uma reunião na sede do IGFSS, em Lisboa mas, segundo José Fernando, «o desbloqueamento pretendido pelo administrador francês não garante o pagamento aos trabalhadores».
A maioria das operárias suspendeu o contrato ao abrigo da lei, para poder receber o subsídio de desemprego. Até à data, ainda não o viram. As operárias mantêm a vigília, dia e noite, à porta da empresa.

Resistir

Segundo o delegado sindical, Carlos Alberto, a situação da Pastoret agravou-se em Dezembro, com os salários em atraso. Apenas nesta altura é que tomaram conhecimento da existência de uma avultada dívida à Segurança Social.
«O patrão – Serge Pastoret, de nacionalidade francesa - cumpre pouco com as suas obrigações», comentou o delegado.
O administrador também se recusou a garantir a manutenção dos postos de trabalho. Antes, tinha tentado persuadir as trabalhadoras à rescisão dos contratos, mas, a conselho dos sindicatos, as operárias optaram pela suspensão.
Na véspera da tentativa, travada, de retirar as máquinas, o administrador esteve reunido com os representantes dos trabalhadores. Nesse encontro, «disse que a culpa da situação criada é do sistema, por este ter deixado que as dívidas se arrastassem», afirmou Carlos Alberto. Para este sindicalista, as desculpas enunciadas apenas confirmam as responsabilidades do patrão. «Este País não anda para a frente por causa de administradores desta natureza», acusou.
José Fernando lembrou a forma como o administrador irrompeu por várias reuniões de trabalhadores com os seus representantes, com atitudes provocatórias. «Como não tem escrúpulos e mente compulsivamente, os trabalhadores não confiam na sua palavra», considerou.

Vidas em risco

As trabalhadoras permanecem sentadas no muro, frente à empresa, com um grelhador aos pés, onde vão confeccionando as refeições e revezando-se por turnos. O Município das Caldas tem feito chegar, diariamente, cabazes com bens alimentares de um hipermercado, sem os quais a situação seria ainda mais dramática. As operárias temem que esta importante ajuda esteja a acabar, e solicitam a solidariedade de todos, nestas horas de grande aflição.
«Todos temos obrigações e prestações a pagar e não estamos a receber para as cumprir», salientou Sofia, de semblante carregado, à semelhança das companheiras de trabalho que a ladeavam na vigília. Tem dois filhos e é com muita dificuldade que vai gerindo a situação. Como quase todas, «só o ordenado do meu marido é que vai aguentando para que possamos sobreviver».
«É muito triste, porque os nossos filhos começam a pedir coisas e nós não temos para lhes dar», desabafou, com a lágrima no canto do olho, Maria da Luz, há nove anos na empresa.
Celeste Santana, com a casa por pagar, tem um filho com 26 anos e uma filha com 16. O salário do marido já nem chega para a alimentação.
Anabela Duarte está a ser apertada pelo banco para pagar as prestações da casa. «Disseram-me que o contrato da casa tinha sido feito comigo e não com a empresa», denunciou. A mesma instituição recusou ainda receber uma declaração da empresa, a justificar o não pagamento das prestações devido aos salários em atraso.

O que vai fazer o Governo?

O PCP foi a única força política a denunciar, na Assembleia da República, a situação na Pastoret. «Que pretende o Governo fazer para minimizar as consequências negativas desta medida e garantir os postos de trabalho e os salários», perguntava António Filipe, através de um requerimento feito logo no início de Fevereiro.
No requerimento, apresentado após a ordem de penhora do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, o deputado salientou que o PCP sempre considerou que este tipo de dívidas deve resolver-se de forma célere e eficaz, através de uma activa fiscalização das situações de evasão fiscal. O mesmo requerimento dá nota do facto de o Instituto não ter acautelado a situação dos trabalhadores, quando efectuou a penhora das contas bancárias, situação que foi a causa dos salários em atraso.

Praga numa região laranja

Apenas no distrito de Leiria, existem cerca de três mil trabalhadores com salários em atraso. Segundo o membro do Secretariado da Direcção da Organização Regional comunista, Vítor Fernandes, cada vez mais empresas estão em dificuldades. Situação que é agravada pelo facto de Leiria ser o único distrito que nas últimas eleições deu a maioria dos votos ao PSD. «Os patrões sentem-se mais à vontade para explorar os trabalhadores onde o poder político é amigo dos patrões e tolerante com este tipo de situações», justificou o dirigente da DORLEI do PCP.
Várias outras empresas dos sectores de cerâmica, cristalaria e vidro estão ameaçadas pela crise.
Em Vieira de Leiria, na empresa de cristalaria Dâmaso, 300 trabalhadores continuam com os salários de Fevereiro e metade dos subsídios de Natal de 2003 e 2004 por receber. No dia 15, o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Vidreira e o CESP/CGTP convocaram, após decisão tomada em plenário, um dia de greve. A empresa deve à Segurança Social e à Banca cerca de 400 mil euros e o administrador desapareceu. Antes, apagou os programas informáticos onde se encontrava a lista de clientes.
Na Marinha Grande, os sessenta trabalhadores da vidreira Jorgen Mortensen aguardam a graduação dos créditos e as respectivas indemnizações desde 1 de Fevereiro, quando a unidade encerrou. Segundo Vítor Fernandes, a empresa tem como credor principal o BCP. Para Abril, está agendada nova reunião de credores.
Na mesma cidade, também a Canividros tem salários em atraso desde Fevereiro.
Com um passivo de 150 milhões de euros e 500 trabalhadores está a famosa cristaleira Atlantis.
O dirigente leiriense do PCP considera que estas situações devem ser prioridades absolutas para o novo Governo, sob pena de irmos continuar a assistir ao agravar a situação social e económica de milhares de trabalhadores e das respectivas famílias.


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