Crime com protecção policial na ex-Sorefame

Mantém-se a luta

A polícia de choque foi enviada, no sábado, para forçar a entrada nas instalações da Bombardier de um grupo contratado para desmantelar a unidade de robótica. À vigilância dos trabalhadores juntou-se a solidariedade e o repúdio por um acto que teve a anuência do MAI.

A fá­brica só não será vi­a­bi­li­zada se o Go­verno não quiser

Na segunda semana de permanente vigília à entrada da fábrica, os operários que continuam a exigir a retoma da produção de material circulante ferroviário e a preservação dos postos de trabalho obtiveram do Governo e da multinacional canadiana um compromisso: o futuro da unidade industrial que tem raízes profundas no concelho da Amadora iria ser discutido, numa reunião marcada para ontem, no Ministério dos Transportes e Obras Públicas.
Subsistia a intenção de desmantelamento da secção de robótica. Adquirido com fundos públicos e valendo mais de sete milhões de contos (35 milhões de euros), este equipamento é indispensável para a produção de carruagens. A Bom­bar­dier, acusam os trabalhadores, pretende retirá-lo da Venda Nova e transferi-lo para outra das suas unidades na Europa (possivelmente na Alemanha). Uma primeira tentativa, com uma equipa de técnicos italianos, foi rechaçada pela resistência dos trabalhadores, que consideram estar na robótica a garantia do relançamento da produção. Por isso, decidiram prosseguir a vigília, até se saber do resultado da reunião agendada.
No sábado, pelas 9.30 horas, uma força com dezenas de polícias expulsou os trabalhadores da tenda que usaram durante a vigília – uma manifestação devidamente legalizada, como salientaram os responsáveis sindicais no local. Sob a protecção policial, uma dúzia de técnicos subcontratados pela multinacional entraram nas instalações, para iniciarem a desmontagem das máquinas. A Polícia de Intervenção cercou as instalações e proibiu a entrada na fábrica.
Aos trabalhadores em luta foram-se juntando dirigentes sindicais, dirigentes e militantes comunistas, antigos operários da So­re­fame, familiares, amigos... Pelas ruas dois carros com instalação sonora lançavam o alerta e o apelo à solidariedade: «Estão a roubar a So­re­fame

O MAI soube

A responsabilização do Governo nesta operação marcou as breves intervenções de um mini-comício que, ao fim da manhã, teve lugar junto à entrada principal da unidade industrial. António Tremoço, trabalhador da Bom­bar­dier e dirigente sindical metalúrgico, protestou contra a invasão policial «a mando do Governo» para desmantelar máquinas que asseguram o futuro da produção. Se o Governo e o primeiro-ministro querem unidades de excelência e querem criar postos de trabalho, como podem dar cobertura à destruição da ex-So­re­fame – questionou, reclamando ainda a presença do presidente da Câmara (PS), para explicar a atitude do seu partido e exigir a retirada da força policial.
«Não vamos desanimar», sublinhou António Tremoço, adiantando que, mesmo que a Bom­bar­dier conseguisse desmontar as máquinas, ainda teria que as retirar. «Os camiões vão ter que entrar aqui, depois têm que sair, e podem ter a certeza que nos vão encontrar à frente dos camiões. Faremos tudo para ter a alegria de ver a So­re­fame a funcionar outra vez» – garantiu, sob aplausos emocionados e gritos de «a luta continua».
Arménio Carlos, coordenador da União dos Sindicatos de Lisboa, acusou o Governo de ter começado mal o mandato, pois «já se colocou ao lado dos patrões que querem desmantelar a empresa». Insurgiu-se contra a justificação de que a Polícia foi chamada porque os trabalhadores queriam invadir a fábrica, sublinhando que o objectivo da luta foi sempre defendê-la. E revelou que António Costa admitiu ter consentido a intervenção policial, já que haveria «um problema jurídico». Contrapôs Arménio Carlos que, havendo também «um problema político», pois estava uma reunião marcada para quarta-feira, o ministro da Administração Interna deveria ter aconselhado a Bom­bar­dier a esperar alguns dias.
Aquele dirigente sindical recordou que há um compromisso do Estado, de que a fábrica de material circulante ferroviário iria começar a laborar em Setembro, e exigiu que o Governo o faça respeitar.
O «cinismo» do Governo foi denunciado por Bernardino Soares. O deputado e dirigente comunista classificou assim a atitude de quem «ontem dizia “vamos discutir” e hoje manda a Polícia», para dar cobertura a «um crime contra o País». Recordou que os governantes do executivo PSD/PP «andaram até ao fim a prometer» e os actuais «já começaram a atacar», reafirmando que o PCP vai «continuar a combater, aqui e onde for preciso», ao lado dos trabalhadores.
António Filipe, deputado comunista natural da Amadora, evocaria pouco depois a passagem de um ano desde que a multinacional anunciou a intenção de encerrar a unidade portuguesa (17 de Março), lembrando que, em reuniões realizadas até ali, os responsáveis da multinacional «garantiam que a vocação da Bom­bar­dier não era fechar empresas».
Depois de Vítor Pereira, dirigente da Festru/CGTP-IN, ter lembrado um caso recente na Carris, para salientar que «nestas ocasiões, os que estão sempre connosco são o PCP e os deputados comunistas», Miguel Moisés manifestou a solidariedade das comissões de trabalhadores do distrito de Setúbal. O coordenador da CIS e membro da CT da Gest­nave frisou que, contra a política de sucessivos governos, «hoje só existe indústria naval porque os trabalhadores lutaram em sua defesa», como sucede com a So­re­fame.

Falta o Go­verno

A produção de material circulante ferroviário na Venda Nova «só não será viabilizada se o poder político não estiver interessado», pois ali «há conhecimento, há equipamento, há mão-de-obra qualificada», afirmou João Silva, coordenador da Fequimetal/CGTP-IN. «A menos que o choque tecnológico seja o choque da polícia de choque», ironizou.
Ao saudar os que persistem em defender «o que resta, e que é importante, desta unidade de excelência a nível mundial», salientou que «os trabalhadores da So­re­fame sempre puseram a defesa da empresa e dos postos de trabalho à frente das reivindicações salariais» e considerou que esta luta é «um exemplo muitíssimo importante, para impedir que retirem o que de melhor há no nosso país».
Manuel Carvalho da Silva preveniu que a intervenção policial «envenena as relações sociais» e reclamou que a luta dos trabalhadores tenha mais atenção de quem detém o poder político. O secretário-geral da CGTP-IN disse que, semelhantes à Sorefame, há meia-dúzia de casos que, neste início de governação, devem ter solução. «Isto tem que ter futuro, já chega de destruição do aparelho produtivo», exigiu.
Comentou, a propósito, que tal destruição não era inevitável, apenas pelo facto de o País estar na União Europeia. Houve, lembrou Carvalho da Silva, facilitismo e negócios imobiliários, houve cedência a grupos estrangeiros... embora não tenha faltado a resistência e a luta dos trabalhadores.

Não há meios?

João Bernardino, vereador do PCP na CM da Amadora, exigiu a retirada imediata da Polícia. A propósito da operação montada na Bom­bar­dier, recordou que, na sua actividade de autarca, tem-se batido por mais segurança no concelho. «Tenho reclamado mais meios para a Polícia e dizem-me que não há, mas de um momento para o outro põem aqui este aparato», protestou, salientando que «os homens, que hoje vi chorarem aqui, fizeram muito pela Amadora».

Vi­gília de re­sis­tentes

Às pri­meiras horas da ma­dru­gada de sexta para sá­bado surgiu a in­di­cação de que a ad­mi­nis­tração da Bom­bar­dier se pre­pa­rava, na ca­lada da noite, para fazer en­trar nas ins­ta­la­ções da fá­brica uma equipa de téc­nicos es­col­tados pela po­lícia com o pro­pó­sito de des­man­telar e re­mover os robôs da linha de mon­tagem.
Pas­sando a pa­lavra, ra­pi­da­mente acor­reram ao local de­zenas de tra­ba­lha­dores, ca­ma­radas e amigos que por lá fi­caram, toda a noite, em vi­gília contra a des­truição da ca­pa­ci­dade pro­du­tiva da ex-So­re­fame e em so­li­da­ri­e­dade com os seus ope­rá­rios.
Blo­que­adas as vá­rias en­tradas da fá­brica, aceso o bra­seiro, o calor das con­versas só era su­plan­tado pelo da fra­ter­ni­dade de­mons­trada nas horas de an­si­e­dade.
An­tónio Fi­guei­redo, com quase 17 anos de tra­balho na em­presa, re­cordou ao Avante! que «sempre houve muito tra­balho e há muito para fazer neste País».
Bas­tante mais jovem, Paulo Félix vê com igual pre­o­cu­pação o fu­turo, «porque temos fun­ções muito es­pe­cí­ficas e di­fi­cil­mente nos in­te­gra­remos noutra uni­dade», afirma.
«O meu caso até nem é dos mais graves», con­tinua, «estão cá pes­soas com mais de 20 anos de casa e com a idade que têm nin­guém lhes dará tra­balho».
E agora? – qui­semos saber. «Re­sis­ti­remos» – res­pon­deram.



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