O Governo PS e o SIRP

Carlos Gonçalves (Membro da Comissão Política)
Não vem ao caso fazer aqui a caracterização do Governo, nem o rol das preocupações que, do ponto de vista dos comunistas e da nossa leitura dos interesses dos trabalhadores e do País, suscitam a sua composição, programa e primeiros sinais vitais. Nesta matéria está dito o essencial.

Durante 20 anos PS e PSD convergiram em matéria de serviços de informações

Mas importa ir reflectindo em concreto sobre as acções e omissões do Governo PS, tomar em devida conta e empurrar tudo o que possa ser positivo e criticar, contrapropor e lutar, sendo disso caso.
E importa esclarecer as medidas necessárias para uma inversão positiva nas políticas de direita de todos estes anos, para que não se caia numa espécie de «limbo» do Governo, como se o PS carecesse de «parar para pensar» em vez de pôr «mãos à obra» agora (!), sem os sofismas do «vira o disco e toca a mesma».
Vem isto a propósito do Sistema de Informações da República (SIRP) - instrumento relevante do «Estado de direito constitucionalmente estabelecido» para a «salvaguarda da independência nacional» e «segurança externa», e da «segurança interna» e «prevenção ... do terrorismo e ... actos que ... (o) possam alterar ou destruir» - onde a política que o PS concretizar permitirá aferir do seu conceito e exercício efectivos de regime democrático, e dos direitos, liberdades e garantias de cidadania.

Aonde chegámos nesta matéria

O SIRP foi criado por Lei em 1984, governava então o «bloco central» - era Mário Soares primeiro.-ministro e seu Vice e Ministro da Defesa Mota Pinto, «líder» do PSD. Registe-se o facto para melhor compreensão destes vinte anos do Sistema de Informações, de convergência efectiva de PS e PSD, e de sucessão rocambolesca de «casos», com pouquíssimas situações em que os partidos do «centrão» e o CDS verdadeiramente conflituaram.
PS E PSD estiveram juntos no apoio a Pedro Cardoso, que concebeu e dirigiu o SIRP, dezoito anos consecutivos. Estiveram juntos contra a fiscalização democrática efectiva do Sistema, impondo os 2/3 na nomeação de «gente de confiança», manietando o Conselho de Fiscalização e convergindo na sua não eleição por períodos que, em conjunto, ultrapassam os sete anos. Estiveram juntos a impedir o esclarecimento de violações grosseiras da Lei e verdadeiros atentados contra a democracia, da responsabilidade dos SIS e do SIED, sob a tutela de diversos Governos, do PSD, do CDS, e também do PS.
Complementaram-se ou «juntaram os trapinhos» nas sucessivas (contra)reformas na área, como aconteceu em Setembro de 2004 na alteração da Lei-Quadro do Sistema, que o reconfigurou numa lógica concentracionária de fusão encapotada do SIS e do SIED, formalmente separados, mas com um Sec.Geral comum, dependente do P.Ministro, e subvertendo a matriz essencial de separação entre defesa nacional e segurança interna, em proveito dum conceito de «segurança nacional» estranho ao quadro constitucional, mas conforme as concepções e interesses do imperialismo e visando a definição e combate ao «inimigo interno» - «projecção da ameaça externa».
Por isso, ainda em Novembro, quando o PS protestou contra a nomeação «partidarizada» de Domingos Jerónimo de Sec.Estado do Conselho de Ministros para Sec.Geral do SIRP - mera consequência lógica da Lei que aprovara – ficou a dúvida se o PS queria arrepiar caminho, ou se era apenas hipocrisia.
E esta é a situação a que chegámos e que urge esclarecer. Vai o PS desconcentrar e despartidarizar o SIRP, permitindo a intervenção dos outros orgãos de soberania, ou vai pela linha da «direcção unificada», como diz no seu Programa de Governo, indo mais longe que a Lei, que fala apenas de «superintendência e coordenação»?

Fazer o quê?

Vai o PS «tornar os serviços mais eficazes ... no respeito pelo regime constitucional» como também diz o Programa de Governo, ou vai pelo caminho de «mais músculo» e alargamento da «margem de actuação» como afirmou o Ministro Alberto Costa, ou da «intercepção de comunicações», como defenderam Vitalino Canas, em nome do PS, e os seus «especialistas» Rui Pereira e Severiano Teixeira?
Vai o PS implementar um efectivo controlo e fiscalização democráticos do SIS e SIED, ou vai continuar em «bloco central», escamoteando os crimes de um outro qualquer espião sul africano, sub-contratado por um novo qualquer director do SIS, que, como Daniel Sanches, se torne depois o MAI do PSD?
Há nesta matéria – é evidente – muitas preocupações de que o PS se prepare para deixar andar, ou até para acentuar orientações muito negativas para o regime democrático e os direitos de cidadania. Mas fica este Governo avisado de que, se assim acontecer, tem de contar com a denúncia, a luta e a proposta dos comunistas portugueses. Por uma mudança a sério.


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