Guerra no Iraque entre a farsa e a tragédia

As armas que ninguém viu

Forçados a admitir a inexistência de armas de destruição maciça, os EUA procuram encobrir responsabilidades e abafar as provas de tortura.

«Bush reconhece que não havia armas de destruição maciça no Iraque»

Os norte-americanos abandonaram o argumento das pretensas armas de destruição maciça desenvolvidas por Saddam Hussein.
As «provas» apresentadas por Collin Powell no Conselho de Segurança das Nações Unidas nunca foram inequívocas, facto que muitos sublinharam a tempo de evitar o «banho de sangue» em que se vê mergulhado o povo iraquiano.
Quase dois anos após o início da campanha militar, Scott McClellan, porta-voz da Casa Branca, compareceu perante os jornalistas, na quinta-feira da semana passada, para informar que «o presidente (Bush) reconhece que não havia armas de destruição maciça no Iraque», uma declaração que confirma a trágica farsa montada pela administração norte-americana para justificar o saque dos recursos naturais e geoestratégicos daquela país.
De acordo com as palavras de McClellan, o próximo passo é «apurar o que falhou nas informações obtidas pela CIA nos últimos 12 anos».
A afirmação, não implicando uma possível retirada, revela uma total falta de consideração para com as vítimas do conflito e denuncia a acção dos neoliberais no seio dos serviços secretos dos EUA.
Instado a comentar algumas das conclusões preliminares do relatório do chefe dos inspectores militares no terreno, Charles Duelfer, o porta-voz atestou ainda que, pelo menos desde 1991 – ano da primeira guerra contra o Iraque encabeçada por Bush-pai – Saddam Hussein não detinha nem armas nem capacidade para as desenvolver.
Mesmo com a credibilidade posta em causa, os EUA reafirmam que «nada se alterou na sua visão relativamente ao Iraque». Para o presidente, sublinhou McClellan, «avançando a “liberdade” numa região perigosa, fazemos do mundo um lugar mais seguro».

Contradições internas

Confrontados com a acusação pública de terem fornecido «má informação» ao presidente e na ressaca de um processo de limpeza interna levado a cabo desde Outubro pela administração Bush, fontes ligadas à CIA deixaram que o Washington Post divulgasse, na sua edição de domingo, informações contidas no relatório do Conselho Nacional de Inteligência da organização.
De acordo com elementos recolhidos pelo jornal, a Al-Qaeda nunca teve ligações ao antigo chefe de Estado iraquiano e a actual situação de caos e repressão constantes só contribui para o ressurgimento, treino e reorganização de grupos terroristas, contrariamente ao argumentado pelo governo de Washington.

Tortura e torturadores

Entretanto, os EUA procuram abafar o mais depressa possível as evidências de tortura contra prisioneiros iraquianos e afegãos praticadas no interior dos seus cárceres.
Charles Graner, um dos soldados identificados nas fotos das torturas de Abu Ghraib, foi este fim-de-semana condenado a dez anos de prisão e consequente expulsão das forças armadas dos EUA.
Muito embora a defesa tenha alegado de forma fundamentada que o soldado e os restantes torturadores cumpriam ordens da cúpula, os juizes do tribunal militar selaram mais um processo com o requinte de quem alivia a culpa dos responsáveis superiores: «Graner é um sádico», disseram.
Paralelamente, as suspeitas de tortura às mãos de soldados e agentes norte-americanos não param de crescer. Alguns dos cerca de 80 afegãos libertados esta semana, após meses de detenção sem culpa formada, afirmaram terem sido torturados num calabouço perto de Cabul. As denúncias, corroboradas por organizações humanitárias que operam no terreno, foram porém tímidas, uma vez que o presidente do Supremo Tribunal afegão, Fazil Shinwari, apelou à «discrição» dos ex-prisioneiros.

Resistência não baixa armas

Enquanto os membros das equipas de preparação das eleições iraquianas abandonam o país sob protesto de falta de condições para trabalharem – só quarta-feira da semana passada foram embora mais 19 funcionários – os EUA e o governo interino de Bagdad insistem na realização do sufrágio no próximo dia 30 deste mês.
Da parte do executivo de Allawi o embaraço é evidente. Depois da renúncia de 30 formações políticas devido à manifesta impossibilidade de se efectuar uma consulta minimamente credível, é o próprio governo do Iraque quem admite que os indivíduos recenseados não vão, na melhor das hipóteses, muito além dos registados nos programas de auxílio alimentar.
Entretanto a Agência Reuters divulgou uma mensagem atribuída a um grupo da resistência iraquiana.
O vídeo, em tudo diferente aos anteriormente divulgados, não apela à «guerra santa» nem invoca a punição dos «infiéis», antes exorta os soldados norte-americanos a desertarem com garantias de acolhimento e refúgio seguro em casas e mesquitas iraquianas.
«Esta não é a vossa guerra, vocês não lutam por uma causa justa no Iraque», apela a resistência que, simultaneamente, mostra imagens de ataques bem sucedidos da guerrilha contra tropas regulares dos EUA.
Antes de exortar os povos do mundo a «deixarem de usar o dólar», a mensagem também se refere às armas de destruição maciça, ao 11 de Setembro e às supostas ligações da Al-Qaeda a Saddam Hussein, explicando que «essas são apenas algumas das mentiras que esses criminosos apresentam para encobrir os seus verdadeiros planos».

Ataques intensificam-se

No domingo, as regiões de Kut e Suwaria, a sudeste de Bagdad, precisamente duas províncias consideradas pelo governo interino minimamente seguras para a realização de eleições, foram palco de vários episódios violentos.
Os ataques vitimaram duas dezenas de pessoas, entre as quais seis agentes das forças da ordem e dois funcionários governamentais.
A norte da capital, na região apelidada de «triângulo sunita», os ataques são igualmente constantes e direccionados contra soldados norte-americanos e membros das autoridades policiais do governo iraquiano.
Mesmo dentro da «zona verde» – área de segurança máxima de Bagdad onde se encontra o comando dos EUA e os serviços do governo de Allawi – os ataques avolumam-se, resultando cada vez mais claro o acantonamento das forças ocupantes e o recrudescimento das acções de resistência.


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