Felicidade(s)

Vitor Dias
Para já não falar de outras coisas, parece indiscutível que, em matéria de Europa, o pensamento político do Presidente da República ou anda um bocadinho desgovernado ou então anda a assumir um intervencionismo que certamente muitos portugueses preferiam fosse antes exercido face ao desgraçado governo que temos.
Recapitulando, registe-se a este respeito que o Presidente da República anunciou há tempos o estranho e singular propósito de intervir activamente em defesa do «sim» num provável referendo sobre a dita «Constituição europeia», o que, para além de questionáveis aspectos do domínio legal e ético, parece sinalizar uma encenação de «dramatização» que consideramos muito reprovável.
Depois, num texto (que não queremos adjectivar) publicado no «Público» a propósito da assinatura da chamada «Constituição europeia» – dia que considerou insuperavelmente de «festiva responsabilidade» –, veio explicar que com o aventado referendo «poderemos assim reafirmar claramente que ele (o projecto europeu) continua a fazer parte das opções fundamentais da nossa democracia e que o nosso futuro passa por esta Europa, em contínuo aperfeiçoamento». Acontecendo que, com esta afirmação, o Presidente da República não só atribui um sentido e finalidade unívocos ao referendo como, de caminho, dá a sua própria contribuição para a maior mistificação que se prepara e que consiste em inculcar que quem votar «não» está a querer que Portugal saia do processo de integração europeia.
Por fim, o PR acaba de declarar na Áustria que «ficaria muito feliz» se, no prazo de 10 ou 20 anos, se avançasse para «uma confederação ou talvez mesmo uma federação de Estados-nação».
Deixando de lado que o PR faz por ignorar os vastos e crescentes elementos de federalismo que marcam o rumo actual da «construção europeia, é altura de observar que na Europa totalmente federal por que ele ambiciona não só é duvidoso que se pudesse continuar a falar de «Estados-nação» como é absolutamente seguro que não teria qualquer justificação a existência do cargo de Presidente da República Portuguesa, bastando, à moda de qualquer Estado dos E.U.A, a eleição de um qualquer governador.
Pois é, a cada um a sua felicidade. Já nós ficaríamos bem mais felizes se tivéssemos um Presidente da República Portuguesa que tivesse um módico de espírito crítico face aos rumos e à evolução em curso da «construção europeia» e que não confundisse uma intensa cooperação e articulação entre estados e nações com a perversa e artificial criação de um super Estado europeu e as decorrentes subordinação e diluição nacionais.


Mais artigos de: Opinião

Rendas: leis celeradas com um toque de classe

Na AR e na opinião pública tem estado em debate uma autorização legislativa cujo objectivo é retirar os habitantes que vivem há décadas nos bairros mais antigos da cidade para disponibilizar esses espaços a outras camadas com maior poder económico. E isso através da recepção dos fogos vagados por despejos ou por «indemnizações à padrinho» – das que se não podem recusar.

O espectro

Salvaguardadas as devidas excepções, mal vão as coisas quando os jornalistas são notícia. E pior vão ainda quando deles se ocupam os tribunais por razões que não as decorrentes das debilidades da humana condição. Quando tal sucede, ou a prestação profissional deixa a desejar ou, como sucede cada vez mais amiúde, anda à...

Caricaturas

Dos velhos tempos de Salazar chegam-nos histórias que o povo transformou em boa parte do anedotário nacional. Passaram e ainda passam de boca em boca, como a que correu por ocasião de um terramoto de Lisboa, quando o director da pide recebeu um telegrama urgente a relatar : "Epicentro capturado ao largo da costa do...

Esquecimentos

Já aqui uma vez aludimos ao progressivo afastamento do Estado em relação a algumas das suas mais fundamentais obrigações - isto se considerarmos o Estado como um «regulador» da sociedade, um aparelho destinado a produzir legislação e a aplicá-la no sentido do favorecimento do povo que enquadra. Isto, portanto, se...

Eleições nos EUA

A vitória de Bush nas eleições presidenciais norte-americanas é um acontecimento sombrio e carregado de perigos para a Humanidade. Os sectores mais reaccionários do grande capital norte-americano, empenhados numa ofensiva para impor o seu domínio sobre o planeta, viram confirmado, e até reforçado, o seu controlo sobre os...