O espectro
Salvaguardadas as devidas excepções, mal vão as coisas quando os jornalistas são notícia. E pior vão ainda quando deles se ocupam os tribunais por razões que não as decorrentes das debilidades da humana condição. Quando tal sucede, ou a prestação profissional deixa a desejar ou, como sucede cada vez mais amiúde, anda à solta o espectro da censura.
Nos últimos dias, dois casos de contornos particularmente preocupantes subiram à ribalta: o arrolamento de 53 jornalistas suspeitos de violação do segredo de justiça no âmbito do «processo Casa Pia», e o início do julgamento do jornalista Manso Preto por recusa de violação do sigilo profissional.
Por ventura menos mediáticos do que o famigerado «caso Marcelo», que promete dar ainda muito que falar, os casos acima referidos são um sinal da crescente degradação que se regista na sociedade portuguesa no respeitante ao direito constitucionalmente consagrado da liberdade de expressão.
Se no primeiro caso choca ver meia centena de profissionais da imprensa chamados à justiça por alegada violação do «segredo» mais badalado das últimas décadas, quando foi justamente a imprensa que tornou possível levantar a ponta do espesso manto que acoberta o hediondo crime da pedofilia, no segundo caso indigna ver um jornalista sentado no banco dos réus por ter a coragem de defender até às últimas consequências o seu dever de sigilo profissional.
A história de Manso Preto é paradigmática do que verdadeiramente está em jogo neste momento na sociedade portuguesa: ou revela o nome da fonte confidencial que lhe prestou informações e, assim, descredibiliza-se a si e a toda a classe, ou mantém o sigilo contrariando a ordem do tribunal e incorre numa pena de prisão que pode ir de seis meses a três anos de prisão.
Se falar, e para além de outras implicações que não são de somenos importância - como poder pôr em causa a sua segurança e a da fonte - o jornalista está a abdicar do único bem de que dispõe profissionalmente, o seu nome; está a liquidar a sua própria carreira profissional, porque deixando de ser de confiança não mais conseguirá quem lhe dê informações confidenciais; e está sobretudo a pôr em causa o direito à informação numa sociedade que se diz democrática, pois sem garantia de confidencialidade o que resta é a «verdade oficial» dos poderes instituídos.
Ao não perceberem ou ao não quererem perceber isto, os juizes que não admitem ver o seu poder contestado pelo dever ético do sigilo profissional dos jornalistas, que a Constituição consagra, estão a dizer à sociedade que a eles e só a eles cabe o poder de decidir o que deve e o que não deve ser revelado. Estão, objectivamente, a abrir caminho à censura e à autocensura, a impor o silêncio que permite todas as prepotências, a colocar um açaime a quem recusa ser a «voz do dono».
Numa altura em que o Governo ultima a sua central de informação e aposta na alteração legislativa para impor (ainda mais) limites à liberdade de informação, uma tamanha sanha dos tribunais contra os jornalistas dificilmente pode ser considerada acidental.
Algo vai muito mal quando os jornalistas correm o risco de ser postos atrás das grades por tentarem exercer o melhor que podem e sabem a sua profissão.
Nos últimos dias, dois casos de contornos particularmente preocupantes subiram à ribalta: o arrolamento de 53 jornalistas suspeitos de violação do segredo de justiça no âmbito do «processo Casa Pia», e o início do julgamento do jornalista Manso Preto por recusa de violação do sigilo profissional.
Por ventura menos mediáticos do que o famigerado «caso Marcelo», que promete dar ainda muito que falar, os casos acima referidos são um sinal da crescente degradação que se regista na sociedade portuguesa no respeitante ao direito constitucionalmente consagrado da liberdade de expressão.
Se no primeiro caso choca ver meia centena de profissionais da imprensa chamados à justiça por alegada violação do «segredo» mais badalado das últimas décadas, quando foi justamente a imprensa que tornou possível levantar a ponta do espesso manto que acoberta o hediondo crime da pedofilia, no segundo caso indigna ver um jornalista sentado no banco dos réus por ter a coragem de defender até às últimas consequências o seu dever de sigilo profissional.
A história de Manso Preto é paradigmática do que verdadeiramente está em jogo neste momento na sociedade portuguesa: ou revela o nome da fonte confidencial que lhe prestou informações e, assim, descredibiliza-se a si e a toda a classe, ou mantém o sigilo contrariando a ordem do tribunal e incorre numa pena de prisão que pode ir de seis meses a três anos de prisão.
Se falar, e para além de outras implicações que não são de somenos importância - como poder pôr em causa a sua segurança e a da fonte - o jornalista está a abdicar do único bem de que dispõe profissionalmente, o seu nome; está a liquidar a sua própria carreira profissional, porque deixando de ser de confiança não mais conseguirá quem lhe dê informações confidenciais; e está sobretudo a pôr em causa o direito à informação numa sociedade que se diz democrática, pois sem garantia de confidencialidade o que resta é a «verdade oficial» dos poderes instituídos.
Ao não perceberem ou ao não quererem perceber isto, os juizes que não admitem ver o seu poder contestado pelo dever ético do sigilo profissional dos jornalistas, que a Constituição consagra, estão a dizer à sociedade que a eles e só a eles cabe o poder de decidir o que deve e o que não deve ser revelado. Estão, objectivamente, a abrir caminho à censura e à autocensura, a impor o silêncio que permite todas as prepotências, a colocar um açaime a quem recusa ser a «voz do dono».
Numa altura em que o Governo ultima a sua central de informação e aposta na alteração legislativa para impor (ainda mais) limites à liberdade de informação, uma tamanha sanha dos tribunais contra os jornalistas dificilmente pode ser considerada acidental.
Algo vai muito mal quando os jornalistas correm o risco de ser postos atrás das grades por tentarem exercer o melhor que podem e sabem a sua profissão.