Brincadeiras sérias

Leandro Martins
Há personalidades – seria melhor dizer personagens – cujas palavras e actos é difícil abordar sem que a ironia se interponha. Mas não é de amáveis palhaçadas que se trata aqui e assim a ironia afigura-se-nos arma perigosa, resvaladiça e ambígua, arriscando o seu utente a vê-la surtir efeito contrário ao que desejaria. Na política – doméstica ou internacional – encontramos abundância de gaffes, uma profusão de ridículos, um manancial de acácios. Vivemos o tempo em que não são apenas estes que amarinham ao lugar de conselheiros e por aí se ficam burilando frases, ditando sentenças, esticando-se em bicos de pés. Há por aqui «chernes» que saltam do forno para primeiros-ministros, ultra-«esquerdistas» que sobem a lacaios do capital caseiro e a mordomos do capital internacional. Desde Reagan que nos acostumámos a ver actores de terceira a mandar no império, «terminators» a seguir o mesmo caminho, califórnia acima. No topo encontramos hoje o pai de todas as gaffes, a anedota personificada em presidente dos Estados Unidos. Mas o caso não é para rir. Porque o ridículo não mata mesmo.
Ainda há dias, uma revista da nossa praça transcrevia um recente discurso de Bush que víramos de relance na televisão sem que as palavras aí nos revelassem o conteúdo. Disse ele então, com aquele ar zombeteiro e irresponsável: «Os nossos inimigos são imaginativos e estão cheios de recursos; nós também. Nunca deixam de procurar novas maneiras de prejudicar o nosso país e o nosso povo; nós também.»
Poder-se-ia dizer que, nesta como em muitas outras gaffes, lhe fugiu a boca para a verdade. E que podíamos rir, aliviados. Mas a coisa não funciona assim. Se é certo que o homem representa os interesses (próprios) de uma classe que não olha a meios para aumentar e consolidar os lucros da exploração e não olha a meios para estabelecer o domínio imperialista sobre o mundo, não é menos certo que o seu próprio povo lhe merece tão pouco respeito como os seus «inimigos». Que o digam as famílias dos militares americanos mortos na guerra injusta que os EUA movem ao povo iraquiano.
Hoje, o presidente eleito dos EUA, num processo tão fraudulento que já hoje se admite que as próximas eleições venham a ser «acompanhadas» por observadores internacionais, arroga-se o direito de pôr em causa a legitimidade de um referendo na Venezuela. Só porque, com a vitória de Chávez, o imperialismo averbou uma derrota. Seria ridículo, se não se tratasse de uma ameaça.


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