O filme

Henrique Custódio
O documentário cinematográfico Fahrenheit 9/11, realizado pelo norte-americano Michael Moore em assumido combate contra a administração de George W. Bush, nos EUA, estreou a semana passada em Portugal e já levantou curiosas reacções na «imprensa de referência».
Mesmo descontando a elucubração fatalmente reaccionária de um Luís Delgado - o paladino lusitano da administração Bush que, na sua coluna no Diário de Notícias, naturalmente não está com demasias e, mesmo sem ter visto o filme, chama-lhe «coisa inenarrável» (ao que «lhe dizem»...) «de um pateta com pretensões» (olha quem fala...) -, verificamos que boa parte dos comentadores das principais páginas nacionais se desunham para desfazer o filme e o seu autor, sempre com «independência», evidentemente.
Por exemplo, no Expresso escrevem dois de uma assentada.
Um deles, António Cabrita de seu nome, considera que «Fahrenheit 9/11 orienta o melhor da sua energia e dom a procurar provar que a família Bush está feita com a família Bin Laden» (com um pormenor, não referido pelo minucioso crítico: o filme não «procura provar», apresenta factos que expõem cruamente as ligações económicas de Bush pai e filho à referida família de Bin Laden), acusa Moore de «amassar de uma penada a verdade e o cinema» (seja lá isso o que for) e, para mostrar que «esta forma de distorcer a realidade não é nova», vai ao misterioso extremo de colocar a seguinte questão: «Que diria o leitor se soubesse que os “kilts” escoceses apresentados em Rob Roy estão desenquadrados e que o kilt é uma invenção do século XIX?». Por nós, como leitores, não dizemos nada, a não ser que não percebemos o que é que os «kilts» do Rob Roy têm a ver com os «amassamentos» do Michael Moore.
Já o outro «crítico do Expresso» - Francisco Ferreira de sua graça -, não está com «kilts» nem Rob Roys e vai de espada ao assunto: classifica a «voz off» de Michael Moore, no filme, como um «problema monstruoso» que «só diz a verdade sem admitir a dúvida» e ilustra, escandalizado, como essa «voz off» se torna «demasiado infame» ao «especular» sobre a manifesta incapacidade de Bush quando, de visita a uma escola, foi informado ao ouvido do choque dos aviões com o WTC e ficou parado durante sete minutos e meio. E de facto ficou parado esse tempo, como ficou registado e foi mostrado em vídeo, sendo evidentemente essa paralisia que importa, e não o que estivesse eventualmente Bush a pensar...
Já no Diário de Notícias, um tal Pedro Mexia arruma a questão afirmando que «nos filmes de Moore raramente encontramos uma cena que não recorra a formas de desonestidade factual e moral» (é pena que não aponte uma única, em concreto...), enquanto, ao lado, Pedro Lomba decide que o filme «não é uma peça sobre a verdade porque Moore usa, e mais do que uma vez, a mentira» (também não dá um único exemplo a ilustrar a tese, o que deixa a sua «verdade» lamentavelmente pendurada).
Uma coisa é certa (e – já agora... - dizemo-lo tendo visto a obra): o filme tem altos e baixos como documentário, monta um discurso e direcciona-o, como acontece em qualquer realização, mas apresenta exclusivamente factos, acontecimentos, afirmações e actos ocorridos e registados. Ou seja, nada do que lá se mostra foi forjado ou inventado. Pelo que o seu único «pecado» é apontar uma verdade – a vigarice, corrupção e manipulação que proliferam na administração Bush – que, sendo discutível como todas as teses, é-nos apresentada com factos irrefutáveis.
E essa é que é essa, não é senhores críticos?!...


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(Público 24JUL04)


Seria estultícia nossa responder á estupidez, desvergonha, ausência de dignidade profissional da prosa cavernícola do jornalista (!!) do Público na morte de Carlos Paredes, músico genial e comunista, membro do Partido Comunista Português. É um facto que não fez o que outros jornalistas e alguma comunicação social fizeram, numa manifestação típica de anticomunismo: ocultar a sua condição de militante comunista. Mas o seu texto ilustra bem, uma máscara corrente de um certo anticomunismo intelectualoide.