Máscaras do anticomunismo

Agostinho Lopes (Membro da Comissão Política do PCP)
«Carlos Paredes fez da música e da guitarra portuguesa a sua vida. À esquerda e á direita, a “inteligentsia” reivindicava-o como herói da sua causa. Foi vê-lo (a ele e a outros) actuar de graça por esse país fora, no rodopio do pós-25 de Abril, a cantar a “liberdade” e a “justiça”, em nome de partidos com poucos escrúpulos. Estava encontrado, com despesas reduzidas de manutenção, o embaixador do nosso fado e dos valores tradicionais ou o “porta-voz” das classes desfavorecidas na luta pelos amanhãs que cantam, conforme o exigiam a ocasião e os interesses em causa. Ele existia e tocava, tocava sempre, e isso bastava-lhe».
(Público 24JUL04)


Seria estultícia nossa responder á estupidez, desvergonha, ausência de dignidade profissional da prosa cavernícola do jornalista (!!) do Público na morte de Carlos Paredes, músico genial e comunista, membro do Partido Comunista Português. É um facto que não fez o que outros jornalistas e alguma comunicação social fizeram, numa manifestação típica de anticomunismo: ocultar a sua condição de militante comunista. Mas o seu texto ilustra bem, uma máscara corrente de um certo anticomunismo intelectualoide.

Ele existia e tocava, tocava sempre e isso não lhe bastava

De barato se daria a invocação da direita reivindicativa do património de Paredes, invencionice tragicómica, como se não houvesse PIDE na matéria, como se,
depois de Abril, não houvesse anos e anos de silenciamento, de apagamento, de amarfanhamento por televisões, rádios, jornais, do Paredes músico por causa do Paredes cidadão comunista. Naturalmente, com honrosas excepções. Mas ela revela a manhosice saloia de quem tenta a manipulação do leitor através da posição «neutra», criticando e condenando esquerda e direita! Onde, alguém, viu o Paredes «“embaixador” do nosso fado e dos valores tradicionais»???
O «neutro» jornalista pretende recuperar o intelectual da torre de marfim, acima da vida do seu povo, do seu tempo, do seu mundo! Acima, fora dessa coisa suja que é a política. E logo tem de inventar um Paredes usado, manipulado, instrumentalizado, enganado pelo seu Partido, o PCP! E logo tem que criar um Paredes artista, que o que queria era tocar, ingénuo, manipulável, assassinando todas as outras dimensões do Paredes cidadão activo, interveniente, lutador participando dos combates do seu Partido, dando-se com a generosidade, fraternidade e humildade que a sua música pletórica de vida nos transmitia e emocionava. O jornalista «apartidário» e «apolítico» não queria que o militante comunista preso pela Pide lutasse depois de Abril pela liberdade! Não queria que o injustiçado do fascismo de Salazar e Caetano, Carlos Paredes (que fazia suas como todos os comunistas as injustiças da ditadura terrorista de monopolistas e latifundiários) lutasse pela justiça! Escândalo dos escândalos, para quem pelos vistos só conhece o mercado como regulador das relações humanas e sociais, o artista entregava de graça a genialidade da sua música aos «levantados do chão» que na planície alentejana ocupavam a terra latifundiária na gesta heróica da Reforma Agrária. Fazia a dádiva dos seus sons de fúria e esperança aos que nas grandes empresas defendiam a economia do País contra a sabotagem do grande capital e queriam o socialismo. Participava solidária e fraterno na lutas dos rendeiros do Norte com fome de terra.
Sacrilégio dos sacrilégios, Carlos Paredes punha a sua ARTE com letra grande ao serviço das batalhas políticas do PCP! Calculem a profanação da «arte pura» da Bayer, sem contaminação ideológica nem instrumentalização partidária, Paredes animava comícios e trabalhava nas campanhas eleitorais... É evidente que se fosse o mecenato da grande empresa a sustentar o artista outro galo cantaria. Isso é inteiramente legítimo e de louvar, pois se até dá descontos nos impostos e tudo...

Sim, era comunista!

É claro que o ignorante desconhece que ainda Abril não tinha nascido e já Paredes acordava Abril em colectividades e iniciativas democráticas sob a vigilância de chumbo do fascismo e ... de graça! Foi assim que o conheci e ouvi pela primeira vez. Paredes envolvendo as palavras dos poetas na voz de José Carlos de Vasconcelos. E como a sua guitarra nos fazia ouvir a Tuna do Zé Jacinto de violas e bandolins!
Assim se procura apoucar a enorme dimensão humana, assim se pretende mutilar o homem inteiro e vertical que foi o espantoso músico dos Verdes Anos! Como se fosse possível descarnar o músico Carlos Paredes do homem político, do homem militante, do comunista envolvido na luta pelos generosos ideais do comunismo! Que o levaram à prisão e à tortura, que o levaram, após julgamento pelos tribunais do fascismo, à expulsão da função pública, que o levaram ao ostracismo e «esquecimento» pelos grandes órgãos de comunicação social, antes e depois do 25 de Abril.
Mas a catilinária do jornalista desvenda um profundo e vesgo anticomunismo que perpassa pela cabeça de alguns espíritos que se julgam bem pensantes. Acreditando nas tretas todas das «modernidades» e do fim da história que os ideólogos do capitalismo lhes vão vendendo, têm por doutrina firmada que os artistas de génio, personalidades destacadas da ciência não podem ser nos dias que correm marxistas, quanto mais comunistas, com partido e tudo. Logo só o podem ser enganados. (Lúcidos só quando são dissidentes)! Ingénuos que são os sábios e os grandes artistas, como as crianças, facilmente são manipuláveis por espíritos espúrios ou por «partidos com poucos escrúpulos». Não é capaz de enxergar o alma de sapo, que mesmo falando da música de Paredes, tropeça na mesquinhez de quem julga os outros pelo tamanho da sua reduzida dimensão intelectual.
Ele existia e tocava, tocava sempre e isso não lhe bastava. O que o fez comunista!


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