A desinformação e o medo
Uma campanha de desinformação perversa chegou à Europa, transmitindo a certeza de que Hugo Chavez vai perder o referendo revogatório.
Portugal não é excepção. Canais de televisão, jornais, rádios repetem a mensagem vinda dos EUA. Os analistas de serviço completam o noticiário das agências e acrescentam, por sua conta, pormenores. Tentam explicar, como especialistas, que a derrota espera Chavez e que bem a merece por ter desgovernado o país, perseguido os jornalistas, violado os direitos humanos e, golpeando a democracia, ter instaurado ali um regime autocrático de perfil ditatorial.
Essa vaga de euforia dos mass media caseiros vai desembocar numa melancólica frustração. A mensagem é falsa.
A direita portuguesa, de tanto sonhar com a contra-revolução na Venezuela, acabou por tomar os seus desejos por realidades.
Com uma única excepção, todas as sondagens encomendadas pelos dirigentes da chamada Coordenadora Democrática a empresas norte-americanas atribuem ao presidente Chavez a vitória no referendo de 15 de Agosto.
Sempre fui avesso a exercícios de futurologia. Não citarei aqui as percentagens dessas sondagens, nem as comentarei. Mas, perante a ofensiva desencadeada contra a revolução bolivariana – que encontra generosa acolhida em jornais como o Público e o Expresso e conta com a adesão de responsáveis do partido único PSD-PS – parece-me útil informar que em Caracas alastra o desalento entre as forças contra-revolucionárias que ainda há poucas semanas exibiam uma arrogância triunfalista.
De Marta Harnecker, a socióloga chileno-cubana que escreveu importantes trabalhos sobre o processo venezuelano, recebi esta semana uma carta em que, comentando o berreiro anti-Chavez e o festival de asneiras dos epígonos do imperialismo, diz muito em poucas palavras:
«As mentiras de que falas não farão história. Aqui, entre nós, não há dúvidas sobre o resultado. Estamos confiantes. O que se discute é a dimensão da vitória, a percentagem que Chavez obterá.»
Em Março passei uma semana na capital da Venezuela e o espectáculo da vida e as conversas mantidas com amigos ajudaram-me a compreender melhor o processo revolucionário.
Escrevi então no Avante! que desde o início do século XX país algum foi cenário de uma luta de classes tão intensa como a que ali se desenvolve.
A manobra do referendo insere-se nela. Derrotada por duas vezes, primeiro no golpe de 11 de Abril de 2001 e depois no lockout petrolífero que quase paralisou o país, a oligarquia – apoiada e financiada pelo imperialismo norte-americano – mudou de táctica para atingir o mesmo objectivo estratégico.
Opção bolivariana
Na Venezuela está em curso, como lembra o cientista social Rodolfo Sanz, «um processo essencialmente democrático, popular, pacífico, realizado no quadro das regras do jogo do próprio sistema que ele se propôs a mudar». Um processo resultante da «acertada combinação de habilidade táctica, sentido dialéctico da unidade, flexibilidade no diálogo e, sobretudo, trabalho junto das massas».
Independentemente das interrogações suscitadas pela viabilidade a longo prazo da via institucional para a transformação radical de uma sociedade capitalista, o desafio venezuelano desespera a Casa Branca. Quem encarna a democracia representativa, mesmo na sua fórmula tradicional, é a experiência chavista e não a partidocracia oligárquica anterior, aliada de Washington e derrotada em sucessivas eleições. Daí o recurso ao golpismo.
Há dias, durante um debate no Conselho Português da Paz e da Cooperação, um jovem perguntou-me o que significa em termos políticos na prática a opção «bolivariana» da Venezuela chavista.
Foi oportuna a questão colocada.
Sem o regresso a Bolívar, sem a invocação do seu exemplo, Chavez não estaria no palácio Miraflores e a história da Venezuela não teria tomado o rumo que seguiu.
Falou-se então de Simon Bolívar e eu lamentei que em Portugal não tenha ainda sido editada uma só obra de qualidade sobre a vida, a obra do Libertador.
Não é por acaso que o vencedor de Carabobo e Junin, transcorridos 174 anos da sua morte, é detestado pelas oligarquias venezuelana e colombiana. A modernidade do pensamento político e social de Bolívar, a sua visão do papel do Estado, a sua crítica do parlamentarismo nas jovens repúblicas latino-americanas, a percepção que teve da ameaça do imperialismo, a atitude assumida perante os índios, a libertação dos escravos, a defesa do ambiente – tudo na sua obra o projecta como um revolucionário ímpar, o gigante da sua época.
O medo de Bolívar está omnipresente no combate a Chavez que lhe reivindica a herança e o projecto.
Portugal não é excepção. Canais de televisão, jornais, rádios repetem a mensagem vinda dos EUA. Os analistas de serviço completam o noticiário das agências e acrescentam, por sua conta, pormenores. Tentam explicar, como especialistas, que a derrota espera Chavez e que bem a merece por ter desgovernado o país, perseguido os jornalistas, violado os direitos humanos e, golpeando a democracia, ter instaurado ali um regime autocrático de perfil ditatorial.
Essa vaga de euforia dos mass media caseiros vai desembocar numa melancólica frustração. A mensagem é falsa.
A direita portuguesa, de tanto sonhar com a contra-revolução na Venezuela, acabou por tomar os seus desejos por realidades.
Com uma única excepção, todas as sondagens encomendadas pelos dirigentes da chamada Coordenadora Democrática a empresas norte-americanas atribuem ao presidente Chavez a vitória no referendo de 15 de Agosto.
Sempre fui avesso a exercícios de futurologia. Não citarei aqui as percentagens dessas sondagens, nem as comentarei. Mas, perante a ofensiva desencadeada contra a revolução bolivariana – que encontra generosa acolhida em jornais como o Público e o Expresso e conta com a adesão de responsáveis do partido único PSD-PS – parece-me útil informar que em Caracas alastra o desalento entre as forças contra-revolucionárias que ainda há poucas semanas exibiam uma arrogância triunfalista.
De Marta Harnecker, a socióloga chileno-cubana que escreveu importantes trabalhos sobre o processo venezuelano, recebi esta semana uma carta em que, comentando o berreiro anti-Chavez e o festival de asneiras dos epígonos do imperialismo, diz muito em poucas palavras:
«As mentiras de que falas não farão história. Aqui, entre nós, não há dúvidas sobre o resultado. Estamos confiantes. O que se discute é a dimensão da vitória, a percentagem que Chavez obterá.»
Em Março passei uma semana na capital da Venezuela e o espectáculo da vida e as conversas mantidas com amigos ajudaram-me a compreender melhor o processo revolucionário.
Escrevi então no Avante! que desde o início do século XX país algum foi cenário de uma luta de classes tão intensa como a que ali se desenvolve.
A manobra do referendo insere-se nela. Derrotada por duas vezes, primeiro no golpe de 11 de Abril de 2001 e depois no lockout petrolífero que quase paralisou o país, a oligarquia – apoiada e financiada pelo imperialismo norte-americano – mudou de táctica para atingir o mesmo objectivo estratégico.
Opção bolivariana
Na Venezuela está em curso, como lembra o cientista social Rodolfo Sanz, «um processo essencialmente democrático, popular, pacífico, realizado no quadro das regras do jogo do próprio sistema que ele se propôs a mudar». Um processo resultante da «acertada combinação de habilidade táctica, sentido dialéctico da unidade, flexibilidade no diálogo e, sobretudo, trabalho junto das massas».
Independentemente das interrogações suscitadas pela viabilidade a longo prazo da via institucional para a transformação radical de uma sociedade capitalista, o desafio venezuelano desespera a Casa Branca. Quem encarna a democracia representativa, mesmo na sua fórmula tradicional, é a experiência chavista e não a partidocracia oligárquica anterior, aliada de Washington e derrotada em sucessivas eleições. Daí o recurso ao golpismo.
Há dias, durante um debate no Conselho Português da Paz e da Cooperação, um jovem perguntou-me o que significa em termos políticos na prática a opção «bolivariana» da Venezuela chavista.
Foi oportuna a questão colocada.
Sem o regresso a Bolívar, sem a invocação do seu exemplo, Chavez não estaria no palácio Miraflores e a história da Venezuela não teria tomado o rumo que seguiu.
Falou-se então de Simon Bolívar e eu lamentei que em Portugal não tenha ainda sido editada uma só obra de qualidade sobre a vida, a obra do Libertador.
Não é por acaso que o vencedor de Carabobo e Junin, transcorridos 174 anos da sua morte, é detestado pelas oligarquias venezuelana e colombiana. A modernidade do pensamento político e social de Bolívar, a sua visão do papel do Estado, a sua crítica do parlamentarismo nas jovens repúblicas latino-americanas, a percepção que teve da ameaça do imperialismo, a atitude assumida perante os índios, a libertação dos escravos, a defesa do ambiente – tudo na sua obra o projecta como um revolucionário ímpar, o gigante da sua época.
O medo de Bolívar está omnipresente no combate a Chavez que lhe reivindica a herança e o projecto.