Um poeta de combate
As comemorações do centenário do nascimento de Pablo Neruda ficaram marcadas pela dinâmica popular das iniciativas, num tributo ao poeta, ao homem e ao comunista de tantos combates.
«O facto do povo tomar a palavra constituiu, por si só, um tributo ao poeta»
Sob o lema «Neruda, o povo te saúda», o Comité Amplo do Centenário, formado desde Março passado, mobilizou quase uma dezena de assembleias, participadas por centenas de pessoas, para elaborar o programa popular de comemoração da efeméride.
O facto do povo tomar a palavra e fazer parte inalienável da definição e realização das actividades a desenvolver constituiu, por si só, um tributo ao poeta, mas algo mais foi possível alcançar.
Na Ilha Negra, localidade onde Pablo Neruda construiu a sua casa e fixou residência – hoje convertida em museu – uma multidão de mais de três mil pessoas participou, domingo, num festival que entrou pela noite dentro.
Entre música, artesanato da região, fogo de artifício e declamação de poesia, muita poesia, festejou-se Neruda e a sua obra, diante da imagem de um Oceano que quis levar na sua última viagem: «Companheiros, enterrai-me na Ilha Negra/ defronte do mar que conheço, de cada área rugosa/ de pedras e ondas que meus olhos perdidos/ não voltarão a ver».
Do lado continental, na cidade de Valparaíso, também ela adoptada por Neruda, as comemorações estabeleceram um recorde absoluto, o do poema mais longo do mundo.
Recordados dos passeios que Neruda encetava rumo ao porto de pesca – onde convivia com os amigos em torno de uma conversa simples, um bom vinho e um petisco – moradores, organizações sindicais e estudantis e até alguns membros das forças armadas estenderam um pano de cerca de dois quilómetros, da casa-museu à beira do mar, onde escreveram palavras de poeta.
Comemorações e bloqueios
Paralelamente às iniciativas de base popular, as cerimónias oficiais, encabeçadas pelo presidente do país, Ricardo Lagos, decorreram na cidade natal de Neruda, Parral.
Da capital, Santiago do Chile, partiu o «Comboio do Poeta», transportando o chefe de Estado e mais de 300 personalidades que se associaram ao centenário do nascimento de Neftalí Ricardo Reyes Basoalto, nome de baptismo que o maior símbolo da cultura chilena viria a substituir pelo heterónimo literário Pablo Neruda, em honra ao poeta checo do século XIX, Jan Neruda.
Para além da entrega de uma centena de medalhas a personalidades mundiais da cultura, o Comité criado para o efeito instituiu ainda o Prémio Ibero-americano de Poesia Pablo Neruda, que este ano agraciou o mexicano José Emilio Pacheco.
Ainda no âmbito oficial, embora por proposta dos Comités de base, estão previstas acções toponímicas, cujo objectivo é dotar cada comuna do país de uma rua com o nome de Pablo Neruda.
Esta iniciativa merece da parte da direita, saudosista da ditadura de Pinochet, muita resistência, facto de que é exemplo a recusa do presidente de uma comuna da capital em aceder ao requerido.
O povo não se resignou e tentou meter mãos à obra, tendo sido travado pela polícia que realizou duas detenções.
Neruda continua vivo. Os combates em que se empenhou e as palavras com que expressou a vida nas suas múltiplas dimensões continuam a fazer eco no coração de milhares de chilenos.
A palavra é uma arma
Proveniente de uma família de parcos recursos – o pai era maquinista ferroviário e a mãe professora – Pablo Neruda cedo despertou para a escrita, tendo dos 13 aos 21 anos publicado diversos textos no jornal local de Parral, o «La Manana», e na revista «Selva Austral».
Já em Santiago, tráz à luz duas obras que lhe proporcionaram imediato reconhecimento, «Crepusculário» (1923) e «Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada» (1924), abraçando posteriormente a carreira diplomática.
Foi cônsul em diversos países, da América Latina à Ásia, mas foi durante a sua estadia em Madrid que melhor definiria a sua militância política, fruto do envolvimento na Guerra Civil Espanhola junto das facções republicanas, o que lhe valeria ainda a expulsão do país.
Com passagem pelo México entre 1940 e 1943, Neruda regressa ao Chile e inscreve-se no Partido Comunista Chileno (PCC), do qual viria a dizer, no poema «Ao Meu Partido», «Fizeste-me indestrutível porque contigo não termino/ em mim mesmo».
Eleito senador pelo PCC, crítica ferozmente a política repressiva de González Videla, o que lhe valeu períodos de exílio, como o imortalizado no filme «O Carteiro de Pablo Neruda».
No campo da actividade literária, publica em 1950 «Canto Geral», seguindo-se-lhe diversas obras de uma carreira reconhecida em 1971 com o Prémio Nobel da Literatura.
Em 1969 é candidato à presidência do Chile pelo PCC, abdicando em prol de Salvador Allende. O Golpe Militar que instituiu a ditadura de Augusto Pinochet no país da «Terra do Fogo» apanha Neruda já doente, e doze dias depois da intentona, em 23 de Setembro de 1973, viria a falecer. O seu funeral foi a primeira acção de resistência à brutalidade fascista, fazendo jus à sua vida e às palavras escritas.
O facto do povo tomar a palavra e fazer parte inalienável da definição e realização das actividades a desenvolver constituiu, por si só, um tributo ao poeta, mas algo mais foi possível alcançar.
Na Ilha Negra, localidade onde Pablo Neruda construiu a sua casa e fixou residência – hoje convertida em museu – uma multidão de mais de três mil pessoas participou, domingo, num festival que entrou pela noite dentro.
Entre música, artesanato da região, fogo de artifício e declamação de poesia, muita poesia, festejou-se Neruda e a sua obra, diante da imagem de um Oceano que quis levar na sua última viagem: «Companheiros, enterrai-me na Ilha Negra/ defronte do mar que conheço, de cada área rugosa/ de pedras e ondas que meus olhos perdidos/ não voltarão a ver».
Do lado continental, na cidade de Valparaíso, também ela adoptada por Neruda, as comemorações estabeleceram um recorde absoluto, o do poema mais longo do mundo.
Recordados dos passeios que Neruda encetava rumo ao porto de pesca – onde convivia com os amigos em torno de uma conversa simples, um bom vinho e um petisco – moradores, organizações sindicais e estudantis e até alguns membros das forças armadas estenderam um pano de cerca de dois quilómetros, da casa-museu à beira do mar, onde escreveram palavras de poeta.
Comemorações e bloqueios
Paralelamente às iniciativas de base popular, as cerimónias oficiais, encabeçadas pelo presidente do país, Ricardo Lagos, decorreram na cidade natal de Neruda, Parral.
Da capital, Santiago do Chile, partiu o «Comboio do Poeta», transportando o chefe de Estado e mais de 300 personalidades que se associaram ao centenário do nascimento de Neftalí Ricardo Reyes Basoalto, nome de baptismo que o maior símbolo da cultura chilena viria a substituir pelo heterónimo literário Pablo Neruda, em honra ao poeta checo do século XIX, Jan Neruda.
Para além da entrega de uma centena de medalhas a personalidades mundiais da cultura, o Comité criado para o efeito instituiu ainda o Prémio Ibero-americano de Poesia Pablo Neruda, que este ano agraciou o mexicano José Emilio Pacheco.
Ainda no âmbito oficial, embora por proposta dos Comités de base, estão previstas acções toponímicas, cujo objectivo é dotar cada comuna do país de uma rua com o nome de Pablo Neruda.
Esta iniciativa merece da parte da direita, saudosista da ditadura de Pinochet, muita resistência, facto de que é exemplo a recusa do presidente de uma comuna da capital em aceder ao requerido.
O povo não se resignou e tentou meter mãos à obra, tendo sido travado pela polícia que realizou duas detenções.
Neruda continua vivo. Os combates em que se empenhou e as palavras com que expressou a vida nas suas múltiplas dimensões continuam a fazer eco no coração de milhares de chilenos.
A palavra é uma arma
Proveniente de uma família de parcos recursos – o pai era maquinista ferroviário e a mãe professora – Pablo Neruda cedo despertou para a escrita, tendo dos 13 aos 21 anos publicado diversos textos no jornal local de Parral, o «La Manana», e na revista «Selva Austral».
Já em Santiago, tráz à luz duas obras que lhe proporcionaram imediato reconhecimento, «Crepusculário» (1923) e «Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada» (1924), abraçando posteriormente a carreira diplomática.
Foi cônsul em diversos países, da América Latina à Ásia, mas foi durante a sua estadia em Madrid que melhor definiria a sua militância política, fruto do envolvimento na Guerra Civil Espanhola junto das facções republicanas, o que lhe valeria ainda a expulsão do país.
Com passagem pelo México entre 1940 e 1943, Neruda regressa ao Chile e inscreve-se no Partido Comunista Chileno (PCC), do qual viria a dizer, no poema «Ao Meu Partido», «Fizeste-me indestrutível porque contigo não termino/ em mim mesmo».
Eleito senador pelo PCC, crítica ferozmente a política repressiva de González Videla, o que lhe valeu períodos de exílio, como o imortalizado no filme «O Carteiro de Pablo Neruda».
No campo da actividade literária, publica em 1950 «Canto Geral», seguindo-se-lhe diversas obras de uma carreira reconhecida em 1971 com o Prémio Nobel da Literatura.
Em 1969 é candidato à presidência do Chile pelo PCC, abdicando em prol de Salvador Allende. O Golpe Militar que instituiu a ditadura de Augusto Pinochet no país da «Terra do Fogo» apanha Neruda já doente, e doze dias depois da intentona, em 23 de Setembro de 1973, viria a falecer. O seu funeral foi a primeira acção de resistência à brutalidade fascista, fazendo jus à sua vida e às palavras escritas.