Três tartufos

Aurélio Santos
Há ocasiões em que Molière se torna tão indispensável para a descrição de um carácter como um bom dicionário para nos ajudar a descobrir o sinónimo perfeito. É o que se passa para caracterizar a mistura do fingimento compungido com a arrogância para com os de baixo, o servilismo rançoso para com os de cima, o deslizar hipócrita de uma silhueta sempre ambulante de conveniências. É o Tartufo.
Num linguajar incansável de bem falante e melhor pensante, adaptando-se facilmente a situações adversas, o Tartufo tanto troca de movimentos que acaba por não ter acerto nos seus próprios passos. Continua a fingir. Mas já não convence.
É o que está a acontecer a três dos Tartufos do palco português.
Santana Lopes oferece um certificado de dedicação ao povo de Lisboa, assegurando-lhe que está indefectivelmente a seu lado, a não ser que surja um caso de interesse público - ser primeiramente ministeriável. E acrescenta que a sua candidatura à Presidência da República está - por enquanto - posta de parte. Espera fazer um part-time como 1º Ministro...
Durão Barroso, também sem um laivo de hipocrisia, vem apresentar explicações: é que estava profundamente convencido de que a sua viagem rumo à vitória (entenda-se... em Bruxelas) nunca daria azo a eleições. Aliás, acrescenta, a sua convicção formou-se após contactos com o Presidente da República. Porém não deu mais nenhuma explicação de acréscimo depois de declarações emanadas da Presidência terem vindo esclarecer que a coisa não se tinha passado assim ...
O tartufismo de Paulo Portas não fica aquém dos anteriores. A partir de Viseu, veio a sua promessa solene de que iria proferir uma declaração. Demorou-se quase uma semana na viagem, mas acabou por falar. Em frases de um lapidarismo incisivo, duma clareza notável, original, literariamente retumbante, afirmou com voz decidida que «quem tem medo compra um cão». Aqui chegado (não se sabe se com uma matilha às pernas) concluiu que um político não devia ter medo de eleições e, que se tivesse, devia mudar de rumo. E às portas sabe-se lá de que rumo, mais não disse.
Haverá quem pense que a passagem destes personagens pela cena política portuguesa merece apenas o riso destinado à ópera bufa. Mas não é assim. São muito mais corrosivos do que aparentam. E conseguiram, em seu benefício, generalizar como nunca até hoje, o desprestígio das forças políticas e um profundo descrédito do regime democrático.
Esta gente tem de abandonar a nossa cena política. De forma que lhes fique de emenda .
Em novas eleições. Já!


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