Comentário

Clareza e transparência

Ilda Figueiredo
Tal como afirmámos durante a campanha eleitoral, as recentes eleições para o Parlamento Europeu tiveram sérias consequências, seja no plano nacional, seja no comunitário.
No plano nacional, vivemos talvez a maior crise da história recente da democracia portuguesa, depois da espantosa derrota que a coligação PSD/CDS sofreu em 13 de Junho, de que Durão Barroso tirou as devidas conclusões fugindo para Bruxelas, com o pretexto do convite para a Presidência da Comissão Europeia, que prontamente aceitou, certamente respirando de alívio por se livrar do PSD e do governo do País, recebendo ainda um prémio, através do exercício de um cargo altamente remunerado, embora muito condicionado aos interesses dos governos dos países mais poderosos. Basta ver como a imprensa estrangeira sublinhou o papel destacado de Berlusconi em todo este processo da candidatura de Durão Barroso para se perceber qual o verdadeiro papel que lhe reservam.
No momento que escrevo ainda não se conhece a decisão do Presidente da República. Mas, como amplos sectores da sociedade portuguesa têm evidenciado, o caminho mais transparente e que melhor responde ao descontentamento popular com a política governamental, ao desejo de mudança que sentimos durante a campanha eleitoral e que a votação de 13 de Junho também expressou, a esta fuga às responsabilidades nacionais do primeiro responsável governamental por uma política desastrosa, é a realização de eleições antecipadas para a Assembleia da República, dando voz ao povo.
É tempo de juntar forças para dar força à mudança que se impõe na política portuguesa, para não deixar que a palavra «estabilidade» seja sinónimo de mais ganhos e maiores privilégios para os grupos económicos e financeiros e piores condições de vida e de trabalho para quem vive dependente de magros salários e de empregos precários, de reformas de miséria, de subsídios de desemprego ou outros, cada vez mais ameaçados.
As eleições antecipadas para a Assembleia da República abrem caminho para uma verdadeira estabilidade que só pode existir com alterações políticas que permitam estabelecer uma estratégia de desenvolvimento para Portugal, assente na valorização da nossa capacidade produtiva nas diversas áreas, com destaque para as micro, pequenas e médias empresas, na defesa das especificidades da economia portuguesa e na motivação de quem trabalha, respeitando os seus direitos e valorizando o seu contributo para a retoma que tanto se tem propagandeado, mas de que a maioria da população ainda não viu sinais. Depois, vai ser necessário resolver problemas sociais graves, e, lá mais para a frente, realizar um debate profundo e um referendo sobre o projecto da “Constituição europeia”, recentemente aprovado pelo Conselho Europeu, mas que não pode entrar em vigor sem que todos e cada um dos 25 Estados membros da União Europeia o ratifiquem.
No plano comunitário, onde os resultados das eleições para o Parlamento Europeu também deixaram profundas sequelas, seja porque os governos dos países mais poderosos também sofreram sérias derrotas (Alemanha, França, Itália e Reino Unido), seja porque a taxa de abstenção foi, em geral, muito elevada, atingindo cerca de 80% na grande e recém-chegada Polónia, o que não augura nada de bom para o futuro da União Europeia alargada. Para quem tinha dúvidas do descontentamento dos polacos com as negociações sobre a adesão à União Europeia, os resultados das eleições para o Parlamento Europeu são esclarecedores.
É assim que, tendo em conta as heranças que a Presidência Holandesa acaba de receber da anterior Presidência Irlandesa, com destaque para a escolha de Durão Barroso e da aprovação do Tratado sobre a Constituição Europeia, na sessão plenária do Parlamento Europeu, que se inicia a 20 de Julho, em Estrasburgo, com a tomada de posse dos seus 732 deputados, a eleição do Presidente e outros dirigentes e respectivas Comissões e Delegações, será também votado, a 22 de Julho, o nome proposto para Presidente da Comissão.
Ora, quem em Portugal foi Primeiro-Ministro da coligação mais à direita que tivemos desde a revolução do 25 de Abril de 1974, quem aprovou legislação da mais regressiva na área do trabalho, como o Código Laboral, quem praticou o neoliberalismo com o acelerar das privatizações nos mais diversos sectores, quem praticou políticas restritivas na base da aplicação fundamentalista do Pacto de Estabilidade, quem pôs em causa serviços públicos essenciais, quem impediu a aprovação de uma lei que acabe com os julgamentos de mulheres acusadas de práticas de aborto clandestino e teve uma posição de clara defesa da guerra contra o Iraque, de seguidismo de Bush e do imperialismo americano, só pode merecer um voto contra. É o que iremos fazer quando esta votação se colocar no Parlamento Europeu, como também já decidiu o Grupo da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica onde participam os deputados comunistas.
É que, ao contrário do que se pretende insinuar, a eleição de Durão Barroso não serve os interesses de Portugal e do seu povo, mas apenas da mesma elite dos grupos económicos e das multinacionais que dominam Portugal e a União Europeia. A sua escolha só demonstra que, apesar das divisões e contradições em que se encontra a construção europeia, continua a imperar o mesmo objectivo que a dita constituição europeia, recentemente aprovada, também consagra: maiores e melhores condições para que o número restrito dos grandes países reforce o seu poder, como reconhece a imprensa europeia, o que sempre põe em causa interesses portugueses, os interesses de quem trabalha e de quem produz.
Não podemos defender para a União Europeia uma solução que não queremos para o nosso País.


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