A essência do imperialismo

Pedro Campos
A cada nova fotografia dos de Abu Ghraib ficamos mais e mais chocados. A aberração do exército imperialista parece não ter limites. Contudo, o que conhecemos é só a ponta de um iceberg muito maior e mais abominável, que talvez nunca conheceremos.
Vejamos uma história recente que começa com Joseph Darby...
Um menino bem comportado do neoliberalismo, Mario Vargas Llosa, explica-nos que este é o soldado que «a 13 de Janeiro, num acto de grande coragem e decência moral, apresentou espontaneamente uma denúncia sobre o que se passava em Abu Ghraib». Fazendo um paralelo entre as acções de Bush no Iraque e as de Sharon em Rafah, afirma que «não é exagerado dizer que elas fizeram mais mal aos Estados Unidos e a Israel do que todas as bombas e os ataques suicidas dos extremistas islâmicos nos últimos meses». Depois de falar de Abu Ghraib como «símbolo da ignomínia», Vargas Llosa, pergunta-se: «Que credibilidade podem ter, comparadas com as fotografias destes presos nus, obrigados a masturbar-se e a sodomizar-se, submetidos a descargas eléctricas ou à dentuça dos cães selvagens perante a imbecilidade e o regozijo dos seus guardas, as afirmações do presidente Bush ou do secretário de Defesa Rumsfeld de que Estados Unidos estão no Iraque para trazer a liberdade e a legalidade ao povo iraquiano?»
O terrível problema de Vargas Llosa é que quis acreditar que a invasão do Iraque era uma causa nobre. Agora que já sabemos o que sabemos – ainda que se esteja longe de saber tudo o que há para saber – não encontra como descalçar a bota e escreve que «uma sociedade democrática pode ter no seu governo uma mediocridade sem atenuantes como Bush ou um carniceiro como Sharon», e salta logo para aquilo de que estas práticas, que tudo indica terem sido «generalizadas» para «extorsão e abrandamento dos presos para conseguir informação», e podem até custar a presidência a Bush, nunca
poderiam ser denunciadas durante o regime de Saddam ou em qualquer outra ditadura. Vargas Llosa é deliberadamente curto de vista.
Não vê, não quer ver, que o imperialismo é essencialmente agressivo e não pode ser de outra maneira. Só que muitas vezes as agressões passam sorrateiramente por debaixo da mesa e outras não. Lá temos então os mea culpa misturados com a desculpas de mau pagador... e depois volta-se ao de sempre, que aqui o que conta é o petróleo... e os direitos humanos que vão à fava.
E tudo por culpa do Darby, que não fez mais do que levantar a ponta do véu. Deste véu...

Mas vem de muito mais longe...
O exército dos Estados Unidos tem uma tradição que é precisamente das melhores. A sua grande estreia foi nas guerras contra os primeiros donos do país: os índios. Há mais de um século, em 1875, o general Philip Henry Sheridan proferiu uma frase que definiu e marcou a natureza desse exército genocida e imperialista: «o único índio bom é o índio morto». Nesse então ainda não havia comunistas, mas nos anos sessenta do século passado «o único comunista bom é o comunista morto» foi lei na América Latina. Augusto Zamora, professor da Universidade Autónoma de Madrid, lembra-nos a fotografia, em 1930, de um soldado norte-americano mostrando, em jeito de troféu, a cabeça degolada de um camponês sandinista. Nos anos noventa, o Pentágono admitiu que na Escola das Américas havia manuais de contra-insurgência com secções dedicadas à tortura e ao assassínio. (No caso de Abu Ghraib já se aceita oficialmente que provocar «certo nível de dor» não é tortura...).
Vietname é um exemplo recente da melhor tradição do exército norte-americano. As tortura, as execuções sumárias e a aniquilação de civis era o pão (deles) de cada dia. My Lai é um dos casos mais emblemáticos. Primeiro foi a tentativa de o esconder (igual hoje com Abu Ghraib) e depois a manipulação mediática, no meio de uma guerra de extermínio cada vez mais cruel. A ilha-prisão Co Song foi menos conhecida mas mais terrível. No começo dos anos setenta, cinco mil civis foram aniquilados, e quase trinta anos depois o ex-senador Bob Kerrey admitia ter participado na chacina.
O terror tem sido historicamente a estratégia do exército dos Estados Unidos. A estratégia bushista do medo e do terror para o Iraque, tem o seu antecedente mais próximo no «faremos retroceder o Vietname até à idade da pedra». A tirada é do general Curtis Lemay e é de 1964. Devemos reconhecer que fez o possível por cumprir a estratégia: entre 1965 e 1972, os Estados Unidos lançaram o equivalente a 720 bombas de Hiroshima (perto de 16 milhões de toneladas de explosivos) sobre o povo vietnamita. E a utilização de napalme afectou 10 milhões de hectares de terra e 1,3 milhões de vietnamitas.
Abu Ghraib é só mais do mesmo...


Mais artigos de: Internacional

O «nim» da NATO

A NATO vai participar na formação das forças de segurança do Iraque, decidiu a cimeira de Istambul. É o «consenso mínimo possível» entre os 26 países aliados.

Palestinianos debaixo de fogo

Apesar da condenação e das denúncias palestinianas e de agências da ONU, o exército israelita mantém a ofensiva na Faixa de Gaza procurando esmagar a resistência.Ao cair da noite de segunda-feira, o centro da cidade de Gaza voltou a ser atacado por helicópteros do exército de Israel.Numa primeira incursão, os alvos foram...

Presos têm direitos

O Supremo Tribunal dos EUA decidiu esta segunda-feira que os presos encarcerados em Guantanamo têm direito a recorrer aos tribunais norte-americanos para se defenderem. A deliberação constitui uma derrota para a administração Bush, que negava quaisquer direitos aos presos.Aprovada por seis votos contra três, a decisão é...