Via Campesina denuncia

Organizações da ONU ao serviço das transnacionais

A FAO quer legitimar os transgénicos e as sementes estéreis para garantir lucros das transnacionais, acusa a IV Conferência Internacional da Via Campesina.

«Oposição total ao modelo neoliberal, que mata e destroi culturas»

A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) procura «legitimar a imposição de cultivos transgénicos e a utilização da tecnologia da morte - sementes Terminator ou sementes estéreis - com o único fim de garantir os lucros das grandes transnacionais da agricultura». A acusação consta da declaração final da IV Conferência Internacional da Via Campesina, realizada de 14 a 19 de Junho em Itaici, Brasil.
«As multinacionais querem manipular as nossas culturas para poderem controlar toda a cadeia alimentar a nível global, obrigando-nos a deixar de produzir alimentos - inclusive a nível local - e a ter de consumir os seus produtos em todo o mundo. Com este relatório, a FAO fornece a justificação para continuarem a contaminar as nossas culturas», declarou Paul Nicholson no congresso.
Para a Via Campesina, algumas organizações da ONU estão agora a «mostrar a sua verdadeira cara: dizem ser organismos públicos, mas na realidade fazem o trabalho de legitimação das transnacionais que promovem a agricultura industrial e a expulsão dos camponeses, completando o trabalho de guerra contra os pobres levado a cabo pela Organização Mundial do Comércio, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional»,
Defendendo que «a permanência da agricultura camponesa é fundamental para a eliminação da pobreza, da fome, do desemprego e da marginalização», bem como um factor determinante para a soberania alimentar, o movimento considera que «não haverá autonomia nem agricultura camponesa se não mantivermos nossas próprias sementes». Daí que a prioridade da acção vá para a luta por «políticas públicas ao serviço de uma agricultura camponesa sustentável», e por «uma autêntica Reforma Agrária, pela defesa de nossas sementes e da soberania alimentar».
Segundo a Via Campesina - a maior rede mundial de movimentos camponeses e agricultores familiares -, que reuniu no Brasil cerca de 500 delegados de 80 países, representando milhões de famílias camponesas, a grande batalha do movimento continua a ser a «oposição total ao modelo neoliberal, que mata e destroi culturas, povos e famílias camponesas no mundo todo».

Direitos humanos ameaçados

A declaração do Congresso faz ainda notar que se têm intensificado de «maneira dramática as migrações forçadas pela guerra e as provocadas pela miséria, a concentração da terra e a destruição de famílias camponesas», e acusa alguns organismos das Nações Unidas, «como a UNCTAD e a FAO», de estarem a assumir «o papel de guardiões do capital que, desde o início, o FMI, o BM e a OMC cumprem».
Denunciando que os tratados de livre comércio aprovados um pouco por todo o lado estão a impor «aparatos jurídicos que destroem princípios básicos de protecção dos direitos humanos e sociais, e que somente asseguram as condições para maximizar os lucros das empresas transnacionais», o documento repudia a «legalização da guerra contra os povos» e o «uso da repressão preventiva», ao mesmo tempo que se intensificam as tentativas de criminalização dos protestos sociais.
Para a Via Campesina, as mulheres e os jovens continuam a ser «marginalizados entre os marginalizados», e estão «cada vez mais sujeitos a condições de violência genocida». Na óptica do movimento, eles são as «vítimas principais dos processos de privatização dos serviços básicos, da concentração da terra e da destruição das formas locais de alimentação, de agricultura e do mercado local, assim como da exploração e do trabalho escravo que as transnacionais impõem».

Carta aberta à FAO

«A FAO declara guerra aos agricultores, não à fome» é o elucidativo título da carta aberta entregue a semana passada em Roma ao director da FAO, Jacques Diouf, assinada por mais de 650 movimentos e organizações da sociedade civil e de 850 personalidades de todos os cantos do mundo.
O documento é um enérgico protesto contra o relatório de 2003-2004 da FAO, apresentado a 17 de Maio, e intitulado «Biotecnologia: respondendo às necessidades dos pobres?», que os subscritores consideram «incompetente, ilógico e com má vontade».
Acusando a FAO de ter elaborado o seu relatório sem consultar as organizações camponesas ou de pequenos agricultores, embora pareça tê-lo «discutido amplamente com a indústria», a carta afirma que o documento «parece uma ferramenta de relações públicas para promover as sementes transgénicas e a indústria biotécnica».
No seu relatório, a FAO reconhece que a indústria biotecnológica está altamente concentrada em poucas empresas gigantes cujo único objectivo é o lucro, pelo que deveriam ser investigadas. No entanto, como tal não é possível, para que as transnacionais possam manipular geneticamente as culturas camponesas do Sul, a FAO defende que os países devem dar-lhes garantias de que «não roubarão as suas investigações», alargando os sistemas de patentes e aplicando a tecnologia Terminator, que produz sementes suicidas (estéreis na segunda geração).
Ou seja, como afirma a investigadora Silvia Ribeira, «primeiro biopirateiam as nossas culturas através dos sistemas de patentes, e depois dizem que se não respeitarmos as suas patentes os estamos a roubar».

A fome é fruto da injustiça

Fazendo notar que a FAO ignora que já se produzem mais de dois quilos de alimentos por pessoa e por dia e que, apesar disso, metade do planeta sofre de fome, subnutrição ou insuficiência alimentar, a carta sublinha que a fome não tem nada a ver com a tecnologia mas sim com a injustiça social, a falta de acesso e de controlo da distribuição que estão nas mãos das transnacionais.
«Apesar da contaminação genética estar a chegar ao próprio coração dos centros mundiais de diversidade de culturas, a FAO ignora esta tragédia», afirma a carta, sublinhando que «para as comunidades e povos que criaram a agricultura se trata de uma agressão contra a sua vida, contra os cultivos que criaram e alimentaram e contra a sua soberania alimentar».
Os signatários lamentam ainda que a direcção geral da FAO tenha ignorado o compromisso escrito - 16 de janeiro de 2003 - de discutir os assuntos da política alimentar com as próprias organizações não governamentais e movimentos sociais antes de publicar o polémico relatório.


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