Tratado constitucional

Soberania golpeada

À margem de qualquer consulta democrática e indiferentes aos resultados das eleições de dia 13, que infligiram pesadas derrotas aos partidos governantes, os 25 aprovaram na passada sexta-feira, um projecto constitucional que acelera a federalização da União Europeia.

O tratado visa a criação de um directório de grandes países

Seis meses após um tentativa falhada, os 25 voltaram a reunir-se na capital da Bélgica desta vez para arrancar um acordo, a qualquer preço, sobre um projecto de tratado constitucional que reafirma e tenta eternizar a lógica liberal da União Europeia, temperada com o objectivo da construção de «uma economia social de mercado».
O texto, que estabelece os princípios fundamentais e as novas regras de funcionamento da União alargada, mantém o essencial do projecto federalista saído da convenção de Giscard d’Estaing, apesar das concessões feitas ao Reino Unido e à Espanha, visando torná-lo minimamente defensável perante as respectivas opiniões públicas.
No final, sucederam-se as declarações de regozijo e satisfação, com as fórmulas encontradas. A Espanha, que em Dezembro passado vetou com a Polónia o tratado, recusando perder peso no processo de tomada de decisões, considera agora que «os seus interesses estão perfeitamente salvaguardados». Segundo José Luis Zapatero, o país ganhou «capacidade de influência», tendo negociado o aumento de «quatro a cinco eurodeputados».
Por seu turno, Tony Blair, primeiro-ministro britânico, assegurou, no sábado, numa entrevista à BBC, que o tratado acordado representa «uma Constituição para os Estados-nação e não uma Constituição para um super-Estado europeu».
Para Jacques Chirac, «esta Constituição é boa para a Europa e é boa para a França», considerando que «ela permitirá à França pesar mais na Europa e por isso permitirá aos franceses fazerem ouvir com mais força a sua voz». Todavia, o presidente francês ficou calado sobre a possibilidade de referendar o tratado. Uma semana após uma derrota nas urnas, Chirac apenas adiantou que tomará uma decisão «em tempo útil».

Fim da rotatividade

A criação do cargo de presidente da União Europeia irá pôr fim às presidências semestrais que hoje são exercidas rotativamente por todos os países, independentemente da sua dimensão. O presidente do Conselho Europeu passaria a ser eleito por maioria qualificada por um mandato de dois anos e meio, renovável uma vez., tendo como missão dirigir os trabalhos e «facilitar» «a coesão e o consenso», bem como a representação internacional da União Europeia.
Se este tratado vier algum dia a ser ratificado, o cargo de presidente da Comissão Europeia perderá importância para o novo presidente do Conselho, cuja escolha dependerá sobretudo da vontade dos grandes países.
É igualmente criado um cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros que resultará da fusão das funções do alto representante para a PESC (política exterior e de segurança comum) e do comissário para as relações exteriores. O novo ministro, nomeado por cinco anos, presidiria ao conselho de ministros dos Negócios Estrangeiros, tendo ainda assento na Comissão Europeia, da qual seria um dos vices-presidentes.
A partir de 2014, o colégio de comissários passará a ficar limitado a dois terços do número de Estados, ou seja, numa UE a 27 (depois da adesão prevista da Bulgária e da Roménia), a Comissão será constituída por 18 membros.

A dupla maioria

No Conselho, as decisões passariam a ser tomadas por maioria qualificada, mantendo-se a regra da unanimidade, por exigência expressa do Reino Unido, nos domínios da fiscalidade, política social, cooperação judiciária em matéria penal, bem como na política externa e de defesa.
Qualquer outra decisão poderia ser adoptada caso 55 por cento dos Estados, representando 65 por cento da população, votassem a favor (o projecto inicial propunha uma dupla maioria de 50 por cento dos estados membros, com um peso juntos de 60 por cento da população). A maioria deverá no entanto ser formada por um mínimo de 15 países e um eventual minoria de bloqueio deverá incluir pelo menos quatro estados.
O Parlamento Europeu fica limitado a 750 deputados, sendo atribuído um mínimo de seis e um máximo de 96 a cada país, e vê as suas competências reforçadas, passando a co-decidir com o Conselho a maioria das leis comunitárias, cabendo-lhe designadamente a aprovação do orçamento.
Os parlamentos nacionais serão informados pela Comissão de todas as propostas de lei, podendo intervir nas situações em que interfiram com as competências, cada vez mais reduzidas, dos Estados.
Por fim, o direito de iniciativa popular, passível de conduzir a uma proposta legislativa, é condicionado a uma petição, subscrita por pelo menos um milhão de cidadãos de um número significativo de estados-membros.
A entrada em vigor deste tratado está prevista para 2009, devendo ser ratificado no prazo de dois anos por todos os Estados-membros a partir do momento da sua assinatura, o que deverá acontecer em Outubro ou Novembro, durante a presidência holandesa. Reino Unido, Irlanda, Dinamarca, Bélgica, Luxemburgo, Holanda, Polónia e República Checa já anunciaram referendos sobre a matéria.


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