Os estádios do nosso descontentamento
De olhos presos no ecrã da televisão ou no relvado de um campo de futebol por mais que nos excite e dê gozo ver uma finta estonteante, um golo extraordinário, uma defesa impossível, um desarme inacreditável que inevitavelmente vão acontecer, dificilmente escapamos aos bandos de grunhos de cachecol, bandeira, boné, pinturas faciais e caneca de cerveja que, vociferando alarvidades patrioteiras, invadem as cidades do futebol. Do resto, da naúsea de ouvir os «filósofos» da bola em intermináveis circunlóquios explicando ao comum dos mortais as evidências do que está a ser visto, mais os repórteres no terreno que fazem perguntas de banzar para desvendar cousas inacreditáveis para gaúdio de plateias idiotizadas, temos sempre a defesa de desligar higienicamente o som. O mesmo não podemos fazer com um tal Arnaut que nos assalta em casa enviando-nos uma carta que nos convoca para um Portugal que está pronto e conta consigo! Na verdade conta porque, sem nos dar cavaco, é ao nosso bolso que vai buscar o «cacau» que gasta a enviar cartas patetas e a colocar nas fronteiras uma frase completamente idiota: Portugal Estádio da Europa. Será este o desígnio nacional que a maioria de direita nos reserva?
As ditas cidades do futebol são estádios na grande maioria dos casos desinseridos da malha urbana. A excepção será o do Porto/F. C.Porto e Boavista, no futuro o do Braga quando (quando será agora que a autarquia ficou de tanga com os custos do estádio?) se integrar num futuro Parque Urbano, e dê-se o benefício da dúvida ao de Coimbra e de Guimarães, modernizações de equipamentos existentes. Os outros são autênticas excrescências nas cidades, como os de Lisboa/Benfica e Sporting no meio de uma inominável tralha urbanística ou os de Leiria, Aveiro e Faro que no deserto onde se implantam, mais mal que bem e o de Leiria é um desastre, ficam à espera de se irmanarem com grandes superfícies comerciais ou coisas similares.
A outra questão é para quê tanto estádio? Constroem-se 10 estádios de futebol, quando só se exigiam seis! Podia ser pior porque, como com extrema ligeireza explicou um dos membros integrou a equipa que elaborou a proposta que candidatou e trouxe o Euro 2004 para Portugal, na euforia que seguiu à atribuição do campeonato, todas as cidades queriam ter um estádio.
Depois, depois o problema é sempre o mesmo: a estimativa de custo inicial diverge brutalmente do custo final. Quadro de derrapagem absoluta dos custos que se repete do Centro Cultural de Belém para a Casa da Música continua nos Metros de Lisboa e Porto e se advinha para o Túnel das Amoreiras, mesmo se a obra não tivesse sido interrompida. O do Algarve custou mais 25,5 milhões de euros (+ 85,5% do que o custo previsto), o de Braga mais 60 milhões de euros (+ 200%), o de Coimbra mais 42 milhões (+ 300%), o de Aveiro mais 33,6 milhões de euros (+ 109%), o de Guimarães mais 22 milhões (+137%), o de Leiria mais 43,6 milhões (+ 145%). Os custos a mais só destes estádios somam 226,7 milhões de euros. Os outros são outras contas de outros rosários.
Um balúrdio a somar ao que já estava previsto (preço bem alto e para alimentar a nossa auto-estima como diz no seu estilo redondo o engenheiro Sócrates embevecido consigo próprio) e que dificilmente será rentabilizado, considerando a média espectadores/jogo que existe em Portugal e quando o intervalo do custo por lugar que varia entre € 1 098/Guimarães e € 2 571/ Braga. Isto sem considerar os custos de manutenção que arrancam assim que os estádios ficam prontos.
Porquê esbanjar dinheiro desta maneira? Porque quem exige constantes sacrifícios ao povo se subordina ao populismo tacanho e se acobarda perante a empáfia saloia de dirigentes desportivos e/ou autárquicos e ao seu suposto poder mobilizador, deixando primeiro que se construam mais estádios dos que exigíveis para atender a lobbies e depois que os preços se descontrolem. Quem acaba por pagar directa ou indirectamente são os do costume.
E que arquitectura é esta, mesmo quando alcança patamares de excepcionalidade como é o caso do estádio do F.C.Porto e ainda mais o de Braga que se constrói com monumentalidade marcando a paisagem, que não sabe calcular o custo do risco?
Dos escombros do Euro 2004 o que vai restar são ecos desse histerismo patrioteiro promovido pelos mandantes. Não está mal para um país com uma alta taxa de ileteracia mas com três jornais desportivos diários que absorvem as alarvidades de uns bimbos armados em dirigentes desportivos, opinadores bacocos e de uns quantos governantes palafreneiros e populistas. Um caso único na Europa.