Teletrabalho, media

Caminhos diferentes para a sociedade de informação?

Francisco Silva
Que actividade a parecer mais óbvia que o teletrabalho para se constituir como uma das áreas estruturantes da sociedade da informação? Ainda: que assunto mais pleno de complexidades e potenciais impactos nas áreas de cruzamento da entidade território com o sistema – «galáxia» – de comunicação que prevalece na nossa época? Perguntam-no, afirmam-no, tantos que se debruçaram com perspectivas positivas sobre a questão, em particular profissionais das telecomunicações, da sociologia e da economia. A crise petrolífera dos anos 70, a soar um alarme quanto aos consumos energéticos junto do público em geral, terá sido o mais conhecido dos detonadores de uma problemática que da poupança de consumo de energia se foi alargando em círculos a outros temas, até à «nossa» sociedade da informação.
Contudo, nas nossas mediáticas sociedades – que se têm visto sobretudo como televisivas, audiovisuais – não foi tarefa fácil levar a aceitar essa proclamada importância do teletrabalho, aliás um tema de visibilidade não muito elevada. Não nos encontrávamos nós já a viver na aldeia global proclamada um pouco antes por McLuhan? Justamente. Mas media significa entrega – distribuição – de informação [noticiosa] e de conteúdos para entretenimento do lazer, mais ou menos divertidos, mais ou menos de índole «cultural» (entrega dos produtos como um género de medicação às pastilhas?).
No entanto, o termo sociedade da informação não teria feito – «verdadeiramente» – o seu caminho sem uma ampla companhia das tecnologias da informação e dos computadores [pessoais] e, portanto, não caminhou sem a expansão das «novas tecnologias» – como, em certa fase, foi feito cair no nosso goto chamar-lhes. Nesta conformidade, são as aplicações empregues pelas actividades de teletrabalho, requerendo processamento da informação - de uma inusitada «matéria-prima» de bits feita -, que parecem corresponder de forma –mais adequada (paradigmática?) ao conceito não só de sociedade da informação, mas ainda ao seu complemento(?) actual, a sociedade do conhecimento.
E já lá vai quase para década e meia a idade da definição de teletrabalho dada pelo organismo do Estado francês responsável pelo Ordenamento do Território. Data do ano de 1991, quando a DATAR referia o teletrabalho como sendo «toda a actividade terciária por meio da qual o tratamento da informação é efectuado num lugar afastado do utilizador, em instalações estruturadas de modo industrial incluindo a utilização de meios de comunicação electrónicos»1. O utilizador desta definição era a entidade que encomenda o trabalho, o seu patrão. Além disso, e sem ir ao pormenor, é curioso notar a «paradoxal» coabitação de instalação tipo industrial com o desempenho de uma actividade terciária; mas o facto é que, hoje em dia, uma instalação destas pode consistir num transportável computador pessoal mais o seu acesso ao email, à Internet e, talvez, à comunicação de voz. Uma instalação «estruturada de modo industrial», móvel, utilizável no domicílio ou em qualquer outro sítio onde se encontre, na altura, o trabalhador em funções.
Como se vê, uma actividade, o teletrabalho, sobretudo quando desempenhado em massa – sim, mas quando o será? – , com um potencial de demanda de alterações profundas na organização dos espaços, tantos nos edifícios das empresas, como nos domicílios – teletrabalho, claro, não é sinónimo de trabalho no domicílio, se bem que uma parte importante das suas aplicações sejam orientadas para tarefas nos domicílios dos teletrabalhadores – , assim como nos hotéis e transportes colectivos, enfim, uma actividade, a do teletrabalho, em geral a demandar uma organização específica dos espaços nos sítios que forem mais convenientes, em cada momento, para o desempenho das tarefas necessárias.
Além disso, e essa foi logo a primeira questão territorial relacionada com a adopção do teletrabalho, desde os anos 80, este foi visto como uma forma de evitar os transportes diários, em massa, entre os locais de residência e de trabalho. Poupava-se o ambiente e diminuía-se um impacto sobre os consumos de energias, «stressavam-se» menos os trabalhadores. Era a visão algo idílica, cuja crítica é bem conhecida.
No outro extremo, o da aldeia global dos media, o impacto territorial era conservador do «ambiente» e da organização dos espaços: ficavam no lar as pessoas, em frente à caixa que mudou o Mundo!

Carta DATAR (Délégation à l’Aménagement du Territoire), Dezembro de 1991, n.º 135.


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