O povo português (com suas dores e misérias) na obra de Joaquim Lagoeiro

Urbano Tavares Rodrigues
Viúvas de vivos, romance sobre o qual escrevi uma crítica entusiástica, quando da primeira publicação, em 1967, é o grande livro de ficção realista que nos surgiu na década de 60 sobre a emigração económica e muito em especial sobre as mulheres camponesas que no deserto da ausência secaram com os maridos a penarem duramente nas cidades e campos da Europa rica do Euromercado.
A virtude maior de Joaquim Lagoeiro é a pureza castiça da sua linguagem, de sintaxe impecável, léxico vasto e perfeito semantismo, valorizado ainda pela naturalidade oral, justeza e vivacidade de diálogos, nos quais se exalta, sofre, barafusta e outras vezes estoira de alegria o povo miúdo que nas suas histórias connosco comunica tão fortemente.
Escritor exigente consigo mesmo (e com os outros), Lagoeiro não só sabe ferir as notas da comoção nos momentos oportunos como nos convida a rir causticamente das falsas grandezas e das mazelas do mundo egoísta em que reina o grande capital, com a sua corte de serventuários e aduladores, sobre a pobre gente, quantas vezes alienada, que suporta, com o seu trabalho, ou a sua desgraça, todo o peso dos erros e preconceitos de uma sociedade mal conformada – de empresários incapazes, de vadios elegantes, de espertalhaços à coca do dinheiro alheio.
Joaquim Lagoeiro matiza de humor a acusação, apontando as chagas mais purulentas. São assim as personagens e as intrigas dos seus romances, com Mar Vivo, por exemplo, que mereceu o elogio de Maria Alzira Seixo, ou os contos morais e também cómicos, por vezes amargamente cómicos, de Manual de casos de má consciência, que não poupam nem o clero hipócrita, sem que a acusação seja extensiva obviamente a toda a Igreja, nas as autoridades provincianas ou os ladinos fazedores de opinião no universo rural.
Romancista do Portugal profundo, em vias de desaparecer, com o fluxo das populações para os centros urbanos industriais ou de serviços, Lagoeiro é desses raros escritores que ainda sabem falar do diabo, das superstições enraizadas na aldeia, dos ímpetos da sensualidade brejeira, dos barracos onde o instinto de sobrevivência dá algum ânimo a criaturas privadas de quase tudo.
Estão esquecidos, suponho, muitos dos seus livros carregados desse mimetismo e dessa carga satírica que já havia em tantas novelas de Camilo e nalguns contos de Abel Botelho. Lembro As fraldas, As castigadas, Corda Bamba, Mosca na vidraça, Santos Pecadores, Madre Antiga, Almas danadas, O caco, Cafarnaum, Caiu um santo no altar, Congosta.
Era preciso que uma editora redescobrisse e se empenhasse em dar a ler aos jovens de hoje esse repertório de anedotas trágicas ou burlescas que são vida e sangue de Portugal.
Joaquim Lagoeiro passou já dos oitenta anos, é de há muito um denodado militante do PCP, cumpridor, devotado, às vezes refilão, o que também não lhe fica mal, e de bom conselho em muitas ocasiões. Regozijo-me com a homenagem que o nosso Partido lhe vai prestar discutindo a sua obra em reunião aberta.

Nota:
A vida e a obra do escritor Joaquim Lagoeiro estiveram em debate no Centro de Trabalho Vitória, em Lisboa, no passado dia 6 de Maio. Contando com as intervenções de Domingos Lobo, Glória Marreiros, Modesto Navarro e José Casanova, a iniciativa abordou várias perspectivas do percurso e da escrita de Joaquim Lagoeiro, autor de uma muito vasta obra literária. O escritor Urbano Tavares Rodrigues enviou uma mensagem, que foi lida no decorrer do debate, que teve também momentos de poesia de Joaquim Lagoeiro, declamada pelos Jograis «U… Tópicos». É essa mensagem que publicamos.


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