À volta da Europa
Em princípio, a chamada «cimeira da primavera», do fim de Março, deveria ser dedicada ao balanço da dita «estratégia de Lisboa» e ao lançamento de uma nova etapa desta estratégia, a partir desse balanço.
Mas não irá ser isso. Ou, para escrever em tempos de publicação e leitura, e não em tempos de escrita (hoje, 24 de Março), não terá sido isso.
Aliás, na actualidade que vivemos, e particularmente neste momento «europeu», ao escrever-se um texto, ou ao gravar-se um programa de rádio ou televisão, para publicação ou emissão mais tarde, é certo e sabido o risco de que o que hoje se escreve ou diz seria outra coisa a dever ser lida ou ouvida/vista amanhã. É risco assumido.
Ora, o Conselho Europeu deveria confrontar-se com o balanço da grande operação demagógica, manipuladora, que, a partir de um outro CE realizado em Lisboa em 2000, decidira que o desemprego já não era problema e que problema passaria a ser o emprego, definindo-se o objectivo de aumentar as taxas de emprego (e não de diminuir as de desemprego), até ao limite do pleno emprego, melhorar a qualificação da força de trabalho1, promover o desenvolvimento sustentado através de uma economia baseada no conhecimento. Seriam os «tempos modernos», diferentes dos que já Charlot nos desvendou. No entanto, para os que de Charlot se lembram, difícil é que, no capitalismo, outros venham iludi-los e, depois, provocar-lhes desilusão.
Acontece que a estratégia de Lisboa, enquanto operação demagógica (e há acusações mútuas de demagogia – entre PSD e PS – que são curiosas), não estará esgotada e, a meio do percurso, um esforço se iria fazer para, em situação de economia em baixa (embora não faltem anúncios de retoma) e de desemprego grave e crescente, se voltar a falar de desenvolvimento sustentado, economia baseada no conhecimento, procurando-se que não se lembrem os falhanços no que respeita aos objectivos emprego e as regressadas preocupações quando ao desemprego. Que o diga Portugal, este Estado-membro da União Europeia, de que Lisboa é capital e madrinha de estratégia, porque então se vangloriava de estar na vanguarda da solução desse problema!
Entretanto, há dias aconteceu Madrid. Em 11 de Março. Entretanto, na sequência desse horror, o povo espanhol sentiu com particular dor e indignação quanto o tinham enganado e estavam enganando, e votou um rotundo não a quem lhes mentira e mentia. Sobretudo os que eventualmente não estariam com intenções de ir votar, alvo e vítimas da «democrática» despolitização.
Esse facto veio transformar a agenda da tal cimeira da primavera. A que estava preparada e a que foi/teria sido concretizada. A «estratégia de Lisboa» ficou na sombra, o balanço, de incómodo passou a adiado, o (re)lançamento de difícil passou a secundário. A temas prioritários foram promovidos o securitismo e o militarismo, a pretexto do terrorismo, e um salto em frente na constitucionalização federal.
Sete fôlegos
Os sete fôlegos do capitalismo (serão oito?), usando quem o pode servir, têm a ver com a ausência de valores, de princípios, de escrúpulos.
Um exemplo: embalado pela vitória, Zapatero veio dizer que retiraria, de imediato, os militares espanhóis do Iraque, já corrigiu acrescentando «se a ONU…», e re-corrigiu condicionando a retirada a uma força de interposição árabe. Entretanto, compõe um governo de cariz neo-liberal que ultrapassa o imaginável pelo crítico mais pessimista da social-democracia.
E, pior – na nossa perspectiva –, o novo executivo de Espanha criou as condições para o avanço, na dita «cimeira da primavera», da deriva constitucional/federal. O voto dos eleitores foi claro, insofismável, contra o engano, a mistificação, mas foi, imediatamente, objecto de recuperação, e os votantes enganados. Com o apoio, beneplácito, benção, pressão, das UNICE e ERT, isto é, das centrais de onde o capitalismo transnacional emana as «sugestões» que a Comissão e outras instâncias da União Europeia seguem. Enquanto, e como, nós os formos deixando…
Aqui está um verdadeiro busílis. As instituições «europeias» reflectem a relação de forças. De classe. E, nelas, a única onde podemos ter uma voz e uma intervenção directas é no Parlamento Europeu.
No Conselho, temos, indirectamente, a força que podemos ter na Assembleia da República, e no governo que resulta da sua composição; na Comissão, em trânsito para federalização, e no Banco Central Europeu, já instituição federal, dificilmente chegam as vozes e as intervenções que não sejam as do poder económico-financeiro
Por isso, a enormíssima importância das próximas eleições. Mas não só por isso…
Cada vez mais, o que se decide nas instâncias comunitárias tem a ver com os nossos quotidianos – a saúde, a educação, o ambiente, a água, as taxas de juro. E não podemos deixar que as decisões se vão afastando de nós, com o nosso consentimento. Porque não acreditamos na força que temos, porque achamos que são instâncias que estão longe de nós, porque desvalorizamos a frente de luta, que ali se pode multiplicar por fazermos parte de um grupo.
Perder batalhas custa muito – custa caro! –, mas muito mais custa se as perdemos por não termos avaliado a importância da batalha e não termos lutado. A 13 de Junho, nas eleições para o Parlamento Europeu, não podemos deixar o espaço aberto para que outros o preencham para melhor nos combaterem.
Para podermos mobilizar, temos de nos mobilizar.
_________
1 - não foi assim que «eles» – os do «mercado do trabalho» – lhe chamaram, mas é essa a terminologia que convém não esquecer.
Mas não irá ser isso. Ou, para escrever em tempos de publicação e leitura, e não em tempos de escrita (hoje, 24 de Março), não terá sido isso.
Aliás, na actualidade que vivemos, e particularmente neste momento «europeu», ao escrever-se um texto, ou ao gravar-se um programa de rádio ou televisão, para publicação ou emissão mais tarde, é certo e sabido o risco de que o que hoje se escreve ou diz seria outra coisa a dever ser lida ou ouvida/vista amanhã. É risco assumido.
Ora, o Conselho Europeu deveria confrontar-se com o balanço da grande operação demagógica, manipuladora, que, a partir de um outro CE realizado em Lisboa em 2000, decidira que o desemprego já não era problema e que problema passaria a ser o emprego, definindo-se o objectivo de aumentar as taxas de emprego (e não de diminuir as de desemprego), até ao limite do pleno emprego, melhorar a qualificação da força de trabalho1, promover o desenvolvimento sustentado através de uma economia baseada no conhecimento. Seriam os «tempos modernos», diferentes dos que já Charlot nos desvendou. No entanto, para os que de Charlot se lembram, difícil é que, no capitalismo, outros venham iludi-los e, depois, provocar-lhes desilusão.
Acontece que a estratégia de Lisboa, enquanto operação demagógica (e há acusações mútuas de demagogia – entre PSD e PS – que são curiosas), não estará esgotada e, a meio do percurso, um esforço se iria fazer para, em situação de economia em baixa (embora não faltem anúncios de retoma) e de desemprego grave e crescente, se voltar a falar de desenvolvimento sustentado, economia baseada no conhecimento, procurando-se que não se lembrem os falhanços no que respeita aos objectivos emprego e as regressadas preocupações quando ao desemprego. Que o diga Portugal, este Estado-membro da União Europeia, de que Lisboa é capital e madrinha de estratégia, porque então se vangloriava de estar na vanguarda da solução desse problema!
Entretanto, há dias aconteceu Madrid. Em 11 de Março. Entretanto, na sequência desse horror, o povo espanhol sentiu com particular dor e indignação quanto o tinham enganado e estavam enganando, e votou um rotundo não a quem lhes mentira e mentia. Sobretudo os que eventualmente não estariam com intenções de ir votar, alvo e vítimas da «democrática» despolitização.
Esse facto veio transformar a agenda da tal cimeira da primavera. A que estava preparada e a que foi/teria sido concretizada. A «estratégia de Lisboa» ficou na sombra, o balanço, de incómodo passou a adiado, o (re)lançamento de difícil passou a secundário. A temas prioritários foram promovidos o securitismo e o militarismo, a pretexto do terrorismo, e um salto em frente na constitucionalização federal.
Sete fôlegos
Os sete fôlegos do capitalismo (serão oito?), usando quem o pode servir, têm a ver com a ausência de valores, de princípios, de escrúpulos.
Um exemplo: embalado pela vitória, Zapatero veio dizer que retiraria, de imediato, os militares espanhóis do Iraque, já corrigiu acrescentando «se a ONU…», e re-corrigiu condicionando a retirada a uma força de interposição árabe. Entretanto, compõe um governo de cariz neo-liberal que ultrapassa o imaginável pelo crítico mais pessimista da social-democracia.
E, pior – na nossa perspectiva –, o novo executivo de Espanha criou as condições para o avanço, na dita «cimeira da primavera», da deriva constitucional/federal. O voto dos eleitores foi claro, insofismável, contra o engano, a mistificação, mas foi, imediatamente, objecto de recuperação, e os votantes enganados. Com o apoio, beneplácito, benção, pressão, das UNICE e ERT, isto é, das centrais de onde o capitalismo transnacional emana as «sugestões» que a Comissão e outras instâncias da União Europeia seguem. Enquanto, e como, nós os formos deixando…
Aqui está um verdadeiro busílis. As instituições «europeias» reflectem a relação de forças. De classe. E, nelas, a única onde podemos ter uma voz e uma intervenção directas é no Parlamento Europeu.
No Conselho, temos, indirectamente, a força que podemos ter na Assembleia da República, e no governo que resulta da sua composição; na Comissão, em trânsito para federalização, e no Banco Central Europeu, já instituição federal, dificilmente chegam as vozes e as intervenções que não sejam as do poder económico-financeiro
Por isso, a enormíssima importância das próximas eleições. Mas não só por isso…
Cada vez mais, o que se decide nas instâncias comunitárias tem a ver com os nossos quotidianos – a saúde, a educação, o ambiente, a água, as taxas de juro. E não podemos deixar que as decisões se vão afastando de nós, com o nosso consentimento. Porque não acreditamos na força que temos, porque achamos que são instâncias que estão longe de nós, porque desvalorizamos a frente de luta, que ali se pode multiplicar por fazermos parte de um grupo.
Perder batalhas custa muito – custa caro! –, mas muito mais custa se as perdemos por não termos avaliado a importância da batalha e não termos lutado. A 13 de Junho, nas eleições para o Parlamento Europeu, não podemos deixar o espaço aberto para que outros o preencham para melhor nos combaterem.
Para podermos mobilizar, temos de nos mobilizar.
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1 - não foi assim que «eles» – os do «mercado do trabalho» – lhe chamaram, mas é essa a terminologia que convém não esquecer.