Pobreza não é categoria social
Mesmo os mais objectivos de entre nós incorrem, frequentemente, no erro de imaginar que pobreza representa um ponto de referência estratificado, um paradigma. É uma valoração que tem a ver, inconscientemente, com um património cultural de base pré-científica e doutrinária. Aceita-se, nesses termos, que toda as lutas sociais devem tender a permitir aos homens pobres deixar o grupo de origem e conquistar um lugar entre os homens ricos. Como se riqueza e pobreza tivessem contextos parados no tempo ou significassem categorias abstractas. Quando, na realidade, pobreza ou riqueza representam simples patamares económicos e sociais, em mudança ou em estagnação, de acordo com as leis políticas ou com as formas de organização do Estado. Mesmo para um leigo interessado na solução dos problemas sociais, torna-se evidente que as dimensões da pobreza, a sua distribuição e os métodos escolhidos para a sua redução ou extinção, são questões que se prendem directamente com o modo como a riqueza colectivamente produzida é aproveitada e distribuída. O que torna evidente que os desequilíbrios sociais entre pobres e ricos são de natureza essencialmente política. O Estado classista representa o poder das classes dominantes ricas e dos seus métodos de apropriação. A pobreza é a expressão quantitativa dessa cultura do saque.
Ficou dito, linhas atrás, existirem valorações que escapam à análise crítica e possuem raízes pré-científicas e doutrinais. É, por exemplo, o caso de certos conceitos importados da antropologia social, de leitura cristã mas baseada na observação captada no campo das ciências naturais. A este respeito referia o investigador católico Gerhard Heberer (Antropologia, Fisher n.º 6, Editora Meridiano): «As relações entre a natureza biológica do homem e os factos sociais constituem o objecto da antropologia social. Para os mais antigos cultores desta disciplina, a antropologia social deve investigar o que é constante na aparência variável dos fenómenos sociais (cidade e campo, grupos sedentários e nómadas, criminosos e não-criminosos, etc.)... a partir de processos de escolha e selecção. As investigações mais recentes fizeram incidir o interesse sobre os mecanismos através dos quais a escolha e a selecção se realizam... Deste modo, veio a impor-se a expressão biologia demográfica, assim como biologia dos povos, etnobiologia, sociobiologia, biologia da sociedade, etc.).»
Esta interligação de conceitos dispersos, importados de variadas disciplinas do conhecimento e desconstruídos ao sabor de cada intenção, tem-se revelado de grande interesse metodológico, pois vamos encontrá-la bem presente nas fases de passagem às teses superiores da modernidade, pós-modernidade ou globalização ou instalada noutras áreas diferenciadas da actividade humana, como é o caso da política, da informática, dos sistemas económicos ou da sociologia (entre outros autores consultar, Michael Novak em «A Ética Católica e o Espírito do Capitalismo», ACEGE/UCP, edições Principia). Os conceitos tradicionais ganham novos conteúdos que pouco ou nada têm a ver com o seu significado inicial. Refere Novak a certa altura do seu texto (pag. 237), ao tratar o tema guerra contra a pobreza numa perspectiva capitalista: «É preciso deixar entrar os pobres!» Com o capitalismo, os problemas da pobreza não desaparecerão, nem a nível internacional, nem a nível nacional. Mas a pobreza existirá certamente numa escala menor do que nas sociedades socialistas ou do Terceiro Mundo.» Neste pensamento fica bem clara a noção de que o capitalismo, como sistema, não pretende caminhar para a extinção da pobreza. Apenas a domestica. Além disso, a completa amoralidade dos mentores da globalização também se retrata nesta declaração de Novak. Ele sabe, como é evidente, que o espírito do capitalismo se resume na cupidez do lucro e no saque. Nada disso, porém, inibe o tecnocrata de tentar colocar ao serviço dos ricos palavras e noções totalmente alheias à matéria que afirma querer tratar: «A combinação da democracia com o capitalismo não trará o Céu à Terra. Mas contribuirá, mais que qualquer outra alternativa, para libertar os pobres da pobreza e da tirania e para soltar a sua criatividade!»
Ficou dito, linhas atrás, existirem valorações que escapam à análise crítica e possuem raízes pré-científicas e doutrinais. É, por exemplo, o caso de certos conceitos importados da antropologia social, de leitura cristã mas baseada na observação captada no campo das ciências naturais. A este respeito referia o investigador católico Gerhard Heberer (Antropologia, Fisher n.º 6, Editora Meridiano): «As relações entre a natureza biológica do homem e os factos sociais constituem o objecto da antropologia social. Para os mais antigos cultores desta disciplina, a antropologia social deve investigar o que é constante na aparência variável dos fenómenos sociais (cidade e campo, grupos sedentários e nómadas, criminosos e não-criminosos, etc.)... a partir de processos de escolha e selecção. As investigações mais recentes fizeram incidir o interesse sobre os mecanismos através dos quais a escolha e a selecção se realizam... Deste modo, veio a impor-se a expressão biologia demográfica, assim como biologia dos povos, etnobiologia, sociobiologia, biologia da sociedade, etc.).»
Esta interligação de conceitos dispersos, importados de variadas disciplinas do conhecimento e desconstruídos ao sabor de cada intenção, tem-se revelado de grande interesse metodológico, pois vamos encontrá-la bem presente nas fases de passagem às teses superiores da modernidade, pós-modernidade ou globalização ou instalada noutras áreas diferenciadas da actividade humana, como é o caso da política, da informática, dos sistemas económicos ou da sociologia (entre outros autores consultar, Michael Novak em «A Ética Católica e o Espírito do Capitalismo», ACEGE/UCP, edições Principia). Os conceitos tradicionais ganham novos conteúdos que pouco ou nada têm a ver com o seu significado inicial. Refere Novak a certa altura do seu texto (pag. 237), ao tratar o tema guerra contra a pobreza numa perspectiva capitalista: «É preciso deixar entrar os pobres!» Com o capitalismo, os problemas da pobreza não desaparecerão, nem a nível internacional, nem a nível nacional. Mas a pobreza existirá certamente numa escala menor do que nas sociedades socialistas ou do Terceiro Mundo.» Neste pensamento fica bem clara a noção de que o capitalismo, como sistema, não pretende caminhar para a extinção da pobreza. Apenas a domestica. Além disso, a completa amoralidade dos mentores da globalização também se retrata nesta declaração de Novak. Ele sabe, como é evidente, que o espírito do capitalismo se resume na cupidez do lucro e no saque. Nada disso, porém, inibe o tecnocrata de tentar colocar ao serviço dos ricos palavras e noções totalmente alheias à matéria que afirma querer tratar: «A combinação da democracia com o capitalismo não trará o Céu à Terra. Mas contribuirá, mais que qualquer outra alternativa, para libertar os pobres da pobreza e da tirania e para soltar a sua criatividade!»