A questão da «Igreja dos pobres»
O caso do Atlântico está longe de representar um acidente isolado nos percursos da igreja portuguesa. Porque são numerosos os grandes negócios onde se regista a presença do capital canónico. Se olharmos com atenção, havemos de notar que as mesmas firmas de referência confessional (por exemplo, o grupo do BCP, agora chamado Millenium) surgem nas mais diversas operações financeiras que vão da comunicação social ao rearmamento das Forças Armadas, das privatizações à formação de lobbies no ensino e na saúde ou dos ensaios com o voluntariado remunerado ao nascimento de forças tentaculares no seio da chamada sociedade civil. Fazer esta leitura é exercício de execução transcendente. Porque, se os grandes grupos económicos aparentam uma certa estabilidade, os elementos que os integram estão em mudança permanente. Uma sigla cruza-se com outra sigla, esta com uma terceira e, por aí fora, até ao infinito. Quando uma aparece, a antiga desaparece. Mas tudo fica na mesma. Esta estratégia - que o Opus Dei ensinou - impõe percorrer caminhos, não parar nem ficar por muito tempo, conservar o movimento perpétuo. Simultaneamente, lançar âncoras, deixar marcas profundas por onde quer que a igreja/empresa passe. Quanto ao resto, nos negócios como nos negócios... Aí tudo é igual. Capital com interesse dá lucro. Lucro que se obtém pela acumulação da riqueza e pela destruição da concorrência. Não há grupos financeiros cristãos, islâmicos, judeus ou laicos. Só importa acumular dinheiro e transformá-lo em poder. É a esta luz que devemos considerar um dos aspectos centrais da actual instituição católica. O reverso da medalha (de que procura não abdicar) é o da igreja dos pobres, ou da paz, ou da caridade, ou da reconciliação de classes, aquilo que lhe queiram chamar e se arquiva nas esquecidas prateleiras da doutrina social da igreja.
Nos tempos recentes, tornou-se evidente a aceleração do processo que a igreja atravessa, de reforço do centralismo eclesiástico e empresarial. A crescente massa financeira que os grandes negócios exigem implica esse estreitamento dos campos de direcção e o reforço da autoridade dos seus responsáveis. É esmagador aquilo que está em causa. No caso português, por exemplo, citámos o meganegócio do Banco Atlântico (um de entre vários outros), a exigir executivos com poderes imediatos de decisão e organismos bem estruturados, flexíveis e competentes. Simultaneamente, todo este arejado aparelho deverá respeitar e acatar cegamente as linhas de acção impostas pela cadeia hierárquica convencional. Visto serem ciclópicas as tarefas que se avizinham: à igreja exige-se que intervenha nos grandes problemas sociais, tornando possível conjugar uma política de interesses próprios com a proclamada opção preferencial pelos pobres que os padres conciliares instituíram; fazer a demonstração, em termos práticos, de que a luta de classes é fenómeno contornável numa sociedade classista; e, paulatinamente, convencer que a Igreja social e caritativa pode, com vantagem, substituir-se ao papel do Estado, laico e socialista. Preocupa os cardeais o facto dos ventos não correrem de feição.
A vitória da direita não produziu o que para a hierarquia religiosa era de esperar. A economia afunda-se, os escândalos sucedem-se, a pobreza e a miséria alastram, o escândalo bate às portas do poder, sem poupar a própria igreja. Há vitórias parciais - como as da revisão da Concordata, do aumento dos benefícios fiscais, do peso político indiscutível alcançado pelos católicos no governo ou no interior dos partidos, da inflexível posição do poder de inspiração católica face às questões da interrupção voluntária da gravidez, imigração, ensino privado, dos toxicodependentes, etc. - que a igreja não poderá, entretanto, explorar a fundo nos quadros negativos da actual governação. Pior ainda: no plano inclinado em que os acontecimentos começam a resvalar, a hierarquia só a muito custo consegue manter uma aparente distância entre o sagrado e o empresarial. A igreja deveria envolver a sociedade mas o que se passa é justamente o inverso.
A hierarquia sabe que pisa terreno errado. Mas o mal está feito. Os dados estão lançados.
Qual será o futuro da igreja de João Paulo II ?
Nos tempos recentes, tornou-se evidente a aceleração do processo que a igreja atravessa, de reforço do centralismo eclesiástico e empresarial. A crescente massa financeira que os grandes negócios exigem implica esse estreitamento dos campos de direcção e o reforço da autoridade dos seus responsáveis. É esmagador aquilo que está em causa. No caso português, por exemplo, citámos o meganegócio do Banco Atlântico (um de entre vários outros), a exigir executivos com poderes imediatos de decisão e organismos bem estruturados, flexíveis e competentes. Simultaneamente, todo este arejado aparelho deverá respeitar e acatar cegamente as linhas de acção impostas pela cadeia hierárquica convencional. Visto serem ciclópicas as tarefas que se avizinham: à igreja exige-se que intervenha nos grandes problemas sociais, tornando possível conjugar uma política de interesses próprios com a proclamada opção preferencial pelos pobres que os padres conciliares instituíram; fazer a demonstração, em termos práticos, de que a luta de classes é fenómeno contornável numa sociedade classista; e, paulatinamente, convencer que a Igreja social e caritativa pode, com vantagem, substituir-se ao papel do Estado, laico e socialista. Preocupa os cardeais o facto dos ventos não correrem de feição.
A vitória da direita não produziu o que para a hierarquia religiosa era de esperar. A economia afunda-se, os escândalos sucedem-se, a pobreza e a miséria alastram, o escândalo bate às portas do poder, sem poupar a própria igreja. Há vitórias parciais - como as da revisão da Concordata, do aumento dos benefícios fiscais, do peso político indiscutível alcançado pelos católicos no governo ou no interior dos partidos, da inflexível posição do poder de inspiração católica face às questões da interrupção voluntária da gravidez, imigração, ensino privado, dos toxicodependentes, etc. - que a igreja não poderá, entretanto, explorar a fundo nos quadros negativos da actual governação. Pior ainda: no plano inclinado em que os acontecimentos começam a resvalar, a hierarquia só a muito custo consegue manter uma aparente distância entre o sagrado e o empresarial. A igreja deveria envolver a sociedade mas o que se passa é justamente o inverso.
A hierarquia sabe que pisa terreno errado. Mas o mal está feito. Os dados estão lançados.
Qual será o futuro da igreja de João Paulo II ?