Carta de Blair aos iraquianos
Os iraquianos estão a receber desde o final da semana passada milhares de cópias de uma carta aberta do ministro britânico, Tony Blair, garantindo que o futuro governo do país lhes será entregue. O objectivo apaziguador - para os próprios iraquianos e para os países vizinhos - é por demais evidente, mas está em total falta de sintonia com as declarações de responsáveis norte-americanos.
Na mesma altura em que no Iraque era distribuída a carta prometendo a «construção de um Iraque novo, livre e unido» assim «que o regime de Saddam Hussein cair», administrado «não pelos EUA, não pela Grã-Bretanha, não pela ONU (...) mas pelo povo do Iraque», na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, o discurso era outro.
Segundo o jornal brasileiro Vermelho, o ex-chefe da CIA, James Woolsey, candidato a dirigente da reconstrução do Iraque, não hesitou em afirmar naquela Universidade que «esta é a 3ª Guerra Mundial, dirigida contra três inimigos: os governantes religiosos do Irão, os fascistas do Iraque e da Síria e os extremistas islâmicos, como a Al Qaeda».
A carta de Blair assegura que os soldados da coligação anglo-americana «não ficarão nem um dia a mais do que o necessário» em território iraquiano, mas Woolsey disse em Los Angeles que esta guerra vai ser longa, «enervando» os adversários. O alvos eram o Egipto e a Arábia Saudita, a quem Woolsey mandou uma mensagem clara: «Queremos que se enervem. Queremos que tomem consciência agora de que, pela primeira vez em cem anos, este país (os EUA) e seus aliados estão em marcha e estão do lado daqueles que vocês - os Mubarak, a família real saudita - mais temem, estão do lado do vosso».
Sendo pouco provável que James Woolsey falasse por sua conta e risco, forçoso se torna concluir que aquelas palavras esboçam o «programa» acordado entre Bush e o futuro «governador» do Iraque, e nada consentâneo com as promessas de Blair.
O primeiro-ministro britânico parece na verdade ter tomado a seu cargo a operação de branqueamento das forças invasoras, e não apenas por via epistolar. Enquanto no Iraque os soldados britânicos distribuem diariamente 60 mil cópias da carta, traduzida em árabe e com uma foto de Blair, em Londres é o próprio que recebe exilados iraquianos e se desdobra em declarações à imprensa. Numa entrevista à secção árabe da BBC, Tony Blair afirmou que tão importante como derrubar Saddam Hussein é assegurar a resolução do conflito israelo-palestiniano, e garantiu desconhecer «qualquer plano» militar dos EUA contra o Irão ou a Síria.