Cavalgadas e ventoinhas
Em épocas festivas os circos descem às cidades, mas é sabido que as palhaçadas deixaram há muito tempo de ser um exclusivo daquele espectáculo. O caso mais flagrante é certamente o da Assembleia da República, onde em certas bancadas grassa o peculiar conceito de que «o bom deputado», o «orador nato», o «político perspicaz» é o que consegue defender uma ideia e o seu contrário, fazer uma intervenção brilhante sem sequer saber do que é que se está a tratar e, cúmulo dos cúmulos, pôr os seus pares todos a rir.
Pouco importa, para quem assim entende a função de deputado da nação, que o tema em apreço tenha incidência na vida de milhões de pessoas ou diga respeito a questões de vida ou de morte. O que é preciso é que o «espectáculo» funcione e o rasgo de oratória seja tema de manchete nas edições dos jornais e nos noticiários de rádio e televisão.
O que se passou a semana passada no debate sobre a questão do aborto em Portugal é bem elucidativo desta forma de fazer política. Os dois principais partidos parlamentares, cuja alternância no governo tem sido uma constante nas últimas décadas, não acharam melhor forma de abordar a questão - um terrível drama que continua sem fim à vista - a não ser insultando-se com tiradas muito ao gosto da maioria parlamentar e afins.
Escamoteando as suas responsabilidades na matéria - quando tinha a maioria, o PS embarcou na demagogia do referendo e escudou-se na «liberdade de consciência» para fazer abortar a despenalização do aborto; quanto ao PSD, embaraçado com o «zézinho» do PP, não se decide para que lado cair e não ata nem desata com a sempre recorrente e adiada educação sexual - escamotando as suas responsabilidades, dizia-se, os dois maiores partidos trocaram galhardetes de duvidoso gosto e riso fácil. Acusaram, uns, os outros de «cavalgar» a notoriedade ganha pelo julgamento de Aveiro; responderam os outros que os uns davam «reviravoltas» na matéria; ripostaram estes que em questão de reviravoltas ninguém levava a palma à «ventoinha» Mário Soares; etc., etc., etc. Riram-se todos muito e à vez, pese embora a chamada à pedra feita pelo presidente da Assembleia.
Entre reviravoltas, cavalgadas e ventoinhas, aqueles senhores deputados aos costumes disseram nada. O aborto continua a ser penalizado, as mulheres a arriscar a vida em qualquer vão de escada, e os jovens a entrar e a sair das escolas tão impreparados para a vida sexual como sempre. E isto não dá vontade nenhuma de rir.
Pouco importa, para quem assim entende a função de deputado da nação, que o tema em apreço tenha incidência na vida de milhões de pessoas ou diga respeito a questões de vida ou de morte. O que é preciso é que o «espectáculo» funcione e o rasgo de oratória seja tema de manchete nas edições dos jornais e nos noticiários de rádio e televisão.
O que se passou a semana passada no debate sobre a questão do aborto em Portugal é bem elucidativo desta forma de fazer política. Os dois principais partidos parlamentares, cuja alternância no governo tem sido uma constante nas últimas décadas, não acharam melhor forma de abordar a questão - um terrível drama que continua sem fim à vista - a não ser insultando-se com tiradas muito ao gosto da maioria parlamentar e afins.
Escamoteando as suas responsabilidades na matéria - quando tinha a maioria, o PS embarcou na demagogia do referendo e escudou-se na «liberdade de consciência» para fazer abortar a despenalização do aborto; quanto ao PSD, embaraçado com o «zézinho» do PP, não se decide para que lado cair e não ata nem desata com a sempre recorrente e adiada educação sexual - escamotando as suas responsabilidades, dizia-se, os dois maiores partidos trocaram galhardetes de duvidoso gosto e riso fácil. Acusaram, uns, os outros de «cavalgar» a notoriedade ganha pelo julgamento de Aveiro; responderam os outros que os uns davam «reviravoltas» na matéria; ripostaram estes que em questão de reviravoltas ninguém levava a palma à «ventoinha» Mário Soares; etc., etc., etc. Riram-se todos muito e à vez, pese embora a chamada à pedra feita pelo presidente da Assembleia.
Entre reviravoltas, cavalgadas e ventoinhas, aqueles senhores deputados aos costumes disseram nada. O aborto continua a ser penalizado, as mulheres a arriscar a vida em qualquer vão de escada, e os jovens a entrar e a sair das escolas tão impreparados para a vida sexual como sempre. E isto não dá vontade nenhuma de rir.