Os EUA estão a usar armas desconhecidas contra os iraquianos

Massacre em Bagdad

Os hospitais de Bagdad já não têm capacidade para receber as vítimas dos bombardeamentos e a ONU alerta para uma crise sanitária na capital do Iraque.
A intensificação dos bombardeamentos das forças anglo-americanas contra Bagdad, nos últimos dias, está a provocar um autêntico massacre dos habitantes da cidade. A Cruz Vermelha refere que o afluxo de feridos aos hospitais chegou a atingir, nos piores momentos, mais de cem casos por hora. A situação é ainda agravada pelo facto de os médicos estarem a ser confrontados com vítimas que apresentam «ferimentos estranhos, desconhecidos», o que segundo o correspondente da Al Jazira, Diyar Omari, parece «confirmar que as tropas da coligação estão a usar novos tipos de bombas».
Carenciados de quase tudo devido aos efeitos de 12 anos de sanções sobre o sistema hospitalar do país, os médicos debatem-se agora com mais «um grande desafio» para tentar salvar as vidas que os EUA se propuseram «libertar» à bomba. Uma missão quase impossível numa altura em que, segundo todas as testemunhas, são «incontáveis» os casos de pessoas feridas e quando o seu número aumenta «a cada minuto».
«Nós esperamos uma grave deterioração da situação de saúde durante os próximos dias, devido aos bombardeios diários que ocasionam danos às infraestruturas, e uma brusca elevação das mortes de civis», disse Fadela Chaib, porta-voz da Organização Mundial de Saúde (OMS), em declarações à imprensa. A OMS alertou ainda que a capacidade de prestar assistência médica e medicamentosa se está a tornar cada vez mais difícil, e que não se conseguem repor as reservas de medicamentos.
«É sem dúvida uma situação de emergência», afirmou Antonella Notari, porta-voz da Cruz Vermelha Internacional, uma das poucas organizações internacionais humanitárias que manteve o seu pessoal do Iraque após o início da agressão norte-americana.

Guerra suja

Desconhece-se até agora que novo tipo de armamento está a ser usado pelos EUA no Iraque, mas já não restam dúvidas de que do arsenal fazem parte bombas de fragmentação e de urânio empobrecido, internacionalmente proibidas. Igualmente impossíveis de esconder são as cada vez mais numerosas vítimas civis, o que deita por terra todas as pomposas declarações de Washington de que esta seria «uma guerra limpa».
Os próprios militares norte-americanos reconhecem a «vontade de matar» que grassa especialmente entre os mais jovens. «Estes tipos são novos e muitos só querem conseguir sua primeira morte confirmada, por isso estão assim ansiosos para atirar. Eu odeio dizer “fanfarrões”, mas eles queriam matar», afirmou o primeiro sargento Eric Engram, citado pelo jornal brasileiro Vermelho, a propósito dos combates na cidade sagrada xiita de Kerbala, que provocaram um número indeterminado de vítimas civis.
Entretanto, os abortos espontâneos e os nascimentos prematuros, fruto da ansiedade e do medo, estão a aumentar à medida que se intensificam os bombardeamentos.
Segundo a Irmã Buchra, fundadora e directora do hospital católico dominicano de Bagdad, «a ansiedade permanente, as comoções causadas pelas bombas e o susto têm um efeito devastador nas mulheres grávidas». A religiosa afirma ainda que antes da guerra a maioria dos partos eram «normais, com um número limitado de intervenções cirúrgicas». Neste momento, garante, «é o contrário», e verifica-se um aumento de abortos espontâneos no terceiro ou quarto mês da gravidez.
A guerra forçou ainda o encerramento do berçário do hospital. «Numa noite em que os bombardeios foram intensos, as mães, em pânico, foram ao berçário proteger seus bebés», conta a Irmã Buchra.
«Foi terrível. Ninguém pode deter uma mãe, então fechámos o berçário e entregámos cada criança à mãe», disse a religiosa, concluindo com lágrimas nos olhos: «É assim que os americanos querem fazer sua guerra de libertação? Matando recém-nascidos? É inaceitável».
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Comunistas árabes
apelam à unidade

«Juntos para deter a agressão norte-americana e britânica contra o povo iraquiano» é a palavra de ordem do comunicado conjunto divulgado na quinta-feira passada pelos Partidos Comunistas da Jordânia, Sudão, Síria, Líbano e Egipto e pelo Partido do Povo da Palestina.
O texto afirma que os EUA e a Grã-Bretanha, «passando por cima da vontade internacional e da opinião dos povos do planeta», movem «uma guerra contra a sociedade internacional como um todo através do Iraque e do povo iraquiano», cujos verdadeiros objectivos são o desmantelar das «bases que sustentam os sistemas de relações internacionais, assim como os organismos legais que estes geraram».
Segundo o documento, isto «significa a continuidade da política de dominação mundial e consagração do regime unipolar já erigido».
«Esta política - prossegue o texto - traduz-se «na tentativa de redesenhar o mapa geopolítico de nossa região, de forma a garantir os interesses dos Estados Unidos e permitir que seu aliado estratégico, Israel, rompa a vontade de resistência do povo palestiniano» e «consagre a ocupação e a colonização da Palestina».
A escolha do Iraque como alvo deve-se, para os subscritores do documento, à sua «posição estratégica», às «riquezas petrolíferas que possui» e à «importância destes dois elementos nos planos norte-americanos a nível internacional».
Estado de alerta

Reconhecendo que «os EUA acreditavam poder aproveitar as numerosas fissuras visíveis no edifício oficial árabe, sobretudo sua debilidade e ausência de democracia», o texto sublinha a «resistência popular à agressão» e alerta para o que classifica de «ponto débil dessa resistência», ou seja, «a posição tomada pela maioria dos regimes árabes».
Na opinião dos partidos comunistas árabes «esta postura encontra-se na base das ameaças lançadas pelos dirigentes norte-americanos contra a Síria, que se opôs à agressão e exigiu que os agressores se retirem do Iraque».
Dizendo estar «em estado de alerta», aqueles partidos apelam à formação de «uma ampla frente para resistir por todos os meios» à agressão dos EUA, e incitam «os povos árabes» a pressionarem os respectivos governos de forma a forçá-los a mudar de posição e a deixar de apoiar os agressores.
«A partir da nossa posição conjunta - conclui o texto -, visando salvaguardar a independência, a soberania e a integridade territorial dos nossos países, chamamos os povos árabes a cerrar suas fileiras e unir as suas forças. Reafirmamos que estamos prontos a cooperar com todas as forças patrióticas e nacionais neste grande combate imposto pela necessidade de fazer frente à agressão americano-britânica aos nossos povos e à nossa nação. Estamos certos de que, se impedirmos que essa agressão alcance os seus objectivos, abriremos novos horizontes para a luta contra o domínio norte-americano na nossa região árabe e no conjunto do planeta».


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