Gestnave ameaçada de «dissolução»
Membros das Comissões de Trabalhadores da Lisnave e Gestenave denunciam ao Avante! a intenção do Governo de «dissolver» a empresa, através de uma resolução que viola o protocolo assinado em 1997.
O protocolo foi o resultado de duras lutas dos trabalhadores
Com o protocolo assinado entre o Governo e o Grupo Mello, das antigas Lisnave e Setenave saiu uma empresa prestação de serviços, com capitais maioritariamente públicos, a Gestnave, a quem foi confiada a missão de assegurar a prestação de serviços e mão-de-obra aos estaleiros que mantiveram a designação Lisnave, passando, gradualmente a funcionar na Mitrena. A mesma ficou com a incumbência de gerir os serviços sociais da Lisnave e da Setenave, também extinta e incorporada na nova empresa de reparação naval. Dos serviços da Gestnave, destaca-se o fundo de pensões criado com o protocolo.
Neste fundo, era garantida a reforma antecipada a todos os que completassem 55 anos de idade até 2007, direito que ficou assegurado, «mesmo em caso de insucesso do processo», refere a resolução.
Com a resolução do Conselho de Ministros n.º 39/2003 de Março passado, o Governo veio pôr também em causa a solvência do fundo de pensões e a continuidade da Escola Profissional de Almada.
Baseando-se nessa insolvência, a resolução anuncia a intenção de «dar início ao processo conducente à dissolução da Gestnave» e «mandatar a Parpública para, em 90 dias, propor medidas «adequadas à concretização do processo de dissolução em causa, bem como à calendarização do mesmo».
Esgotou-se o prazo há seis meses e do relatório da Parpública ainda nada se sabe.
Todos os direitos consignados no protocolo foram conquistados pelos trabalhadores à custa de duras lutas. Segundo Fernando Parreira, da CT da Lisnave, até se ter chegado ao protocolo, empresas e trabalhadores viveram um processo difícil e muito acidentado.
Entre lutas que deram fama aos trabalhadores dos estaleiros pela sua firmeza e tenacidade, sofreram dois processos de despedimento colectivo.
«Foi na Lisnave que surgiu a política das pré-reformas, os salários em atraso, as grandes repressões da polícia de intervenção contra os trabalhadores, tudo ataques realizados sob a orientação do Grupo Mello com o propósito de substituir os trabalhadores efectivos por contratados a prazo», esclareceu.
Devido a esta «gestão danosa», foi-se reduzindo o quadro de trabalhadores e, em 1993, começou a negociação de um protocolo, cujo culminar foi em 1997, com a assinatura do mesmo, que garantiu um conjunto de direitos aos trabalhadores que estão agora postos em causa.
Filipe Rua, da CT da Lisnave, faz saber que as lutas empreendidas pelos trabalhadores este ano «só têm paralelo com os grandes combates que aconteceram há décadas no sector, luta essa que tem obrigado o Governo a recuar com os propósitos de destruir a Gestnave».
Miguel Moisés, da CT da Gestnave, revela a importância do sector para a economia nacional. Com uma facturação de mais de dois mil milhões de euros em dez anos e a reparação de 2077 navios, uma capacidade empregadora de 1500 trabalhadores directos e um total de 4500 empregados dependentes da actividade, «o Governo viu-se na inevitabilidade de assumir o referido protocolo».
Pensões em perigo
O trabalho de reparação naval acarreta graves problemas para a saúde, sendo, em muitas situações, comparável com o trabalho nas minas.
«É nesse sentido que surge no protocolo um plano que pretendeu reduzir pessoal através da passagem à pré-reforma dos trabalhadores com 55 anos ou mais, pré-reforma essa que está em vigor até 2007», afirma Miguel Moisés.
Mais de 3 mil trabalhadores e outros 1.500 estão prestes a atingir a idade de pré-reforma, dos quais 99 por cento aderiram ao fundo de pensões.
No passado dia 9 de Setembro, o Instituto de Seguros de Portugal - entidade fiscalizadora do fundo - deu indicações para que fosse suspenso o processo de integração de mais trabalhadores no fundo, uma vez que este estava a entrar em «insolvência financeira».
Para a CT, trata-se de um «grosseiro incumprimento» de compromissos por parte do Governo, uma vez que as dotações para o fundo deviam ter sido efectuadas em cinco pagamentos, mas apenas três se concretizaram. Dois deles não chegaram a concretizar-se, deixando o fundo em dificuldade.
O exemplo de uma célula
Para os comunistas, «o protocolo está assinado pelo Governo e tem de ser cumprido, salvaguardando os postos de trabalho, os fundos de pensões e a actividade da indústria naval com benefícios para a região e o País», afirma Vicente Merendas, deputado do PCP e responsável pela célula da Lisnave/Gestnave na Concelhia de Setúbal.
Merendas recorda os tempos difíceis que se viveram com o encerramento do estaleiro da Margueira e como a unidade dos trabalhadores foi fundamental para a defesa dos seus direitos.
Hoje, existem duas CT’s, duas Comissões Sindicais e uma única célula do Partido que realiza assembleias gerais conjuntas, como em conjunto são feitas as reivindicações anuais. As ORT’s discutem separadamente com as respectivas administrações mas os resultados finais são aprovados em conjunto, em Assembleia Geral.
Os comunistas foram os grandes dinamizadores, desde a primeira hora, da unidade das estruturas sindicais.
O grupo parlamentar do PCP questionou o Governo, no passado 15 de Maio, logo após a saída da resolução do Conselho de Ministros, sobre as suas consequências. Só no dia 17 de Julho, a ministra das Finanças respondeu que ainda aguardava o parecer da Parpública.
As ORT’s expuseram a situação a todos os grupos parlamentares mas apenas a bancada comunista, até ao momento, os atendeu.
No passado dia 21, os trabalhadores reunidos na Mitrena, em Assembleia Geral, reafirmaram a sua posição e marcaram nova assembleia para dia 3 de Dezembro, frente à residência oficial do Primeiro Ministro, caso até lá não obtenham resposta.
No próximo dia 29, a célula realiza uma noite-convívio de fados [ver agenda], na Baixa da Banheira.
Formar para despedir?
José Pereira, da CT da Gestnave, salienta a falta de cumprimento pela Lisnave do ponto do protocolo onde a empresa se compromete a admitir jovens formados na Gestnave que substituiriam os trabalhadores que se fossem reformando antecipadamente.
No entanto, «esse processo nunca se concretizou, além de ter sido extinta a Novopro, empresa associada da Gestnave, criada para formar trabalhadores», revela.
José Pereira era trabalhador da Lisnave. «Fomos empurrados para a Gestnave. Sabemos que o estaleiro precisa da nossa mão-de-obra mas é a nossa mais-valia que está a ser posta em causa. Estive em Alverca a fazer formação profissional, a empresa apostou em jovens, e agora, ao fim de vários anos mandam-nos para o desemprego.», conclui.
Entre os 35 e os 50 anos, a Gestnave tem cerca de 500 trabalhadores.
A CT pretende, por isso, que todos os postos de trabalho sejam garantidos, havendo ou não «dissolução».
Fernando Parreira, da CT da Lisnave, lembra que a construção naval é um sector altamente competitivo.
Com a saída de trabalhadores especializados e a admissão de jovens «sem estabilidade, podem ficar em causa os padrões de qualidade do serviço, que são a base da capacidade competitiva do estaleiro».
A «dissolução» da Gestnave é, para Fernando Parreira, «uma atitude anti-nacional, uma vez que em Portugal, o único núcleo industrial significativo neste sector, é o estaleiro da Mitrena».
Faz notar ainda que a Gestnave nunca teve resultados negativos, «não podendo por isso ser tratada como se tivesse passado a vida a acumular prejuízos», salienta.
Neste fundo, era garantida a reforma antecipada a todos os que completassem 55 anos de idade até 2007, direito que ficou assegurado, «mesmo em caso de insucesso do processo», refere a resolução.
Com a resolução do Conselho de Ministros n.º 39/2003 de Março passado, o Governo veio pôr também em causa a solvência do fundo de pensões e a continuidade da Escola Profissional de Almada.
Baseando-se nessa insolvência, a resolução anuncia a intenção de «dar início ao processo conducente à dissolução da Gestnave» e «mandatar a Parpública para, em 90 dias, propor medidas «adequadas à concretização do processo de dissolução em causa, bem como à calendarização do mesmo».
Esgotou-se o prazo há seis meses e do relatório da Parpública ainda nada se sabe.
Todos os direitos consignados no protocolo foram conquistados pelos trabalhadores à custa de duras lutas. Segundo Fernando Parreira, da CT da Lisnave, até se ter chegado ao protocolo, empresas e trabalhadores viveram um processo difícil e muito acidentado.
Entre lutas que deram fama aos trabalhadores dos estaleiros pela sua firmeza e tenacidade, sofreram dois processos de despedimento colectivo.
«Foi na Lisnave que surgiu a política das pré-reformas, os salários em atraso, as grandes repressões da polícia de intervenção contra os trabalhadores, tudo ataques realizados sob a orientação do Grupo Mello com o propósito de substituir os trabalhadores efectivos por contratados a prazo», esclareceu.
Devido a esta «gestão danosa», foi-se reduzindo o quadro de trabalhadores e, em 1993, começou a negociação de um protocolo, cujo culminar foi em 1997, com a assinatura do mesmo, que garantiu um conjunto de direitos aos trabalhadores que estão agora postos em causa.
Filipe Rua, da CT da Lisnave, faz saber que as lutas empreendidas pelos trabalhadores este ano «só têm paralelo com os grandes combates que aconteceram há décadas no sector, luta essa que tem obrigado o Governo a recuar com os propósitos de destruir a Gestnave».
Miguel Moisés, da CT da Gestnave, revela a importância do sector para a economia nacional. Com uma facturação de mais de dois mil milhões de euros em dez anos e a reparação de 2077 navios, uma capacidade empregadora de 1500 trabalhadores directos e um total de 4500 empregados dependentes da actividade, «o Governo viu-se na inevitabilidade de assumir o referido protocolo».
Pensões em perigo
O trabalho de reparação naval acarreta graves problemas para a saúde, sendo, em muitas situações, comparável com o trabalho nas minas.
«É nesse sentido que surge no protocolo um plano que pretendeu reduzir pessoal através da passagem à pré-reforma dos trabalhadores com 55 anos ou mais, pré-reforma essa que está em vigor até 2007», afirma Miguel Moisés.
Mais de 3 mil trabalhadores e outros 1.500 estão prestes a atingir a idade de pré-reforma, dos quais 99 por cento aderiram ao fundo de pensões.
No passado dia 9 de Setembro, o Instituto de Seguros de Portugal - entidade fiscalizadora do fundo - deu indicações para que fosse suspenso o processo de integração de mais trabalhadores no fundo, uma vez que este estava a entrar em «insolvência financeira».
Para a CT, trata-se de um «grosseiro incumprimento» de compromissos por parte do Governo, uma vez que as dotações para o fundo deviam ter sido efectuadas em cinco pagamentos, mas apenas três se concretizaram. Dois deles não chegaram a concretizar-se, deixando o fundo em dificuldade.
O exemplo de uma célula
Para os comunistas, «o protocolo está assinado pelo Governo e tem de ser cumprido, salvaguardando os postos de trabalho, os fundos de pensões e a actividade da indústria naval com benefícios para a região e o País», afirma Vicente Merendas, deputado do PCP e responsável pela célula da Lisnave/Gestnave na Concelhia de Setúbal.
Merendas recorda os tempos difíceis que se viveram com o encerramento do estaleiro da Margueira e como a unidade dos trabalhadores foi fundamental para a defesa dos seus direitos.
Hoje, existem duas CT’s, duas Comissões Sindicais e uma única célula do Partido que realiza assembleias gerais conjuntas, como em conjunto são feitas as reivindicações anuais. As ORT’s discutem separadamente com as respectivas administrações mas os resultados finais são aprovados em conjunto, em Assembleia Geral.
Os comunistas foram os grandes dinamizadores, desde a primeira hora, da unidade das estruturas sindicais.
O grupo parlamentar do PCP questionou o Governo, no passado 15 de Maio, logo após a saída da resolução do Conselho de Ministros, sobre as suas consequências. Só no dia 17 de Julho, a ministra das Finanças respondeu que ainda aguardava o parecer da Parpública.
As ORT’s expuseram a situação a todos os grupos parlamentares mas apenas a bancada comunista, até ao momento, os atendeu.
No passado dia 21, os trabalhadores reunidos na Mitrena, em Assembleia Geral, reafirmaram a sua posição e marcaram nova assembleia para dia 3 de Dezembro, frente à residência oficial do Primeiro Ministro, caso até lá não obtenham resposta.
No próximo dia 29, a célula realiza uma noite-convívio de fados [ver agenda], na Baixa da Banheira.
Formar para despedir?
José Pereira, da CT da Gestnave, salienta a falta de cumprimento pela Lisnave do ponto do protocolo onde a empresa se compromete a admitir jovens formados na Gestnave que substituiriam os trabalhadores que se fossem reformando antecipadamente.
No entanto, «esse processo nunca se concretizou, além de ter sido extinta a Novopro, empresa associada da Gestnave, criada para formar trabalhadores», revela.
José Pereira era trabalhador da Lisnave. «Fomos empurrados para a Gestnave. Sabemos que o estaleiro precisa da nossa mão-de-obra mas é a nossa mais-valia que está a ser posta em causa. Estive em Alverca a fazer formação profissional, a empresa apostou em jovens, e agora, ao fim de vários anos mandam-nos para o desemprego.», conclui.
Entre os 35 e os 50 anos, a Gestnave tem cerca de 500 trabalhadores.
A CT pretende, por isso, que todos os postos de trabalho sejam garantidos, havendo ou não «dissolução».
Fernando Parreira, da CT da Lisnave, lembra que a construção naval é um sector altamente competitivo.
Com a saída de trabalhadores especializados e a admissão de jovens «sem estabilidade, podem ficar em causa os padrões de qualidade do serviço, que são a base da capacidade competitiva do estaleiro».
A «dissolução» da Gestnave é, para Fernando Parreira, «uma atitude anti-nacional, uma vez que em Portugal, o único núcleo industrial significativo neste sector, é o estaleiro da Mitrena».
Faz notar ainda que a Gestnave nunca teve resultados negativos, «não podendo por isso ser tratada como se tivesse passado a vida a acumular prejuízos», salienta.