Confissões da pastoral social (conclusão)

Jorge Messias
Algumas notas finais acerca das ideias sobre acção social que anteriormente prevaleceram (por muito pouco tempo) na igreja católica portuguesa. O padre FP sintetizou-as na sua intervenção, no capítulo «Tentações a evitar na acção social cristã». As previsíveis tentações seriam as que passamos a transcrever.
1. O modelo puramente quantitativo voltado para o lucro. «Os números em termos de pessoas atendidas, de orçamentos (receitas e despesas) de funcionários e... muito mais. 2. As tecnocracias viradas para um desenvolvimento que sacrifica o homem e compromete os valores. Numa sociedade esvaziada de sentido (anomia), facilmente a ética é subvertida pela técnica. 3. A desruralização da sociedade, com a oferta de modelos de vida marcados pelo industrial e o urbano, o que muitas vezes desagrega a família, o grupo social da aldeia e as relações de trabalho. 4. A oferta desresponsabilizante de bens e de serviços a que habitualmente chamamos caridadezinha. E, ainda, as tentações da burocracia, da organização ou da economia como valores prioritários. Ou até a tentação da vinculação política ou do protagonismo de carácter duvidoso».
Quando um católico, um cristão, relê este documento, sobram-lhe razões para ficar estarrecido. Afinal, o padre Feytor Pinto traçara, em devido tempo, o negativo dos erros que a igreja deveria evitar. O alerta de nada serviu, nem mesmo para corrigir percursos do próprio p. Feytor. Não restam dúvidas de que, num curto espaço de tempo, a igreja assumiu o capitalismo como ideologia, fez a opção preferencial pelos ricos, apoiou-se na alta finança e nas classes médias, falhou no objectivo de identificar o social e o caritativo, perdeu influência entre as populações rurais e urbanas, os jovens e as mulheres, e não definiu a nova imagem de marca que tão insistentemente procura instalar entre os povos. Pelo contrário, com graves danos para a sua alegada vocação evangélica, confirmou-se como pilar insubstituível das políticas de direita e da sociedade de consumo, vinculou-se politicamente ao actual poder dominante, promoveu o lucro, a estatística e os estudos de mercado, garantiu a formação de sucessivas gerações de tecnocratas e apoderou-se da comunicação social e das telecomunicações. Manteve-se fiel ao desempenho do seu papel histórico, como ópio do povo.

A ambiguidade

Dizia o padre Feytor Pinto, em conclusão ao seu trabalho de 1985: «Há na acção social e caritativa das organizações cristãs uma originalidade necessária. Compete à Igreja definir-lhe os contornos, para que a boa nova seja anunciada aos pobres. Vivemos num país carregado de problemas, em crise económica profunda, com graves distorções no mundo do trabalho, despedimentos, salários em atraso, desemprego, com agravamento das soluções de fome e de subdesenvolvimento. Os pobres, as classes mais desfavorecidas, esperam muito pouco já dos políticos, dos economistas, dos vários messias que lhes aparecem. Os que mais sofrem, hoje, viram-se para a Igreja à espera da salvação. Essa igreja que pode dar resposta à esperança somos nós, e a resposta ao sofrimento humano é urgente».
Algumas reflexões podem ser feitas acerca deste já longo texto. A primeira diz respeito aos desvios comportamentais do p. Feytor Pinto. Se em 1985 afirmava condenar o intelectualismo estéril que vive sobre si próprio, em 2003 propõe, contra a sua experiência pessoal, uma igreja do milénio. Aquela que, pelo espírito, pode resolver os dramas sociais da fome, da doença, da angústia ou do desespero. A segunda reflexão incide na coexistência, na mesma igreja e sobre o mesmo contexto, de dois discursos divergentes. Ambos canónicos e ambos disponíveis. Num, reclama-se a intervenção social a nível de Estado. Noutro, aponta-se os caminhos da caridade católica. A referência dominante é a Igreja institucional. Remetamo-nos ao que afirmou FP: «Para construí-lo (o Reino de Deus), partindo de um projecto descritivo de uma sociedade em crise, marcada pelo sofrimento do homem e pela incerteza do futuro, para conseguir novos céus e nova terra, é necessária uma acção que passa pela evangelização - presença, testemunho, catequese, celebração da fé e acção social organizada - porque tudo isto é riqueza evangelizadora».
O que choca na doutrina católica é a ambiguidade.


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