Os jornalistas orgânicos da PentágonoPress (conclusão)
Nesta cruzada de máximo ruído/credibilização para as teses do agressor e de máxima censura/descrédito para as teses do agredido, o PentágonoPress socorreu-se da dramatização e da desvalorização, da emboscada e do embuste, superando de largo a patética heróica de Mohamed Saeed al-Sahaf, o ministro iraquiano da Informação, que tanta negócio da diversão propiciou nos Estados Unidos.
Dramatização funesta, por exemplo, sequenciada no matraquear da posse pelo Iraque de armas de destruição maciça (químicas, biológicas e nucleares). Este produto de propaganda-negra avassalou o planeta, com os maestros do Terror, Bush & Blair, a agitar provas do seu fabrico e do seu armazenamento nos esconderijos de cidades, vilas e aldeias, desertos, montanhas e vales, de Bassorá a Mossul.
As indústrias da Informação participaram na tragicomédia e no suspense. Editorialistas do Eixo do Bem repercutiram o alarme e acentuaram os riscos para a Humanidade. Com a invasão consumada, prometeram-se e anunciaram-se achados tenebrosos. Alguns marines mais expeditos ensaiaram descobertas em armazéns enferrujados e cavernas infernais. Os malditos bidões, no entanto, só continham vestígios de adubos agrícolas ou provavelmente pó de talco. Já ninguém acreditaria em qualquer aparição, nem mesmo os corneteiros e os mordomos de D. Bush II, El-Rei do Petróleo e de D. Blair I, o Reizete das Octanas.
Como o objectivo (invadir, ocupar, tomar conta do petróleo, redefinir as cartas na região e na Europa) estava alcançado, o Tio Sam & o Primo Ten deixaram cair o pretexto e, de imediato, a Comunicação Global também o deixou cair. Estas liberdades de Imprensa são assim sincronizadas. Dramatização burlesca, por exemplo, espelhada no tiroteio de resgate de Jessica Lynch, a jovem-soldado cativa dos iraquianos, supostamente arrebatada de um hospital por um comando de elite norte-americano que, com desembaraço fulminante, neutralizou as forças de Saddam. Afinal, segundo a BBC1, a odisseia foi engendrada pelos realizadores da Sétima Arte do Exército USA, sem qualquer oponência dos iraquianos, pois até uns dias antes estes se esforçaram por entregar a Jessica num check-point , sendo corridos a tiro pelos camaradas de Jessica. O PentágonoPress fez o filme, vendeu-o à Sociedade Global da Informação e ainda fabricou, para consumo patriótico, um DVD, elevando Jessica aos altares, qual vidente acamada, qual mártir da fé, sequestrada pelos infiéis.
A menina-soldado, talvez seduzida pelos «flashes» da fama, não defraudou o guião-libertador, não embaraçou os cineastas da Propaganda: confessou que perdeu a memória do momento e do cenário da intervenção. Já na Guerra do Golfo I de Bush I (1990-1991), os ficcionistas do Pentágono criaram dois flagrantes delitos para comover as mães do Primeiro Mundo e mobilizar os ecologistas para uma guerra justa: imagens percorreram centenas de milhões de lares a acusar os iraquianos de haverem desligado as incubadoras numa maternidade do Kuweit, talvez imitando Herodes na matança dos inocentes, o que se viria a provar ter sido uma encenação, enquanto os mesmos lares eram bombardeados com aves a debater-se nas marés negras, provocadas pelos iraquianos, vindo a saber-se (mais tarde, é sempre mais tarde) que se tratava de uma montagem com aves do Alasca, vítimas dos derrames de um petroleiro. (Breton)2. Curioso ou agoirento é que, já em 1932, Goebbels, ministro da Propaganda nazi, haja anunciado levar Hitler à presidência através de métodos americanos e em escala americana.(Tchakhotine)3
Filósofos & discípulos
Vivemos, na realidade, numa era de Informação-Espectáculo, com empresas de ponta e com actores consagrados e inesperados. O que sucede com os jornalistas-faxineiros da guerra da Informação, acontece com os mordomos de guerra da política, cada qual com a sua postura e a sua impostura na quadratura do círculo, agindo por cálculo dos cifrões e dos canhões. Por exemplo, que ganharemos em ser mais europeístas ou mais atlantistas? A força está do lado anglo-americano, a guerra tem um vencedor antecipado. Por isso, feitas as contas, vamos lá ver se nos garantem o comando de Oeiras/OTAN, alguma benevolência na candidatura de António Vitorino a secretário-geral da OTAN, algumas sub-empreitadas na reconstrução do Iraque, umas fotografias ao lado do Imperador e do seu cão de colo e (ainda como nos concursos) um atestado de bom comportamento da Ordem Imperial.
Entre constatações e convicções, nós, produtores e receptores de Informação, teremos de abrir o sinal vermelho da prevenção, tão tentados e assediados somos por manipulações e instrumentalizações. Quem se julga bem informado poderá incorrer numa vã presunção, acomodado no seu recanto de consumidor de palavras escritas e palavras ditas, imagens estáticas e imagens dinâmicas, cânticos celestiais e fragores apocalípticos: Muitas pessoas acreditam que podem mesmo informar-se, confortavelmente sentadas num sofá a olhar para uma sucessão de acontecimentos, apoiados em imagens quase sempre imprevistas, violentas e espectaculares. É uma perfeita ilusão. (Ramonet)4
Entre indagações e interrogações, urgente é que a cidadania da Informação coloque na agenda do inadiável estes e outros considerandos, como o teor de uma pequena nota, mais uma vez esclarecedora a respeito das pulsões do totalitarismo informativo e informatizado do Complexo Militar-Mediático: O Congresso norte-americano travou o plano do Pentágono para vigiar bancos de dados e correio electrónico dos cidadãos em busca de pistas sobre possíveis actividades terroristas. O programa deveria ser chefiado por John Poindexter, militar condenado durante a presidência de Ronald Reagan por mentir ao Congresso sobre a venda secreta de armas ao Irão e o apoio clandestino a grupos armados na Nicarágua. (Jornal de Notícias)5
Deixando de lado a dúvida sobre se a vigilância se processa com ou sem autorização do Congresso (o FBI, por exemplo, está encarregado de espionar a Internet através dos serviços «Lanterna Mágica»), o simples facto do Congresso, em geral tão solícito na cobertura das obsessões securitárias da Casa Branca/Pentágono, ter placado formalmente esta investida, põe a descoberto o nível de inquietação que se apoderou dos Estados Unidos.
É do reino das evidências que entidades, umas estabelecidas com número de carteiro e polícia, outras habitantes de labirintos e subterrâneos, trabalham 24 horas sobre 24 horas para governarem a Terra a seu talante e bel-prazer, misturando petróleo, sangue, lágrimas, palavras, sons, imagens, sujando as mãos e lavando os cérebros. Compete-nos obviamente não desaprender de dizer «Não» em todas as línguas e dialectos: não ao Império do Bem, ao Império do PentágonoPress. Não, mesmo que várias e desvairadas gentes, aqui e ali, digam sim por sedução, intimidação, transacção, neutralização: O número nem sempre tem razão, mesmo que se trate de uma escolha democrática. (Wolton)6
Pensar e comunicar não é fácil, porque não falta quem comunique sem pensar e quem pense sem comunicar. Resta, porém como um imperativo de racionalidade e como uma perigosa consigna, capaz de tirar o sono a grandes filósofos como Rumsfeld & Perle.
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1 BBC, John Kantfner, 15/05/2003.
2 Breton, Philippe, A Palavra Manipulada, Caminho, Lisboa, 2002.
3 Tchakhotine, Serge, Le Viol des foules par la propagande politique, Gallimard, Paris, 1952.
4 Ramonet, Ignacio, A Tirania da Comunicação, Campo das Letras, Porto, 1999.
5 Jornal de Notícias, 13/02/2003.
6 Wolton, Dominique, Pensar a Comunicação, Difel, Lisboa, 1999.
As indústrias da Informação participaram na tragicomédia e no suspense. Editorialistas do Eixo do Bem repercutiram o alarme e acentuaram os riscos para a Humanidade. Com a invasão consumada, prometeram-se e anunciaram-se achados tenebrosos. Alguns marines mais expeditos ensaiaram descobertas em armazéns enferrujados e cavernas infernais. Os malditos bidões, no entanto, só continham vestígios de adubos agrícolas ou provavelmente pó de talco. Já ninguém acreditaria em qualquer aparição, nem mesmo os corneteiros e os mordomos de D. Bush II, El-Rei do Petróleo e de D. Blair I, o Reizete das Octanas.
Como o objectivo (invadir, ocupar, tomar conta do petróleo, redefinir as cartas na região e na Europa) estava alcançado, o Tio Sam & o Primo Ten deixaram cair o pretexto e, de imediato, a Comunicação Global também o deixou cair. Estas liberdades de Imprensa são assim sincronizadas. Dramatização burlesca, por exemplo, espelhada no tiroteio de resgate de Jessica Lynch, a jovem-soldado cativa dos iraquianos, supostamente arrebatada de um hospital por um comando de elite norte-americano que, com desembaraço fulminante, neutralizou as forças de Saddam. Afinal, segundo a BBC1, a odisseia foi engendrada pelos realizadores da Sétima Arte do Exército USA, sem qualquer oponência dos iraquianos, pois até uns dias antes estes se esforçaram por entregar a Jessica num check-point , sendo corridos a tiro pelos camaradas de Jessica. O PentágonoPress fez o filme, vendeu-o à Sociedade Global da Informação e ainda fabricou, para consumo patriótico, um DVD, elevando Jessica aos altares, qual vidente acamada, qual mártir da fé, sequestrada pelos infiéis.
A menina-soldado, talvez seduzida pelos «flashes» da fama, não defraudou o guião-libertador, não embaraçou os cineastas da Propaganda: confessou que perdeu a memória do momento e do cenário da intervenção. Já na Guerra do Golfo I de Bush I (1990-1991), os ficcionistas do Pentágono criaram dois flagrantes delitos para comover as mães do Primeiro Mundo e mobilizar os ecologistas para uma guerra justa: imagens percorreram centenas de milhões de lares a acusar os iraquianos de haverem desligado as incubadoras numa maternidade do Kuweit, talvez imitando Herodes na matança dos inocentes, o que se viria a provar ter sido uma encenação, enquanto os mesmos lares eram bombardeados com aves a debater-se nas marés negras, provocadas pelos iraquianos, vindo a saber-se (mais tarde, é sempre mais tarde) que se tratava de uma montagem com aves do Alasca, vítimas dos derrames de um petroleiro. (Breton)2. Curioso ou agoirento é que, já em 1932, Goebbels, ministro da Propaganda nazi, haja anunciado levar Hitler à presidência através de métodos americanos e em escala americana.(Tchakhotine)3
Filósofos & discípulos
Vivemos, na realidade, numa era de Informação-Espectáculo, com empresas de ponta e com actores consagrados e inesperados. O que sucede com os jornalistas-faxineiros da guerra da Informação, acontece com os mordomos de guerra da política, cada qual com a sua postura e a sua impostura na quadratura do círculo, agindo por cálculo dos cifrões e dos canhões. Por exemplo, que ganharemos em ser mais europeístas ou mais atlantistas? A força está do lado anglo-americano, a guerra tem um vencedor antecipado. Por isso, feitas as contas, vamos lá ver se nos garantem o comando de Oeiras/OTAN, alguma benevolência na candidatura de António Vitorino a secretário-geral da OTAN, algumas sub-empreitadas na reconstrução do Iraque, umas fotografias ao lado do Imperador e do seu cão de colo e (ainda como nos concursos) um atestado de bom comportamento da Ordem Imperial.
Entre constatações e convicções, nós, produtores e receptores de Informação, teremos de abrir o sinal vermelho da prevenção, tão tentados e assediados somos por manipulações e instrumentalizações. Quem se julga bem informado poderá incorrer numa vã presunção, acomodado no seu recanto de consumidor de palavras escritas e palavras ditas, imagens estáticas e imagens dinâmicas, cânticos celestiais e fragores apocalípticos: Muitas pessoas acreditam que podem mesmo informar-se, confortavelmente sentadas num sofá a olhar para uma sucessão de acontecimentos, apoiados em imagens quase sempre imprevistas, violentas e espectaculares. É uma perfeita ilusão. (Ramonet)4
Entre indagações e interrogações, urgente é que a cidadania da Informação coloque na agenda do inadiável estes e outros considerandos, como o teor de uma pequena nota, mais uma vez esclarecedora a respeito das pulsões do totalitarismo informativo e informatizado do Complexo Militar-Mediático: O Congresso norte-americano travou o plano do Pentágono para vigiar bancos de dados e correio electrónico dos cidadãos em busca de pistas sobre possíveis actividades terroristas. O programa deveria ser chefiado por John Poindexter, militar condenado durante a presidência de Ronald Reagan por mentir ao Congresso sobre a venda secreta de armas ao Irão e o apoio clandestino a grupos armados na Nicarágua. (Jornal de Notícias)5
Deixando de lado a dúvida sobre se a vigilância se processa com ou sem autorização do Congresso (o FBI, por exemplo, está encarregado de espionar a Internet através dos serviços «Lanterna Mágica»), o simples facto do Congresso, em geral tão solícito na cobertura das obsessões securitárias da Casa Branca/Pentágono, ter placado formalmente esta investida, põe a descoberto o nível de inquietação que se apoderou dos Estados Unidos.
É do reino das evidências que entidades, umas estabelecidas com número de carteiro e polícia, outras habitantes de labirintos e subterrâneos, trabalham 24 horas sobre 24 horas para governarem a Terra a seu talante e bel-prazer, misturando petróleo, sangue, lágrimas, palavras, sons, imagens, sujando as mãos e lavando os cérebros. Compete-nos obviamente não desaprender de dizer «Não» em todas as línguas e dialectos: não ao Império do Bem, ao Império do PentágonoPress. Não, mesmo que várias e desvairadas gentes, aqui e ali, digam sim por sedução, intimidação, transacção, neutralização: O número nem sempre tem razão, mesmo que se trate de uma escolha democrática. (Wolton)6
Pensar e comunicar não é fácil, porque não falta quem comunique sem pensar e quem pense sem comunicar. Resta, porém como um imperativo de racionalidade e como uma perigosa consigna, capaz de tirar o sono a grandes filósofos como Rumsfeld & Perle.
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1 BBC, John Kantfner, 15/05/2003.
2 Breton, Philippe, A Palavra Manipulada, Caminho, Lisboa, 2002.
3 Tchakhotine, Serge, Le Viol des foules par la propagande politique, Gallimard, Paris, 1952.
4 Ramonet, Ignacio, A Tirania da Comunicação, Campo das Letras, Porto, 1999.
5 Jornal de Notícias, 13/02/2003.
6 Wolton, Dominique, Pensar a Comunicação, Difel, Lisboa, 1999.