Os operários de Petrogrado transformaram o mundo
O tricentenário da cidade de São Petersburgo - para os comunistas, Leninegrado - tem estado a ser comemorado ao longo deste ano e as celebrações ainda não terminaram. Com efeito, durante o mês de Outubro, as principais companhias teatrais europeias representarão na capital do Neva as produções mais emblemáticas do seu repertório. O palco do Baltiski Dom acolherá, entre outras, a Comédie Française e a Royal Shakespeare Company. Não faltam atracções na cidade de Pedro, o Grande, histórica em aspectos inumeráveis mas, principalmente, por ter sido o berço da Revolução de Outubro que Lenine dirigiu.
Naturalmente, o afecto do povo da cidade para com os milhões de estrangeiros que a têm visitado ao longo do ano corrente, é uma característica que a ninguém passou despercebido. Mas, depois, os hotéis, os restaurantes, os cafés, os parques, as lojas, no centro de uma atmosfera quase completamente europeia, fazem-nos sentir em casa ainda que as nossas reservas de carácter histórico permaneçam inamovíveis. A São Petersburgo de hoje, como a de ontem, é em muito uma cidade de imponentes aspectos culturais. Mas nem todos os seus visitantes, apesar do muito amor que dedicam a essa imponência, podem pôr de lado o peso de momentos históricos ali vividos. Ainda se ouvem os tiros do cruzador «Aurora». Ainda se treme pressentindo o assalto ao Palácio de Inverno. Ainda se imagina a «Wehrmacht» hitleriana às portas da cidade.
Do programa das comemorações do 300.º aniversário da cidade, sobressaíram os belos espectáculos de ópera e «ballet» apresentados no «Teatro Mariinski» com destaque para a trilogia wagneriana «Der Ring des Nibelungen», o «balet» «Ondine», de Pugni com coreografia de Pierre Lacotte. O Festival de Música de Câmara, realizou-se na Assembleia de São Petersburgo e, durante o mês de Junho, os célebres palácios da cidade, o Menchikov e o Cheremetiev, entre outros, abriram-se para um quase infindo programa de concertos. Os mais diferentes países contribuíram para a comemoração levando a São Petersburgo espectáculos culturais de elevado grau. Portugal também se fez representar.
Sempre com os olhos na Europa
Pedro, o Grande, fundou a cidade em 1703. A guerra contra a Suécia, incitara-o a construir a fortaleza de São Pedro e São Paulo. Foi a partir daí que a cidade começou a nascer. Após a batalha de Poltava (vitória russa sobre os suecos em 08.07.1809),o império russo marcou posição na Europa e a supremacia sueca na região báltica desvaneceu. A cidade, portanto, progrediu e acabaria por conquistar a designação de Veneza do Norte. Mas seria nos dias da imperatriz Catarina II (1762-1796), que a catalogariam como cidade verdadeiramente europeia.
Tornar-se-ia num dos centros da resistência russa à invasão napoleónica (1812). Mais tarde, com a inauguração de uma rede de caminhos de ferro, a industrialização chegou e, com ela, um novo sistema produtivo, tal como o aparecimento de uma classe de trabalhadores que haveria de propor-se transformar o mundo - a do proletariado industrial. O centro urbano, naturalmente, tinha-se desenvolvido, principalmente na margem direita do Neva. Do edifício do Almirantado, partiu-se para a construção de outros que marcaram lugar na História. As principais artérias da cidade, tal como a actual
«Perspectiva Nevski», foram traçadas pelo francês, Leblond, segundo o modelo de Versailles. Mas a construção do Palácio de Inverno (1754-1762), que incorpora, hoje, o «Hermitage», seria obra do italiano Bartolomeo Rastrelli, um arquitecto da escola francesa. A famosa estátua equestre de Pedro, o Grande, o Instituto Smolny, o revestimento das margens do Neva, o edifício da Academia das Ciências, a catedral de Nossa Senhora de Kazan, a reconstrução do Almirantado em estilo imperial francês, tiveram lugar, também, no tempo de Catarina II. Entretanto, não era nesta categoria de edifícios monumentais, «à europeia», que se amontoavam os operários da Petrogrado vermelha. Esses, respondendo à chamada do partido de Lenine, acabariam, de facto, por transformar o mundo. Mas vinham das cavernas da servidão e dos antros do trabalho escravo a que o capitalismo e os patrões os sujeitavam.
Outubro Vermelho
Estamos em Petrogrado. Chamem-lhe o que quiserem - Petrogrado, cidade operária, São Petersburgo, cidade europeia, Leninegrado, cidade revolucionária. O dia 7 de Novembro é uma quarta-feira. Há soldados de baionetas apontadas diante do Banco Central. Mas a Duma, na prática, declarava-se contra os Bolcheviques. A Duma (parlamento composto por uma maioria de apoiantes do governo de Kerenski), temia a determinação revolucionária dos comunistas e o espírito prático de Lenine.
Mas os jornais bolcheviques proclamavam: «Todo o poder aos sovietes dos operários, dos soldados e dos camponeses! Paz, pão e terra!»
A noite fora profundamente movimentada. Efectivos militares bolcheviques tinham ocupado a central telefónica e calado, finalmente, as meninas que se manifestavam horrorizadas com a rudeza daqueles trabalhadores que pretendiam usar os telefones e pareciam tão distantes dos senhores ministros ou de ilustres funcionários dos Bancos. Eram aqueles trabalhadores, afinal, os que pretendiam transformar o mundo? No Hotel Militar, diz-nos John Reed, encontravam-se inúmeros jovens oficiais. Conversavam em voz baixa. O que estaria para acontecer? Mas o hotel estava controlado por piquetes de marinheiros.
O 2.º Congresso dos Sovietes de Deputados dos Trabalhadores e Soldados foi declarado aberto. Teve lugar a eleição da respectiva presidência. Os principais partidos eram os Bolcheviques, os Socialistas-Revolucionários (esquerdistas) e os Mencheviques internacionalistas. Um soldado, dirigindo-se aos candidatos dos dois últimos partidos, gritou: «Lembrem-se de como nos trataram quando estávamos em minoria!» Na votação, os Bolcheviques conquistaram a maioria. Os delegados dos outros partidos, por terem sido vencidos, negaram-se a trabalhar lado a lado com os leninistas. De que lado, afinal, se encontravam? E partiram. Partiram para o Palácio de Inverno que pretendiam defender. Mas ao chegarem aos portões de entrada, um marinheiro interpôs-se dizendo: «Querem entrar? Todos vós incluindo aquele, o barbudo Schreider, presidente da Câmara da nossa cidade? Lamento, mas aqui não entram. Só com ordens do Instituto Smolny!»
A insurreição tinha sido decidida. O Soviete de Petrogrado depusera o governo. O Congresso dos Sovietes estava já convencido de que se escreviam páginas gloriosas da História do mundo. Melhor seria subscrevê-las. Já era manhã. Surgiam, então, nas paredes da cidade, os comunicados extraordinários que o povo lia e relia para acreditar que, na verdade, o mundo estava a mudar.
«Do Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia: Os ex-ministros Konovalov, Kichkin, Terestchenko, Maliantovitch, Nikitin, e outros, já foram presos pelo Comité Militar Revolucionário. O primeiro-ministro, Kerenski, fugiu. Todas as organizações militares têm ordens para prender Kerenski e aqueles que o acompanhem. Quem o ajudar, será considerado como tendo cometido um sério crime contra o Estado». Nesse preciso momento, Lenine punha as coisas no seu devido lugar: «A revolução de 6 e 7 de Novembro abriu a era das transformações sociais. O movimento dos trabalhadores, em nome da Paz e do Socialismo, triunfará e cumprirá o seu histórico destino!»
A voz da História
A criminosa invasão da URSS pela Alemanha hitleriana estava em pleno curso. A situação, em Setembro de 1941, era grave. O general Jukov, que assumiria mais tarde o cargo de comandante operacional de todas as forças do Exército Vermelho, tinha sido chamado ao Kremlin onde decorria uma reunião extraordinária da Stavka (organismo que dirigia, sob o comando de Estaline, a defesa do país dos sovietes). Os membros da Stavka distribuíam-se ao longo de uma comprida mesa que um extenso pano verde cobria. Quando Jukov chegou, todos se concentraram na figura do grande cabo de guerra.
Havia enormes mapas espalhados sobre a mesa. Era a meio da noite. As únicas luzes que permaneciam acesas no Kremlin eram as do apartamento onde a reunião em tinha lugar. Jukov, então, abriu-se, afirmando: «Para defender Moscovo, temos de defender Leninegrado. Se os hitlerianos entram na cidade berço da Revolução e a ocupam, disporão de muitas divisões suplementares para o ataque a Moscovo».
Jukov partiu no dia seguinte para Leninegrado, assumindo o comando da Frente de Exércitos que defendiam toda a região assim como o da Esquadra do Báltico. Tomou as medidas necessárias para que os nazis não conquistassem a Veneza do Norte. Não podia no entanto evitar os sofrimentos a que a bela cidade foi submetida e, muito menos, os 641 803 mortos de frio e de fome. Mas a hora da vitória chegou.
Em 1944, a Frente de Exércitos de Leninegrado, comandada pelo marechal Govorov, iniciou a ofensiva soviética que levaria à ruptura do cerco germânico e à libertação da revolucionária cidade. O ‘Grupo de Exércitos Norte’, agora sob o comando do marechal de campo, Georg von Küchler, que incorporava os 16.º e 18.º exércitos nazis, estava destinado a perder, também, a histórica Novgorod. O seu sistema (741 000 homens, 385 tanques e 370 aviões) havia-se esgotado. E quando Leninegrado comemorou os 250 anos de existência, o PC da URSS enviou-lhe a seguinte mensagem:
«Os 900 dias da vossa resistência, exemplo de épica coragem e lendário heroísmo, merecem a admiração de todos os homens e mulheres do mundo e gravar-se-ão no espírito de todas as gerações vindouras. O povo de Leninegrado permaneceu leal e verdadeiro para com a sua Pátria até ao fim». O título de Cidade-Heróica, foi-lhe para sempre atribuído pelo povo da URSS.
Do programa das comemorações do 300.º aniversário da cidade, sobressaíram os belos espectáculos de ópera e «ballet» apresentados no «Teatro Mariinski» com destaque para a trilogia wagneriana «Der Ring des Nibelungen», o «balet» «Ondine», de Pugni com coreografia de Pierre Lacotte. O Festival de Música de Câmara, realizou-se na Assembleia de São Petersburgo e, durante o mês de Junho, os célebres palácios da cidade, o Menchikov e o Cheremetiev, entre outros, abriram-se para um quase infindo programa de concertos. Os mais diferentes países contribuíram para a comemoração levando a São Petersburgo espectáculos culturais de elevado grau. Portugal também se fez representar.
Sempre com os olhos na Europa
Pedro, o Grande, fundou a cidade em 1703. A guerra contra a Suécia, incitara-o a construir a fortaleza de São Pedro e São Paulo. Foi a partir daí que a cidade começou a nascer. Após a batalha de Poltava (vitória russa sobre os suecos em 08.07.1809),o império russo marcou posição na Europa e a supremacia sueca na região báltica desvaneceu. A cidade, portanto, progrediu e acabaria por conquistar a designação de Veneza do Norte. Mas seria nos dias da imperatriz Catarina II (1762-1796), que a catalogariam como cidade verdadeiramente europeia.
Tornar-se-ia num dos centros da resistência russa à invasão napoleónica (1812). Mais tarde, com a inauguração de uma rede de caminhos de ferro, a industrialização chegou e, com ela, um novo sistema produtivo, tal como o aparecimento de uma classe de trabalhadores que haveria de propor-se transformar o mundo - a do proletariado industrial. O centro urbano, naturalmente, tinha-se desenvolvido, principalmente na margem direita do Neva. Do edifício do Almirantado, partiu-se para a construção de outros que marcaram lugar na História. As principais artérias da cidade, tal como a actual
«Perspectiva Nevski», foram traçadas pelo francês, Leblond, segundo o modelo de Versailles. Mas a construção do Palácio de Inverno (1754-1762), que incorpora, hoje, o «Hermitage», seria obra do italiano Bartolomeo Rastrelli, um arquitecto da escola francesa. A famosa estátua equestre de Pedro, o Grande, o Instituto Smolny, o revestimento das margens do Neva, o edifício da Academia das Ciências, a catedral de Nossa Senhora de Kazan, a reconstrução do Almirantado em estilo imperial francês, tiveram lugar, também, no tempo de Catarina II. Entretanto, não era nesta categoria de edifícios monumentais, «à europeia», que se amontoavam os operários da Petrogrado vermelha. Esses, respondendo à chamada do partido de Lenine, acabariam, de facto, por transformar o mundo. Mas vinham das cavernas da servidão e dos antros do trabalho escravo a que o capitalismo e os patrões os sujeitavam.
Outubro Vermelho
Estamos em Petrogrado. Chamem-lhe o que quiserem - Petrogrado, cidade operária, São Petersburgo, cidade europeia, Leninegrado, cidade revolucionária. O dia 7 de Novembro é uma quarta-feira. Há soldados de baionetas apontadas diante do Banco Central. Mas a Duma, na prática, declarava-se contra os Bolcheviques. A Duma (parlamento composto por uma maioria de apoiantes do governo de Kerenski), temia a determinação revolucionária dos comunistas e o espírito prático de Lenine.
Mas os jornais bolcheviques proclamavam: «Todo o poder aos sovietes dos operários, dos soldados e dos camponeses! Paz, pão e terra!»
A noite fora profundamente movimentada. Efectivos militares bolcheviques tinham ocupado a central telefónica e calado, finalmente, as meninas que se manifestavam horrorizadas com a rudeza daqueles trabalhadores que pretendiam usar os telefones e pareciam tão distantes dos senhores ministros ou de ilustres funcionários dos Bancos. Eram aqueles trabalhadores, afinal, os que pretendiam transformar o mundo? No Hotel Militar, diz-nos John Reed, encontravam-se inúmeros jovens oficiais. Conversavam em voz baixa. O que estaria para acontecer? Mas o hotel estava controlado por piquetes de marinheiros.
O 2.º Congresso dos Sovietes de Deputados dos Trabalhadores e Soldados foi declarado aberto. Teve lugar a eleição da respectiva presidência. Os principais partidos eram os Bolcheviques, os Socialistas-Revolucionários (esquerdistas) e os Mencheviques internacionalistas. Um soldado, dirigindo-se aos candidatos dos dois últimos partidos, gritou: «Lembrem-se de como nos trataram quando estávamos em minoria!» Na votação, os Bolcheviques conquistaram a maioria. Os delegados dos outros partidos, por terem sido vencidos, negaram-se a trabalhar lado a lado com os leninistas. De que lado, afinal, se encontravam? E partiram. Partiram para o Palácio de Inverno que pretendiam defender. Mas ao chegarem aos portões de entrada, um marinheiro interpôs-se dizendo: «Querem entrar? Todos vós incluindo aquele, o barbudo Schreider, presidente da Câmara da nossa cidade? Lamento, mas aqui não entram. Só com ordens do Instituto Smolny!»
A insurreição tinha sido decidida. O Soviete de Petrogrado depusera o governo. O Congresso dos Sovietes estava já convencido de que se escreviam páginas gloriosas da História do mundo. Melhor seria subscrevê-las. Já era manhã. Surgiam, então, nas paredes da cidade, os comunicados extraordinários que o povo lia e relia para acreditar que, na verdade, o mundo estava a mudar.
«Do Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia: Os ex-ministros Konovalov, Kichkin, Terestchenko, Maliantovitch, Nikitin, e outros, já foram presos pelo Comité Militar Revolucionário. O primeiro-ministro, Kerenski, fugiu. Todas as organizações militares têm ordens para prender Kerenski e aqueles que o acompanhem. Quem o ajudar, será considerado como tendo cometido um sério crime contra o Estado». Nesse preciso momento, Lenine punha as coisas no seu devido lugar: «A revolução de 6 e 7 de Novembro abriu a era das transformações sociais. O movimento dos trabalhadores, em nome da Paz e do Socialismo, triunfará e cumprirá o seu histórico destino!»
A voz da História
A criminosa invasão da URSS pela Alemanha hitleriana estava em pleno curso. A situação, em Setembro de 1941, era grave. O general Jukov, que assumiria mais tarde o cargo de comandante operacional de todas as forças do Exército Vermelho, tinha sido chamado ao Kremlin onde decorria uma reunião extraordinária da Stavka (organismo que dirigia, sob o comando de Estaline, a defesa do país dos sovietes). Os membros da Stavka distribuíam-se ao longo de uma comprida mesa que um extenso pano verde cobria. Quando Jukov chegou, todos se concentraram na figura do grande cabo de guerra.
Havia enormes mapas espalhados sobre a mesa. Era a meio da noite. As únicas luzes que permaneciam acesas no Kremlin eram as do apartamento onde a reunião em tinha lugar. Jukov, então, abriu-se, afirmando: «Para defender Moscovo, temos de defender Leninegrado. Se os hitlerianos entram na cidade berço da Revolução e a ocupam, disporão de muitas divisões suplementares para o ataque a Moscovo».
Jukov partiu no dia seguinte para Leninegrado, assumindo o comando da Frente de Exércitos que defendiam toda a região assim como o da Esquadra do Báltico. Tomou as medidas necessárias para que os nazis não conquistassem a Veneza do Norte. Não podia no entanto evitar os sofrimentos a que a bela cidade foi submetida e, muito menos, os 641 803 mortos de frio e de fome. Mas a hora da vitória chegou.
Em 1944, a Frente de Exércitos de Leninegrado, comandada pelo marechal Govorov, iniciou a ofensiva soviética que levaria à ruptura do cerco germânico e à libertação da revolucionária cidade. O ‘Grupo de Exércitos Norte’, agora sob o comando do marechal de campo, Georg von Küchler, que incorporava os 16.º e 18.º exércitos nazis, estava destinado a perder, também, a histórica Novgorod. O seu sistema (741 000 homens, 385 tanques e 370 aviões) havia-se esgotado. E quando Leninegrado comemorou os 250 anos de existência, o PC da URSS enviou-lhe a seguinte mensagem:
«Os 900 dias da vossa resistência, exemplo de épica coragem e lendário heroísmo, merecem a admiração de todos os homens e mulheres do mundo e gravar-se-ão no espírito de todas as gerações vindouras. O povo de Leninegrado permaneceu leal e verdadeiro para com a sua Pátria até ao fim». O título de Cidade-Heróica, foi-lhe para sempre atribuído pelo povo da URSS.