Invejosos e vingativos

Aurélio Santos
Mesquinho de ideias e arrogante de propósitos, enchendo hipocritamente o seu discurso de conceitos tão inseparáveis como os de liberdade, democracia e intervenção cívica, – o poder actual não consegue digerir a Festa dos comunistas. Além do mais porque lhe são impossíveis de compreender os factos e os gestos que levam à realidade final em que se transforma a Festa.
Dá dinheiro ao PCP? Pois dá, sim senhor. Aí o poder actual torce o nariz e vinca o beiço. E daí elabora a lei que limita aos partidos políticos as iniciativas para recolha fundos. Visando, evidente e unicamente o PCP – e, muito em especial, a Festa do Avante!
A verdade é que nenhuma outra força política é capaz de realizar uma «rentrée» (como agora se costuma dizer) de perto ou longe comparável à dos comunistas. Mas isso deve-se a factos e gestos a que o poder actual é alheio talvez porque alheado do país que está a tomar de assalto.
A Festa foi decidida pela direcção do Partido e a primeira fez-se em Setembro de 1976, na antiga FIL. Mas a Festa não resulta só de uma decisão de dirigentes: é um verdadeiro descobrimento dos militantes. Até foram eles que compraram a Quinta da Atalaia, depois de andarem com a Festa às costas, feitos nómadas, durante anos e anos...
O desbravar da Festa, ano após ano, significa sobretudo trabalho, imaginação, criatividade, militância. Trabalho diversificado, qualificado, complexo. E mais ainda: a imensa maioria desse trabalho necessário para erguer, garantir o funcionamento e desimplantar a Festa é realizado por militância, com uma motivação política e cívica.
Os «lucros» da Festa, no plano financeiro, resultam directamente desse trabalho voluntário que militantes, simpatizantes (e não só) oferecem como contribuição para uma realização cujo alcance cívico, político e cultural partilham. Desafio qualquer capitalista a fazer uma realização como essa tendo de pagar (mesmo ao preço do salário mínimo) as horas de trabalho que ela contem...
Passará a nova lei a contingentar também o número de horas de trabalho que cada militante queira dedicar às várias formas da sua actividade política? Na sua regulamentação dirá, por exemplo, que cada jornada de trabalho voluntário será taxada ao valor do salário mínimo e cada militante não poderá exceder a tabela estabelecida?
Afinal esta lei mais parece uma vingança daqueles partidos que invejam o PCP por conseguir realizá-la.
Que o governo Barroso/Portas a tenha engendrado, não admira: está na lógica da sua ofensiva contra a democracia. Além de visar o PCP, integra-se também no propósito de criar formas de subordinação dos partidos à ingerência e tutela do Estado. Mas poderá perguntar-se porquê o PS a aprovou, na Assembleia da República.
Talvez por desatenção (e até gostaria que o «talvez» fosse verdade) o Presidente da República promulgou-a – sem sequer politicamente a ter remetido ao Tribunal Constitucional.
Nem por isso ela ganha legitimidade democrática e constitucional.
Certo é, porém, que a Festa do Avante! continuará a realizar-se. Até para bem da cultura cívica e política do nosso país. E desde já podemos convidar quem deseje a comprar EP no ano de 2005, para o qual se anuncia a entrada em vigor desta lei da rolha financeira.
Porque a Festa está aberta a todos – mesmo para aqueles que não gostam do PCP e a comentam sem a ter visto.


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