Faleceu o camarada Feijão

A crónica «Datas da História», que publicamos nesta edição, é das últimas que publicamos, saídas das mãos e do saber do camarada Feijão, como os seus mais próximos e os nossos leitores o conheciam. João Manuel da Costa Feijão faleceu na madrugada do dia 15 de Setembro, vítima de doença súbita, com 58 anos de idade. Licenciado em História, colaborador regular do Avante! nos tempos mais recentes, o camarada há muito estava ligado ao Partido Comunista Português, nomeadamente desde as lutas estudantis dos anos sessenta, tendo-se inscrito no PCP logo depois do 25 de Abril. Após essa data, foi membro do Comité Local de Lisboa e também cooperante em Angola.
Actualmente, o camarada Feijão era colaborador do Comité Central do PCP, desenvolvendo actividade no Gabinete de Estudos Sociais, e assegurava colaboração regular em O Militante, abordando particularmente questões relacionadas com a história do Partido.
Era ainda membro da Direcção da Confederação Portuguesa de Quadros Técnicos e Científicos, para a qual havia sido eleito no último congresso.
O camarada, que assinava todas as semanas a sua colaboração para o Avante!, deixou-nos ainda mais um texto que não deixaremos de publicar no próximo número.
No funeral, realizado anteontem, para além da presença de muitos amigos e camaradas, a direcção do Partido fez-se representar por Domingos Abrantes e Jorge Cordeiro, do Secretariado e da Comissão Política do Comité Central, e Jerónimo de Sousa, da Comissão Política, que proferiu algumas palavras em nome do Partido.
À família do camarada, em particular à sua companheira, Alice da Costa Feijão, a Redacção do Avante! apresenta as suas mais sentidas condolências.


_____


Datas da História
Esmagaram os dedos de Victor Jara

                    Por J. M. Costa Feijão

Hoje, relembramos um momento imperecível na memória dos povos - 11 de Setembro de 1973 - dia do golpe militar onde convergiram os interesses da burguesia chilena e dos grandes monopólios norte-americanos que liquidaram o Governo constitucional da Unidade Popular e mergulharam o país num abismo de violência e terror oficial.
Passaram-se 30 anos sobre a data em que pilotos dos EUA orientaram, com sofisticada aparelhagem electrónica, o ataque da aviação de Pinochet ao Palácio de La Moneda, sob cujos escombros pereceu o legítimo Presidente da República – Salvador Allende – e, no entanto, os dias que vivemos não se nos afiguram muito distantes nem diversos.
O derrubamento de governos legítimos, o apoio a ditaduras sanguinárias, a incessante intromissão brutal nos assuntos internos de outros países, são os elementos centrais na política externa dos EUA, com o intuito de conservarem os regimes que lhes são úteis .
Quando escutamos as arengas dos falcões do imperialismo, repetidas por papagaiozitos aliados e servis, sobre a actual cruzada dos «direitos humanos», importa recuperar na memória dos homens o trágico lastro dessa barbárie, traduzida por insuspeitas fontes de informação: Le Monde (10.10.1973) - «O membro da Junta Militar, general Gustav Leight, declarou em público que era preciso matar um terço dos 10 milhões de chilenos para acabar com o marxismo»; Financial Times (11.09.1975) - «de 11 de Setembro 73 a 30 Junho de 1975 foram detidos por motivos políticos ou desapareceram sem deixar rastro 95.000 adversários políticos da Junta»; Stern (03.02.1977) - «segundo dados da Igreja Católica do Chile, a partir de 1973 foram detidos mais de 100.000 chilenos, dos quais 15 a 20 mil foram fuzilados ou torturados até à morte».
Após o golpe, e agindo apenas às ordens de Pinochet, foi constituída como instrumento e suporte da Junta Militar, a «Gestapo» chilena, DINA – Direccion de Inteligencia Nacional com 15 000 agentes preparados pelos instrutores dos EUA, no Panamá. E, enquanto os golpistas exortavam os «patriotas chilenos» a denunciarem os “ chilenos sem Deus nem Pátria” pelo telefone 85 623, o país ía sendo coberto por uma rede de campos de concentração à moda nazi. «O Povo Unido – jamais será vencido!» foi silenciado em valas comuns; esmagaram os dedos do trovador Victor Jara; expulsaram 25 mil estudantes das universidades e lançaram no desemprego mais de 200 mil operários.
Hoje promove-se o terrorismo a ameaça global e, como qualquer pastilha elástica, estica-se e adapta-se a palavra a tudo o que for julgado inconveniente para a Casa Branca. Mas... se tais actos forem executados por amigos do peito, e confessadamente apoiados por Washington, o sentido do termo e a condenação das acções altera-se. O caso da série de atentados terroristas e de assassinatos de personalidades da oposição a Pinochet, executados a seu mando no exterior, é elucidativa: General Carlos Prats (Set.1974) - Buenos Aires – automóvel armadilhado; Bernardo Leighton, dirigente do PDC (Out.1975) - Roma - abatido à queima-roupa; Orlando Letelier, ministro do governo de Allende (Set. 1976) - Washington – automóvel armadilhado.
Contudo, Pinochet não permitiu que uma comissão da ONU visitasse as prisões e campos de concentração, e a resolução da ONU sobre «A Protecção dos Direitos do Homem no Chile», adoptada em 23 de Novembro de 1976, votada favoravelmente por 98 países, mereceu a abstenção, entre outros, dos EUA e de Israel. Curioso...!


Mais artigos de: Argumentos

O crime de um general sem honra

No passado dia 11, as estaçõess portuguesas de televisão assinalaram fartamente o segundo aniversário da destruição das grandes torres gémeas de Nova Iorque e evocaram as cerca de três mil vitimas civis que, segundo as estimativas mais frequentes, os atentados provocaram. A solidariedade com a tragédia que feriu a...

A Festa terminou...

Manuel PardalMogadouro(à memória)Pardal amigo:Escrevo-te na noite de 5 de Setembro. Este ano não posso ir à Festa. Quando isto me acontece fico a pensar nos amigos que nunca poderão ir à Festa, como tu, que nos deixaste, tão tristes, há tantos anos.Gostava tanto de te levar à Atalaia, chegar àquele alto e ver, ainda de...

O 11 de Setembro e as religiões

Faz dois anos que um acto terrorista destruiu as torres de Nova Iorque. São dois anos em que o poderoso aparelho de investigação criminal americano não avançou sequer um passo no esclarecimento da teia do crime. Tempo suficiente para que muitos de nós considerem estar confirmado aquilo em que instintivamente pensaram...