Notas sobre a Justiça
Só a época estival e a desgraça do país a arder perante os nossos olhos estupefactos conseguiram passar para segundo plano as «chamas» que há meses consomem e continuam sendo ateadas em torno do nosso sistema de justiça.
É preciso afirmar a nossa confiança no sistema judicial
Sem ter intenção de deitar achas na fogueira, vale a pena, serenamente, alinhavar sobre a matéria algumas notas.
A propósito dos processos em curso relativos aos casos de pedofilia e abuso sexual de menores, é justo sublinhar o facto de que o odioso dos crimes praticados despertou o povo em geral, e a opinião pública, para uma saudável envolvência e proximidade com a realidade judicial e os seus mecanismos, o que só pode ser considerado positivo.
Ressalvados os excessos e paixões que comportamentos dispersos pontualmente traduzem, quase sempre induzidos pelo mediatismo exacerbado e contraditório dos processos em curso, o que salutarmente ressalta é um genuíno e legítimo sentimento de exigência de que, mais uma vez, os responsáveis por tão graves crimes não fiquem impunes.
Diferentemente, o verdadeiro estado de sítio em que alguns querem ver mergulhado o sistema judicial português é seguramente tributário do interesses em que o clima que tem sido gerado acumule factores de ordem emocional que facilitem, mais cedo que tarde, alterações de sentido negativo no nosso sistema de justiça.
Alterações em ordem a tornar a justiça ainda mais vulnerável e, sobretudo, ineficaz no combate à grande criminalidade. E cujo resultado final seria uma maior limitação da independência do poder judicial face aos interesses económicos e políticos dominantes.
Que é assim, que esta é a estratégia, dirigida, da direita política e dos interesses, provam-no o fogo cerrado contra os tribunais, contra as investigações e outros actos processuais em curso e os seus protagonistas. Fogo cerrado que vai muito para além do normal exercício da crítica das insuficiências há muito conhecidas e identificadas do aparelho judicial e dos mecanismos de realização da justiça e a que os sucessivos governos não têm querido dar resposta cabal.
Que é assim, que esta é a estratégia, prova-o o empolamento forçado da discussão de questões como o segredo de justiça, ou a prisão preventiva ou as escutas telefónicas de um momento para o outro transformados no alfa e no ómega dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Confiar na Justiça
Com isto, não se pretendem escamotear distorções, excessos ou disfunções, maiores ou menores, de qualquer destas medidas. É possível e necessário avaliá-los, de forma dinâmica, tendo em conta a experiência verificada. Deve ser possível aperfeiçoá-los. E aperfeiçoá-los no sentido de que uma mais eficaz perseguição do crime não contenda com direitos e liberdades individuais. Sempre o dissemos.
Existe toda a disponibilidade do PCP para uma avaliação e para esse aperfeiçoamento. Agora, não contem com o PCP para a introdução, de afogadilho, de alterações que, a pretexto de alargar direitos, liberdades e garantias, enfraqueçam e desarmem ainda mais (se possível) a investigação e os mecanismos do processo criminal chamados a perseguir a criminalidade mais complexa, onde, como se sabe, a impunidade campeia.
Mas é insuportável a incoerência e o oportunismo da recente argumentação contra a utilização em excesso, pelos magistrados, da medida da prisão preventiva, vinda da parte de muitos dos mesmos que se vinham queixando incessantemente dos juizes que libertavam os delinquentes detidos pelas entidades policiais.
Elevados índices de prisão preventiva? Altas taxas de reclusão? Seguramente. Mas onde estão as medidas de prevenção criminal? E as políticas de ressocialização? E as condições para a aplicação de medidas seguras e eficazes de substituição das penas detentivas? A sua ausência não é certamente da responsabilidade do poder judicial.
O Primeiro Ministro Durão Barroso não se cansa de afirmar que, a partir de agora, com estes processos, fica provado que não há uma justiça para ricos e uma justiça para pobres. Para além de ser uma afirmação gratuita, mais que prematura e carecida de confirmação, ela procura mistificar a realidade que continua a ser o marcado carácter de classe da nossa justiça - que não salvaguarda, nem garante com eficácia os direitos dos trabalhadores; que é severa, pesada e eficaz para os pilha galinhas (basta ver quem é a população prisional) e que tem sido branda e totalmente ineficaz com a alta criminalidade.
Quanto aos processos em curso da pedofilia, mas também, os relativos à corrupção e à criminalidade económica, voltamos a reafirmar que é imperioso que todas as condições sejam criadas para a sua investigação até às últimas consequências, no estrito respeito da legalidade e dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Uma última nota, para frisar que mesmo que, nos tempos que correm, possa aparecer como «politicamente incorrecto», é preciso afirmar a nossa confiança no sistema judicial, não apenas reclamando da Justiça que seja imune a todas as pressões, mas sobretudo exigindo ao poder político que assuma as suas responsabilidades, criando as condições e os mecanismos que garantam e assegurem a assunção plena da independência dos magistrados e dos tribunais.
A propósito dos processos em curso relativos aos casos de pedofilia e abuso sexual de menores, é justo sublinhar o facto de que o odioso dos crimes praticados despertou o povo em geral, e a opinião pública, para uma saudável envolvência e proximidade com a realidade judicial e os seus mecanismos, o que só pode ser considerado positivo.
Ressalvados os excessos e paixões que comportamentos dispersos pontualmente traduzem, quase sempre induzidos pelo mediatismo exacerbado e contraditório dos processos em curso, o que salutarmente ressalta é um genuíno e legítimo sentimento de exigência de que, mais uma vez, os responsáveis por tão graves crimes não fiquem impunes.
Diferentemente, o verdadeiro estado de sítio em que alguns querem ver mergulhado o sistema judicial português é seguramente tributário do interesses em que o clima que tem sido gerado acumule factores de ordem emocional que facilitem, mais cedo que tarde, alterações de sentido negativo no nosso sistema de justiça.
Alterações em ordem a tornar a justiça ainda mais vulnerável e, sobretudo, ineficaz no combate à grande criminalidade. E cujo resultado final seria uma maior limitação da independência do poder judicial face aos interesses económicos e políticos dominantes.
Que é assim, que esta é a estratégia, dirigida, da direita política e dos interesses, provam-no o fogo cerrado contra os tribunais, contra as investigações e outros actos processuais em curso e os seus protagonistas. Fogo cerrado que vai muito para além do normal exercício da crítica das insuficiências há muito conhecidas e identificadas do aparelho judicial e dos mecanismos de realização da justiça e a que os sucessivos governos não têm querido dar resposta cabal.
Que é assim, que esta é a estratégia, prova-o o empolamento forçado da discussão de questões como o segredo de justiça, ou a prisão preventiva ou as escutas telefónicas de um momento para o outro transformados no alfa e no ómega dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Confiar na Justiça
Com isto, não se pretendem escamotear distorções, excessos ou disfunções, maiores ou menores, de qualquer destas medidas. É possível e necessário avaliá-los, de forma dinâmica, tendo em conta a experiência verificada. Deve ser possível aperfeiçoá-los. E aperfeiçoá-los no sentido de que uma mais eficaz perseguição do crime não contenda com direitos e liberdades individuais. Sempre o dissemos.
Existe toda a disponibilidade do PCP para uma avaliação e para esse aperfeiçoamento. Agora, não contem com o PCP para a introdução, de afogadilho, de alterações que, a pretexto de alargar direitos, liberdades e garantias, enfraqueçam e desarmem ainda mais (se possível) a investigação e os mecanismos do processo criminal chamados a perseguir a criminalidade mais complexa, onde, como se sabe, a impunidade campeia.
Mas é insuportável a incoerência e o oportunismo da recente argumentação contra a utilização em excesso, pelos magistrados, da medida da prisão preventiva, vinda da parte de muitos dos mesmos que se vinham queixando incessantemente dos juizes que libertavam os delinquentes detidos pelas entidades policiais.
Elevados índices de prisão preventiva? Altas taxas de reclusão? Seguramente. Mas onde estão as medidas de prevenção criminal? E as políticas de ressocialização? E as condições para a aplicação de medidas seguras e eficazes de substituição das penas detentivas? A sua ausência não é certamente da responsabilidade do poder judicial.
O Primeiro Ministro Durão Barroso não se cansa de afirmar que, a partir de agora, com estes processos, fica provado que não há uma justiça para ricos e uma justiça para pobres. Para além de ser uma afirmação gratuita, mais que prematura e carecida de confirmação, ela procura mistificar a realidade que continua a ser o marcado carácter de classe da nossa justiça - que não salvaguarda, nem garante com eficácia os direitos dos trabalhadores; que é severa, pesada e eficaz para os pilha galinhas (basta ver quem é a população prisional) e que tem sido branda e totalmente ineficaz com a alta criminalidade.
Quanto aos processos em curso da pedofilia, mas também, os relativos à corrupção e à criminalidade económica, voltamos a reafirmar que é imperioso que todas as condições sejam criadas para a sua investigação até às últimas consequências, no estrito respeito da legalidade e dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Uma última nota, para frisar que mesmo que, nos tempos que correm, possa aparecer como «politicamente incorrecto», é preciso afirmar a nossa confiança no sistema judicial, não apenas reclamando da Justiça que seja imune a todas as pressões, mas sobretudo exigindo ao poder político que assuma as suas responsabilidades, criando as condições e os mecanismos que garantam e assegurem a assunção plena da independência dos magistrados e dos tribunais.