Dignidade nacional, custe o que custar

Albano Nunes

«O ce­nário de um “re­gresso a África” está vi­si­vel­mente a es­quentar muitas ca­beças.»

Sendo certo que “a verdade é como o azeite,vem sempre ao de cima”, não é menos certo que uma mentira mil vezes repetida, como ensinou e praticou Goebbels, pode ser, ainda que temporariamente, imposta como verdade, ter efeitos perversos na consciência das massas e influenciar o curso dos acontecimentos. Se assim não fosse não seria tão grande o investimento capitalista na comunicação social e nos aparelhos de produção e reprodução da ideologia dominante e o seu férreo controle.

Vem isto a propósito de uma mentira que, de envergonhada insinuação passou nos últimos tempos a tese descaradamente propagandeada acerca do papel de Portugal no mundo, daquilo que realmente faz o seu prestígio, lhe granjeia respeito e autoridade no concerto das nações, protege os interesses legítimos dos portugueses, assegura uma contribuição honrosa do país, como impõe a Constituição da República, para a defesa da paz e o progresso da Humanidade.

Trata-se de uma questão de vital importância para os destinos de Portugal e dos portugueses. Ela colocou-se com urgência na ordem do dia pela política de vergonhosa submissão nacional do governo da dupla D.Barroso/P.Portas e por todo um vasto conjunto de posições que com tal política enfeudada à estratégia de hegemonia planetária dos EUA – vide Iraque, da “Cimeira da guerra” dos Açores ao anunciado envio de um contingente da GNR para o teatro de operações - alimentam projectos abertamente revanchistas e colonialistas e que, em troca dos seus serviços procuram um quinhão no violento processo de recolonização imperialista do mundo. O cenário de um “regresso a África” à boleia da “guerra ao terrorismo” ou da “projeção de forças” em “operações de paz” está visivelmente a esquentar muitas cabeças e a animar muito saudosismo fascizante.

Por tudo isto o artigo “Forças terrestres procuram-se”, de Loureiro dos Santos (Pú­blico,7.08.03) não pode passar sem uma anotação fortemente crítica. Perante o atoleiro em que se envolveram no Iraque o General parte uma vez mais em socorro dos EUA, lembra que o que “os americanos... pedem [aos europeus são] forças terrestres” e aponta a participação directa de militares portugueses em “operações de manutenção de paz” como caminho para uma “mais expressiva afirmação de Portugal na cena internacional”. Até porque, escreve, “entre os vá­rios do­mí­nios mi­li­tares em que pos­suímos ap­tidão as­si­na­lável, devem des­tacar-se as ope­ra­ções de ma­nu­tenção de paz, o que, em parte, se ex­plica pela ex­pe­ri­ência que ob­ti­vemos e a dou­trina que criámos nas cam­pa­nhas de África onde, aliás, a pra­ti­camos com êxito re­le­vante, o que tem sido elo­giado pelos mai­ores es­pe­ci­a­listas in­ter­na­ci­o­nais na ma­téria. E ainda deve ser re­cor­dado que este tipo de par­ti­ci­pação no es­forço mi­litar é não só o que mais in­te­ressa aos nossos ali­ados, como o que nos con­fere maior pres­tígio e con­tribui parauma mais ex­pres­siva afir­mação de Por­tugal na cena in­ter­na­ci­onal” .

Aqui fica para reflexão o registo de tão chocantes quanto inquietantes afirmações.Muitas outras de teor semelhante existem, ainda mais subservientes e branqueadoras do fascismo e do colonialismo. Mas estas, vindo de onde vêem, têm uma densidade específica incontornável. Além do mais é mentira, pura mentira, que seja este o caminho para prestigiar Portugal no mundo, bem pelo contrário. Os interesses do país defendem-se e o nome de Portugal prestigia-se com uma corajosa política de brio patriótico e independência nacional, promovendo os valores da cooperação, do desarmamento e da paz, respeitando a soberania dos povos e assegurando o direito ao seu próprio caminho de desenvolvimento. A voz de Portugal nunca foi tão respeitada como quando, com o 25 de Abril, rompeu com a política de dominação colonial e de submissão ao imperialismo e proclamou bem alto os valores libertadores da revolução. É esse o caminho que de novo é necessário trilhar. Custe o que custar.


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