Do Maranhão a Moscovo

Avessos à mitificação de comportamentos, geramos silêncios e alimentamos encurtamentos de memória sobre pessoas e casos que, progressivamente distantes no tempo, se vão diluindo em brumas na consciência do colectivo, alimentando lacunas no conhecimento das gerações mais novas. Vejamos um exemplo.
No Brasil, em São Luís do Maranhão, a 10 de Abril de 1909, nasceu um rapazinho a quem deram o nome de Manuel Rodrigues da Silva Júnior, fruto da miscigenação dum emigrante português com uma índia brasileira. Com 4 anos, rumou a Portugal e, aos 13 anos, ingressou no mundo do trabalho, iniciando-se nas artes metalúrgicas como aprendiz de serralheiro mecânico na Manutenção Militar, em Lisboa. Entre 1922 e 1932, caldeou a sua jovem consciência social no calor das lutas do movimento operário da época. Aderiu ao PCP em 1932 e, como sindicalista, é eleito secretário da Comissão Regional do Centro da CIS (Comissão Inter-Sindical), ascendendo à sua Comissão Executiva em 1934, ano em que passa a membro do Comité Regional de Lisboa do PCP.
Com a prisão do Secretariado do PCP, em Novembro de 1935, Manuel Rodrigues da Silva Júnior faz parte dum Secretariado «provisório» (Dez.35/Mar.36), como responsável da actividade sindical do Partido e, em Abril de 1936, participa na reunião de quadros dirigentes do PCP que decidiu constituir um Comité Central e eleger um Secretariado formado por: Alberto Araújo, Manuel Rodrigues da Silva Júnior e Francisco Paula de Oliveira. Preso pela PVDE, em 23 de Setembro de 1936, é encarcerado no Aljube, e a 17 de Outubro, é deportado para a Cabo Verde, onde desembarca na Achada Grande do Tarrafal, em 29 de Outubro de 1936.
Tendo sobrevivido no «Campo da Morte Lenta», regressou a Lisboa, em 1 de Fevereiro de 1946. Tinham-se passado cerca de 10 anos de torturas, privações e isolamento. Recém-chegado, passa à clandestinidade, e em Julho de 1946, toma parte no IV Congresso do PCP, na Lousã, aí sendo eleito para o Comité Central. O «Almeida» (pseudónimo mais conhecido), voltara ao seio da classe operária, retomando responsabilidades na frente sindical. Mas, a PIDE estava atenta e, a 17 de Junho de 1950, Manuel Rodrigues da Silva Júnior é preso pela brigada de José Gonçalves, na Rua Arco do Carvalhão (Campolide).
Ao revisitar o Aljube, iniciaria uma longa peregrinação pelas masmorras do fascismo. Julgado no Tribunal Plenário Criminal de Lisboa, em 21 de Abril de 1951, aí desafiou frontalmente os juizes fantoches do regime: «Hoje, sois vós os julgadores, mas não vem longe o dia em que será o povo dum Portugal livre quem julgará...»
Passaram-se anos de inúteis recursos da sentença de que resultaram agravamentos da pena, num quotidiano de celas, grades e baixas à enfermaria, porque a saúde ia minguando. Em Junho de 1954, é transferido para o Forte de Peniche onde, 9 anos depois, seria afectado por um acidente vascular cerebral. As campanhas de denúncia sobre o seu estado de saúde, levaram o regime a conceder-lhe a liberdade condicional por 5 anos, em 8 de Janeiro de 1964, e o «Almeida» abandonou Peniche e, mais uma vez, mergulhou na clandestinidade. - O movimento comunista e sindical internacional promoveu a sua recuperação e, em Setembro de 1965, Manuel Rodrigues da Silva Júnior faz a intervenção de abertura no VI Congresso do PCP, em Kiev, sendo eleito para o CC e para o Secretariado.
Mas, eram profundas as marcas de mais de 23 anos de masmorras e, a 22 de Julho de 1968, fechou para sempre os olhos, sendo sepultado na pátria de Lenine. O metalúrgico, o sindicalista e o comunista terminara em Moscovo a viagem iniciada no Maranhão.

NOTA: O fascismo não o esquecera, e quatro anos depois da sua morte, foi-lhe concedida liberdade definitiva pelo 2º Juízo Criminal de Lisboa, em 21 de Novembro de 1972.


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